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Em maio, o último ministro das Finanças antes de Varoufakis, o conservador Gikas Hardouvelis, dizia em entrevista ao Observador que a Grécia estava “um caos” e que a Europa estava “pelos cabelos” com Atenas. A entrevista coincidiu com a aprovação de mais medidas de austeridade, em troca do “oxigénio” que são os desembolsos financeiros da Europa. Medidas de austeridade que, dizia Hardouvelis, não deixariam qualquer espaço à Grécia para poder crescer.

A realidade, contudo, é que a economia está a surpreender pela positiva, o governo de Alexis Tsipras tem cumprido (com mais ou menos resistência) e os parceiros europeus parecem confiantes de que, em 2017, ano de eleições na Alemanha e em França, a Grécia não será notícia. E já se fala num regresso aos mercados, apesar de os investidores se lembrarem que em 2014 a conversa era a mesma e tudo ruiu em 2015, levando ao terceiro resgate.

Mas existe confiança e o Credit Suisse diz que a Grécia poderá deixar de ser, em 2017, o principal foco de preocupação na zona euro, cedendo essa honra (duvidosa) a… Portugal.

PIREAUS, GREECE - FEBRUARY 11: Shipping container cranes line the Pireaus cargo port on February 11, 2015 in Pireaus, Greece. The assent of the new radical Syriza government brought it's legislative agenda which put a stop to any further growth to the partly Chinese-run shipyard. Chinese shipping giant Cosco controls two of the three container terminals. (Photo by Milos Bicanski/Getty Images)

São, sobretudo, as exportações (e o turismo) a suportar a economia. O porto de Pireu, detido parcialmente por uma empresa chinesa, tem cada vez mais trabalho. (Milos Bicanski/Getty Images)

Economia “parece ter deixado de estar em queda livre”

Tal como Portugal, a Grécia também surpreendeu pela positiva no terceiro trimestre. A economia cresceu 0,8% face ao trimestre anterior (o mesmo que Portugal) e, ainda que seja obrigatório lembrar o efeito-base de um terceiro trimestre de 2015 marcado pelo absoluto caos em Atenas, o produto interno bruto cresceu 1,8% em termos homólogos, mais do que os 1,6% de Portugal e os 1,7% da média dos países do euro.

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Não parece, de todo, impossível que a Grécia tenha em 2016 um crescimento positivo, o que nem a troika previa quando fez a primeira avaliação ao terceiro resgate em curso (apontava-se para uma economia a encolher 0,3% este ano). São as exportações as responsáveis pelo desempenho acima do esperado, bem como o turismo, que tem beneficiado da instabilidade no Norte de África, Médio Oriente e Turquia.

“A economia grega parece ter deixado de estar em queda livre”, afirmam os economistas do Commerzbank em nota de análise enviada aos investidores esta quinta-feira. O economista Christoph Weil diz que as exportações têm beneficiado do fator preço, ou seja, os custos do trabalho que baixaram nos últimos anos estão, agora, a dar frutos tornando a Grécia uma economia mais competitiva.

A beneficiar dos juros baixos com que convive toda a zona euro, a população e as empresas gregas parecem mais confiantes. O consumo privado aumentou 0,3% no trimestre e o investimento disparou 1,7%. E as melhorias também já estão a chegar ao mercado de trabalho — a taxa de desemprego estava em 23,4% em agosto, contra os 27,8% que foram o máximo histórico de meados de 2013.

Em 2017, “salvo novos choques externos, a economia grega deve continuar a crescer“, diz o Commerzbank. O banco alemão aponta para um crescimento na ordem dos 2,5%, sensivelmente em linha com o que preveem os credores. Um crescimento em linha com o esperado significa que é menor a probabilidade de derrapagens orçamentais e, claro, de “novas medidas de austeridade que podem levar a novos conflitos com os credores oficiais“, isto é, o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Eurogroup Finance Ministers meeting

O ministro das Finanças, Euclid Tsakalotos (à esquerda), tem levado bons números orçamentais ao Eurogrupo.

