Na véspera de um novo ano, é costume em algumas culturas políticas celebrar a mudança e a inovação, contra o passado e a tradição. Essa oposição entre passado e futuro, tradição e inovação é um traço definidor de culturas políticas arcaicas e revolucionárias, em regra autoritárias e centralistas.

Infelizmente, esse mau hábito — a que Burke chamou “despotismo inovador” — está a chegar (ou a regressar) às democracias ocidentais. Há hoje demasiadas inovações desnecessárias entre nós.

Não me parece nada necessário, para dizer o mínimo, o inovador movimento dos “coletes amarelos” em França (felizmente fracassado entre nós). Mas também não me pareceu desde o início necessária a ideia inovadora do Presidente Macron de acelerar a integração supranacional da União Europeia. Talvez os “coletes amarelos” e a “integração supranacional” sejam duas faces de uma mesma moeda — mal acostumada às tradições de soberania pacífica de Parlamentos nacionais.

Também não me parece nada necessário o inovador estilo (ou ausência dele) do Presidente Trump —  que não sei, francamente, como definir em termos políticos. Conservador não é certamente e progressista também não parece ser. Basicamente, parece tratar-se de um estilo televisivo inovador. Mas parece-me muito reconfortante que, ao contrário da inovadora violência de rua dos “coletes amarelos” em França, os ancestrais e não inovadores “Checks and Balances” da Constituição americana estejam a funcionar em pleno e aos olhos de todos.

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Talvez o Presidente dos EUA seja “o homem mais poderoso do mundo” (uma expressão equívoca e desagradável) — mas certamente o seu poder é severamente limitado na América pelas sábias tradições constitucionais herdadas da Magna Carta de 1215. Entre elas tem estado particularmente evidente a robusta independência do poder judicial. Há também sinais de que o Partido Republicano (curiosamente designado por “Grand Old Party”) começa a ficar farto de tanta inovação televisiva. Não é de excluir que o GOP venha a dar razão a Churchill — que costumava dizer que “os americanos acabam sempre por tomar a decisão certa, depois de terem tentado todas as outras”.

Também se tornou inovadora a moda actual de ridicularizar a (inegável) confusão da política britânica sobre o “Brexit”. Mas a verdade é que essa inegável confusão está a ocorrer num pacífico processo parlamentar — sem “coletes amarelos”, sem partidos populistas e sem “tweets” agressivos. Reforçando esta tradicional tranquilidade britânica, a Rainha proferiu uma mensagem de Natal totalmente clássica e explicitamente Cristã.

No plano político, condenou o tribalismo e apelou ao diálogo entre posições rivais, sem nunca emitir o mais leve sinal de preferência por “Brexiteers” ou por “Remainers”. E acentuou que, “mesmo com as mais profundas diferenças, tratar a outra pessoa com respeito e como um ser humano nosso semelhante é sempre um bom primeiro passo para uma melhor compreensão mútua”.

Num artigo sábio e divertido no Telegraph de sábado, Charles Moore (biógrafo de Thatcher e famoso “Brexiteer”) tentou corresponder à exortação da Rainha e estendeu a mão aos seus rivais “Remainers”. Este exercício de “fair-play” faz lembrar aquilo que Churchill definia como a “ideologia própria”, ou o traço distintivo, da democracia inglesa, a propósito da filosofia política de seu pai:

“[Lord Randolph Churchill] não via razão para que as velhas glórias da Igreja e do Estado, do Rei e do país, não pudessem ser reconciliadas com a democracia moderna; ou por que razão as massas do povo trabalhador não pudessem tornar-se os maiores defensores destas antigas instituições através das quais tinham adquirido as suas liberdades e o seu progresso. É esta união do passado e do presente, da tradição e do progresso, esta corrente de ouro [golden chain], nunca até agora quebrada, porque nenhuma pressão indevida foi exercida sobre ela, que tem constituído o mérito peculiar e a qualidade soberana da vida nacional inglesa.”

Os meus votos para o novo ano de 2019 são sobretudo de re-descoberta das boas tradições demo-liberais fundadas na perpétua conversação civilizada entre perspectivas rivais — a “corrente de ouro” de que falava Churchill.