A preocupação da Economia com a desigualdade e a pobreza atravessa toda a sua história.
Desde os anos 90, o enfoque da desigualdade centrou-se muito nos países emergentes, que registaram taxas de crescimento relativamente elevadas mas frequentemente sem o correspondente aumento na qualidade de vida das populações. Mais recentemente, a crise financeira que se abateu sobre o mundo, em particular sobre os países avançados, e as suas consequências em termos de aumento de pobreza, conduziram a um interesse renovado pela desigualdade nos países desenvolvidos.
As consequências da desigualdade sobre o crescimento são de um ponto de vista teórico difíceis de determinar. Por um lado, a desigualdade pode favorecer o crescimento se incentivar a inovação, o empreendedorismo e o investimento por parte da população mais abastada. Permitirá ainda, pelo menos a uma parte da população dos países em desenvolvimento, acumular riqueza suficiente para ter educação e criar novos negócios. Por outro lado, a desigualdade pode limitar o crescimento se impedir o acesso das populações menos favorecidas a cuidados de saúde e de educação não permitindo uma afetação eficiente dos recursos, se gerar instabilidade política reduzindo o investimento e se impedir a estabilidade social que assegura a capacidade de reação aos choques e sustenta o crescimento no longo prazo (Redistribution, Inequality and Growth, Jonathan D. Ostry, Andrew Berg, Charalambos G. Tsangarides, FMI, Abril 2014).
Na prática, cada país está sujeito a uma combinação destas consequências com diferente intensidade, dependendo da sua estrutura económico-social. No entanto, a maioria dos modelos testados por economistas concluem que o impacto negativo sobre o crescimento domina o impacto positivo, particularmente nos países mais avançados. Essa constatação, a par das questões de ética e de solidariedade, conduz a maioria dos Estados das economias avançadas, a combaterem essa desigualdade através de transferências e da distribuição de bens e serviços públicos.
Portugal é um dos países da Europa mais desigual em termos de rendimento. Se considerarmos o rendimento antes de prestações sociais, a chamada desigualdade de mercado, Portugal era em 2013 o terceiro país mais desigual entre 32 países europeus, com o terceiro mais elevado coeficiente de Gini (o coeficiente de Gini é um indicador de desigualdade na distribuição de rendimentos – um valor perto de 1, ou 100%, indica a desigualdade total, isto é, apenas uma pessoa acumula todo o rendimento da economia, enquanto 0 representa a igualdade total de rendimentos). Depois de contabilizarmos as prestações sociais, Portugal melhorava apenas duas posições para o quinto país mais desigual.
Ao partir de uma situação tão desfavorável de desigualdade de mercado, torna-se evidente que o esforço para a corrigir não pode passar apenas por medidas corretivas, como a redistribuição. Acresce que as políticas corretivas podem reduzir o crescimento por via de uma afetação pouco eficiente dos recursos, redução da competitividade externa ou desincentivos ao trabalho, por exemplo.
Para combater a desigualdade é preciso também preventivamente promover a igualdade de oportunidades, o que tem um efeito secundário positivo sobre o crescimento. Em particular:
- Acesso a e qualidade da educação no desenvolvimento do capital humano
- Oportunidade de participação no mercado do trabalho
- Desenvolvimento do empreendedorismo e do investimento
- Redução da corrupção e das rendas que resultam da falta de concorrência
- Existência de infraestrutura e de cuidados de saúde.
Portugal já evoluiu muito na igualdade de oportunidades nas últimas décadas. Ainda assim, olhando para o ranking to Global Competitiveness Report (World Economic Forum, Global Competitiveness Report, 2014-2015), persistem grandes desafios. Entre os vinte sub-indicadores mais desfavoráveis neste ranking para Portugal, oito contribuem diretamente para impedir a igualdade de oportunidades para todos. Apesar das reformas que foram realizadas, a maioria ainda se encontra no mercado de trabalho tais como o efeito negativo dos impostos sobre os incentivos ao trabalho, particularmente para as camadas mais pobres, e a deficiente relação entre salário e produtividade. A falta de confiança no sector financeiro, a dificuldade de obter empréstimos e o reduzido acesso a capital de risco, dificultam a possibilidade de pequenas empresas inovadoras se lançarem e se desenvolverem.
O Economista à Paisana recomenda alguns exemplos de intervenção cirúrgica em algumas destas áreas que poderão atacar ao mesmo tempo a desigualdade e o reduzido crescimento potencial: a manutenção de algumas prestações sociais para desempregados que encontram emprego com níveis salariais baixos, a criação de um regime fiscal e de segurança social mais favorável para os reformados que querem e podem continuar a trabalhar e a promoção da criação de fundos de capital de risco.
O Economista à Paisana é uma coluna quinzenal de Inês Domingos onde a autora explora temas do quotidiano vistos da perspectiva de uma economista