Finanças públicas (cada vez mais) em ordem

Uma economia a crescer, apoiada nas exportações, é sinónimo de mais facilidades na gestão das finanças públicas e, tal como em 2015, é provável que a Grécia consiga fechar o ano de 2016 com um desempenho orçamental melhor do que o previsto.

Os dados da execução orçamental até outubro mostram que, descontando a despesa com juros da dívida, o Estado grego está a gastar menos do que recebe, isto é, apresenta um saldo primário (positivo) de mais de 1% do produto interno bruto. “Isto é mais do que o dobro da meta acordada no terceiro resgate (0,5%)”, diz o Commerzbank. E é música para os ouvidos dos credores oficiais.

Num relatório publicado esta semana na página do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), que é também credor de Portugal e teceu comentários preocupantes sobre o governo de António Costa, o organismo mostra-se otimista em relação à Grécia e reclama os louros dos resultados obtidos até agora — “devido à abordagem do MEE, de dinheiro em troca de reformas, a Grécia está a fazer progressos impressionantes na modernização da sua economia“.

O MEE destaca que o governo grego está incumbido de “aplicar uma série de reformas duras, resolver os problemas da banca, assegurar finanças públicas saudáveis e liberalizar os mercados”, nomeadamente o mercado de trabalho. “O programa de reformas estruturais com que a Grécia se comprometeu vai galvanizar o crescimento“, garante o principal credor de Atenas.

OLYMPUS, GREECE: A hiker climbs Mount Olympus, the legendary home of the ancient Greek gods in central Greece. Seeking to diversify from the country's usual sea and sun recipe, the Greek tourism authorities are trying to develop alternative destinations in less-known, scenic parts of rural Greece. AFP PHOTO/Louisa Gouliamaki (Photo credit should read LOUISA GOULIAMAKI/AFP/Getty Images)

Um homem caminha no Monte do Olimpo, na Grécia. (LOUISA GOULIAMAKI/AFP/Getty Images)

Grécia tem uma montanha de dívida. Mas isso não importa

A Grécia é o país mais endividado da zona euro, com uma dívida acumulada que corresponde a 180% da riqueza produzida anualmente. Mas há dívida e dívida — e a dívida da Grécia não preocupa tanto como a de outros países, como Portugal ou Itália. Porquê? “Porque o governo grego quase não vai sentir o fardo da dívida nos próximos anos, dados os prazos extremamente longos dos fundos de resgate”, escreve o Commerzbank.

Os prazos superiores a 30 anos significam que a Grécia só terá de devolver uma pequena parte da dívida até 2050, explica o banco alemão. E o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), que é a quem a Grécia deve 163 mil milhões de euros (metade da dívida total) não cobra praticamente quaisquer juros pelos seus empréstimos. E o pagamento desses juros mínimos foi deferido até 2023, no caso de Atenas.

É por estas razões que a dívida da Grécia, que voltou esta semana a ser aliviada pelos ministros das Finanças da zona euro, não é um risco. Não existe um risco significativo de que o pagamento de juros penalize o crescimento económico nem de que o Estado caia em bancarrota por não conseguir pagar dívida que, nos próximos anos, seja necessário reembolsar na íntegra.

Tudo isto não significa que a dívida se possa considerar claramente sustentável — o esforço tem de existir e o Commerzbank diz que pode ser considerado “irrealista” que a Grécia consiga obter saldos primários na ordem dos 3,5% todos os anos. Seja como for, desde que o programa seja cumprido, os ministros das Finanças já se comprometeu com mais alívios da dívida se forem necessários.

Greek Prime Minister Alexis Tsipras (L) listens to European Central Bank chief Mario Draghi during an Eurozone Summit meeting at the EU headquarters in Brussels on July 7, 2015. AFP PHOTO / JOHN THYS (Photo credit should read JOHN THYS/AFP/Getty Images)

O primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, ouve Mario Draghi, presidente do BCE, que pode ter a chave para o regresso de Atenas aos mercados. (JOHN THYS/AFP/Getty Images)

Regresso aos mercados “é possível em 2017”

Segundo a Bloomberg, os investidores estão a negociar entre si as (poucas) obrigações do Tesouro que a Grécia tem com uma taxa implícita na ordem dos 6,5%, a 10 anos. A liquidez destes títulos é muito baixa, dado que a Grécia tem, nesta fase, apenas uma pequena porção (menos de 60 mil milhões) da dívida colocada em investidores privados. Mas a taxa de 6,5% indica que a perceção de risco continua a ser muito negativa e seria impossível para o Estado grego emitir dívida de longo prazo nos mercados nesta fase.

