O Chega tem gosto em perder oportunidades para mostrar que é um partido de poder, e não apenas de protesto. Já defendi várias vezes entendimentos entre a AD, a IL e o Chega para fazerem reformas onde estejam de acordo, e que sejam benéficas para o país. Até agora, o governo nunca mostrou interesse em negociar com o Chega. A AD, basicamente, não confia no Chega.

Perante isto, o que deveria fazer o Chega? Muitos acham, seguramente a maioria dos deputados e provavelmente dos eleitores do Chega, que a única opção é o combate ao governo, mostrando que no fundo a AD e o PS são duas faces da mesma moeda. Esta posição serve a natureza do Chega de partido de protesto.

Não concordo com essa posição. Apesar da hostilidade do governo, julgo que o Chega deveria adoptar uma posição mais construtiva e mostrar que merece ser levado a sério. Os partidos novos devem mostrar que são de confiança. É uma lei da vida. Os que chegam devem conquistar a confiança sem obviamente abdicar dos seus princípios e valores.

Na rentrée política, Ventura poderia ter proposto o seguinte: de acordo com os programas de governo e do Chega, há três ou quatro reformas necessárias para o país onde é possível chegar-se a entendimentos (deveria incluir uma proposta séria sobre a imigração, uma questão que não pode ser ignorada). Poderia mesmo convidar a IL a juntar-se a essas discussões e negociações. Afirmava ainda que o voto do Chega em relação ao orçamento dependeria do sucesso das negociações.

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Se o tivesse feito, Ventura mostrava, desde logo, que o Chega é um partido sério em relação às reformas e que é indispensável a uma maioria reformista em Portugal. Colocava ainda pressão no governo. Seria muito mais difícil ao governo fugir a uma discussão sobre propostas de reforma sérias do que à exigência de um referendo sobre a imigração. Por fim, Ventura marcava pontos entre os eleitores da AD que se sentem frustrados com a ausência de vontade e de capacidade reformista deste governo.

Mas Ventura decidiu seguir outro caminho. Colocou-se de fora das discussões sobre o orçamento ou sobre reformas para continuar a liderar um partido de protesto. Há sempre um momento em que não basta ter talento, é necessário saber usar esse talento de uma forma construtiva para alcançar vitórias políticas. Ora, quem se coloca fora do processo político, não ganha, ao contrário do que julga Ventura.

André Ventura começou a sua vida pública como comentador de futebol. Como muitos jogadores de talento, pode passar ao lado de uma grande carreira. Neste momento, parece ser o João Félix da política nacional. Tal como com Félix, já não terá muitas oportunidades para passar de um político com talento a um líder responsável.