As mãos serpenteantes e palmas constantes da cultura cigana estão a conjugar-se com a arte dos alunos do 3.º ano do Ballet Teatro para levar à Casa da Música, no Porto, um Dia Mundial da Dança que combata preconceitos. Oriundos dos bairros do Seixo e Biquinha, em Matosinhos, cerca de 50 ciganos de todas as idades ensaiam há já seis meses para mostrar o espetáculo Romani, a estrear-se quarta-feira, dia 29, num ambiente que mostre “o lado bom da cultura cigana”.

“Há ciganos que quando estão tristes choram e quando choram parece que estão a cantar”, diz à Lusa Graciano Cardoso, residente no Porto e integrado no grupo da Igreja Evangélica do Seixo, lamentando que ainda exista “tanto preconceito” em relação à etnia.

Até lhe “custa dizer a palavra”, mas para este músico cigano portuense, o racismo é ainda incontornável. “Ainda há muito povo, entre os não-ciganos, que nos considera estranhos no nosso próprio país. Parece que é um povo que tem de ser excluído. E é errado, porque apesar de termos a nossa cultura, não somos uns bichos, como já ouvi muita gente dizer que somos parasitas”, descreveu o participante no projeto Romani.

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Graciano Cardoso ilustra os ostracismos com que habitualmente se depara recorrendo aos exemplos de programas de humor televisivos, em que “se um comediante vai representar um cigano, vai representá-lo num tribunal, a fugir à polícia, a roubar, de luto, com ouro e tal. Isso depois, através das redes sociais, passa para o mundo e o povo vai ver que o cigano é ladrão.”

“E há tanta coisa boa que o cigano tem”, desabafa, “desde o casamento, desde o respeito para com as pessoas mais velhas, à honra da mulher, só que ao cigano só o mostram à margem da lei”, assevera.

Tanto Graciano Cardoso como a cantora Taísa de São Maia, também do grupo da Igreja Evangélica do Seixo, concordam que o espetáculo a decorrer na Casa da Música constitui mais um passo rumo à aceitação dos ciganos enquanto meros portugueses, mais que meros visitantes. “Não somos peregrinos, mas falam de nós como se estivéssemos de passagem”, diz à Lusa Taísa de São Maia.

Para a “cantora de louvor” do grupo evangélico do Seixo, a etnia ainda é descrita “como era muito tempo atrás. Falam muito a nível das escolas, de as crianças não estudarem, e isso é completamente [falso], porque eu tenho filhos que estudam e temos uma vida completamente normal, somos cidadãos como qualquer um”, reivindicou.

Com três filhos a participar na fusão de dança, música, louvores a Deus e representações do quotidiano cigano que constitui o projeto Romani, Taísa diz sentir-se orgulhosa em “mostrar um pouco que o ciganismo tem talento”. “Um projeto deste género contribui fortemente para um olhar diferente para uma população que normalmente é olhada com algum preconceito”, concorda Isabel Barros, diretora artística projeto.

Para a coreógrafa, a novidade em cena residirá na “forma de estar muito livre” da cultura cigana, em que será notória “toda a alegria e tristeza que estão dentro deste povo que às vezes está quase escondido no meio das cidades.” Das poucas dificuldades surgidas nos ensaios, Isabel Barros salienta as reservas em incorporar momentos da cultura cigana “que normalmente são feitos num contexto de culto”.

“Eles sentiram uma certa timidez, de início”, revelou a diretora artística, revelando que “lentamente, foram percebendo que estavam a construir connosco um espetáculo muito especial, de cruzamento de dança contemporânea e dança urbana com danças de origem cigana”, que terá resultado num “processo de descoberta mútua, sem resistências de maior.”

O espetáculo Romani estreia-se na sala Suggia da Casa da Música às 21h00 de quarta-feira. Os bilhetes custam seis euros.