Nos últimos dias, o país parece ter descoberto pela primeira vez o que há muito conhecia ou pelo menos tinha fortes motivos para desconfiar.

Em Portugal, centenas de imigrantes vivem em condições desumanas e há mesmo quem desconfie, inclusivamente o Presidente da Câmara de Odemira, que alguns destes imigrantes estão sujeitos a práticas que julgávamos extintas, como a escravatura ou o tráfico de seres humanos.

Tudo isto, ao mesmo tempo que o país político discute como julgar os promotores da escravatura de outros tempos. É um sinal dos tempos anacrónicos em que vivemos. A política e os políticos perdem todo o tempo com narrativas e ideologias ocas e esquecem-se de olhar para a realidade. É por isso que também as pessoas que vivem na realidade desistem de contar com os políticos para a solução dos seus problemas.

Não fosse a pandemia e a cerca sanitária, e o país político continuaria indiferente à sorte daqueles estrangeiros. E, mesmo com a evidência a entrar-nos pela casa adentro, o discurso político continua a roçar o absurdo.

Sintomático, o facto de, ao mesmo tempo que o país fazia de conta que acordava para o tema, se ter celebrado com a pompa habitual o 1º de Maio. Na rua, ouvimos as habituais palavras de ordem sobre os direitos dos trabalhadores. Mas sobre estes trabalhadores nem uma palavra. Talvez porque não são sindicalizados.

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Há muitos anos que se conhece esta realidade. O Primeiro-Ministro que vem agora falar em violação de direitos humanos, foi o mesmo que, em 2019, aprovou uma resolução de Conselho de Ministros que permitiu o alojamento destes imigrantes “empilhados” em contentores. Chamou-lhes enigmaticamente “unidades amovíveis de alojamento”. Uma forma habilidosa de encaixar as pessoas sem violar as regras do Parque Natural da Costa Vicentina. As ditas unidades amovíveis foram criadas com o carácter temporário de 10 anos. Todo o país político achou isto normal. Com a única e honrosa exceção da deputada Filipa Roseta, do PSD que, por mais de uma vez, questionou o Governo sobre a resolução tomada.

O indignado deputado Ventura disto não tem vergonha. A deputada Joacine não tem tempo para perder com estas minudências, este não é o racismo de que gosta de falar. A defensora dos frágeis e oprimidos Catarina Martins não viu, não sabia, não se indignou. O PCP esqueceu-se destes trabalhadores, provavelmente porque, apesar de estarem no Alentejo, não votam. Francisco Rodrigues dos Santos não pode admitir a requisição civil de casas a particulares, mas a situação destes imigrantes não lhe sugere comentários ou críticas.

É tudo muito triste, é tudo muito mau, mas talvez o pior de tudo seja a confirmação de que já não há democratas cristãos em Portugal.

Francisco Rodrigues dos Santos devia tirar um tempinho para assistir a uma excelente iniciativa promovida pelo Instituto Democracia e Liberdade (IDL), que decidiu contar a história do CDS. Na primeira sessão, Basílio Horta e Eugénio Anacoreta Correia, dois fundadores do partido, explicam bem as origens do partido e como foi pôr a democracia cristã em ação no país. Talvez o melhor de tudo seja a forma como Basílio Horta define onde se situava politicamente o CDS e os seus fundadores, particularmente Adelino Amaro da Costa.

O CDS dos seus fundadores não deixaria passar em branco a inadmissível situação em que vivem os imigrantes de Odemira. Foi isto que fez do CDS um grande partido da democracia portuguesa, apesar das tentativas para o seu aniquilamento. Não basta falar do cerco do Palácio de Cristal, é importante perceber de onde vinha a coragem dos fundadores. Sem perceber isto, de facto, o CDS não faz falta a Portugal.