BCE limitado nas compras, mas daria um sinal importante

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O BCE não poderia comprar tanta dívida grega como dos outros países, justamente pela escassez de títulos que existem no setor privado, mas seria um sinal importante e poderia incentivar muitos investidores a salivar perante um investimento potencialmente tão generoso quanto dívida pública com taxas superiores a 6%. Pode começar a dar-se um estreitamento dos juros, à medida que os investidores molham os pés, e o Tesouro grego pode sentir-se compelido a dar mais títulos ao mercado. Seria, também, um sinal importante dado pelo governo de Alexis Tsipras.

Mas o Commerzbank diz que é possível que a Grécia consiga fazer uma ou mais emissões de dívida de longo prazo em 2017, mesmo que em montantes baixos e a prazos menores do que 10 anos.

Para que isso aconteça, seria crucial que houvesse a perspetiva de que o Banco Central Europeu (BCE) passasse a incluir a dívida grega nas compras mensais de títulos que está a fazer desde o início de 2015 e que acabam de ser prolongadas até ao final de 2017. A Grécia (e Chipre, por não ter rating para isso) tem ficado de fora.

Se o FMI passar a considerar a dívida grega sustentável e saltar a bordo do resgate a Atenas, algo sobre o que se deverá pronunciar em janeiro, isso será importante para que também o BCE adote uma visão semelhante e passe a comprar dívida grega ao abrigo do programa de quantitative easing. Uma nota positiva à segunda avaliação do programa, no início de 2017, também seria chave. “No final de contas”, diz o Commerzbank, “será uma decisão política”.

Greek Prime Minister Alexis Tsipras (R) welcomes his Portugese counterpart Antonio Costa prior to their meeting in Athens on April 11, 2016. / AFP / ARIS MESSINIS (Photo credit should read ARIS MESSINIS/AFP/Getty Images)

Portugal pode tomar o lugar da Grécia como principal foco de preocupação dos investidores em dívida na zona euro, diz o Credit Suisse. (Foto: ARIS MESSINIS/AFP/Getty Images)

Portugal, não a Grécia, é a preocupação dos investidores no novo ano

O Commerzbank diz que “os investidores ainda têm bem fresca na memória a má experiência de 2014″, em que a Grécia chegou a fazer emissões de dívida e, depois, tudo ruiu com a queda do governo de Antonis Samaras e Gikas Hardouvelis. “Na próxima vez, muitos investidores vão querer esperar um pouco mais para ver se a descida dos juros é um movimento sólido”, mas os especialistas do Commerzbank (Christoph Weil e David Schnautz) dizem que Atenas “pode muito bem testar as águas” e emitir dívida no mercado a partir do verão de 2017. Conforme o resultado das eleições na Alemanha, Weil e Schnautz admitem que a Grécia pode fazer uma emissão a cinco anos antes do final do ano.

É neste contexto de recuperação da Grécia que o Credit Suisse escreve, no seu extenso relatório de antecipação do investimento em 2017, que Atenas pode deixar de ser considerada a principal preocupação dos mercados, que irão virar-se mais para Portugal.

Portugal pode tomar o lugar da Grécia como novo foco dos receios dos investidores em obrigações dados os riscos orçamentais”, escreve o influente banco suíço, acrescentando que “os riscos em Portugal e em Itália têm de ser monitorizados”.

“Monitorizados” foi, também, a expressão utilizada pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) para se referir ao desempenho do governo de António Costa, em Portugal. “O novo governo em Portugal, que tomou posse no final de 2015, começou a reverter algumas das medidas tomadas durante o programa de ajustamento. Os credores estão a monitorizar cuidadosamente se isso irá prejudicar a competitividade e a situação orçamental”, escreveu o MEE numa nota publicada esta semana.