Há dias, falei na Rádio Observador sobre José Mário Branco (JMB). Disse que o julgava um músico decente e um comunista empedernido. Hoje, não por causa de JMB mas por causa das reacções à morte de JMB, gostava de confirmar algumas coisas, corrigir outras e desenvolver as restantes.

Em primeiro lugar, o músico. Tinha uma ideia vaga da obra de JMB. Lembrava-me da madrugada em que, na adolescência, ouvi o “FMI” e fiquei assarapantado com a crueza daquilo. Lembrava-me ainda dos “sucessos” que durante uns anos JMB cantava na televisão, do “Qual é a tua, ó meu?” ao “Eu vim de longe, eu vou para longe (Chulinha)”, do “Ser Solidário”, da “Queixa das almas jovens censuradas”, de uma resma de “singles” do Grupo de Acção Cultural que alguém me emprestou há décadas e de uma canção mais recente que não consigo identificar e que à época achei bonita. Tinha uma ideia  genericamente simpática da obra do homem. Esta semana, por razões óbvias, deu-me para ouvi-la com certa atenção. Acabei desiludido.

Mantenho que JMB era melhor músico do que os seus pares do “canto de intervenção”. Não é grande proeza: quase todos os pares eram de uma indigência medonha. Por muito que tentem, os militares de Guantánamo não arranjam forma de tortura comparável à “Pedra Filosofal” de Manuel Freire. E quem diz o sr. Freire diz as dezenas de “baladeiros” que, de tanto educarem as massas, não aprenderam quatro ou cinco acordes. A verdade é que em Novembro de 2019 as canções de JMB soaram-me insípidas, derivações suburbanas das “recolhas” de Giacometti com uns pozinhos ocasionais de “chanson”. As letras, para lá do programa ideológico, são sentimentalismo adolescente. Os arranjos, às vezes curiosos, são puro 1970 e puro Terceiro Mundo. A voz é fracota e zangada. O GAC é repugnante. “Inquietação”, não fosse cantada naquele tom de fiscal antipático e não tivesse subtraído a imagem central a Pessoa, não é má. Em suma, é possível que JMB seja um dos nomes maiores da música popular portuguesa, o que é igual a falar nos vultos imortais da ópera do Sudão. Para efeitos práticos, tirando Amália e talvez Carlos Paredes, a relevância da música popular portuguesa a leste de Badajoz é comparável à da Web Summit.

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