Os dados relativos ao acesso ao ensino superior público, divulgados no sábado passado, revelam uma subida significativa do número de candidatos e do número de admitidos. O mesmo parece ter sido o caso no ensino privado. E foi também na Universidade Católica (onde as aulas já começaram na semana passada). A ocasião convida, por isso, a uma reflexão sobre o futuro da Universidade.

Esta reflexão tem proporcionado um debate intenso em vários países europeus e nos EUA. No caso britânico, um pouco a contra-corrente, o número de candidatos ao ensino superior diminuiu este ano. Isso levou quase todas as universidades, com muito poucas excepções além de Oxford e Cambridge, a baixar os requisitos de admissão. A questão gerou imediata controvérsia: devem as universidades baixar os padrões de forma a atrair mais alunos?

A pergunta não é nova e tem dominado o debate universitário nos últimos anos. Nas universidades em geral, e talvez mais visivelmente nas de língua inglesa, têm-se sucedido medidas de afrouxamento de padrões — não só de admissão, mas também da vida interna universitária. Cursos de fraco conteúdo e exigência foram gradualmente introduzidos, ao sabor das preferências dos estudantes. Programas mais exigentes, sobretudo nas Ciências Sociais e nas Humanidades, foram abandonados.

Mais grave, no entanto, tem sido a cedência das autoridades académicas a exigências de minorias activistas radicais. Símbolos relativos à história de antigas universidades têm sido retirados. Oradores com opiniões politicamente incorrectas têm sido impedidos de falar, por vezes com recurso à violência por parte de patrulhas politicamente correctas. Noutros casos, as próprias autoridades académicas cancelam eventos por temerem as reacções dos activistas estudantis.

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Contra estas tendências, está a crescer no mundo de língua inglesa uma corrente de opinião politicamente incorrecta que defende o regresso à ideia original de Universidade. Seria difícil citar aqui resumidamente o elevado número de artigos publicados nos últimos meses a favor da redescoberta dos padrões clássicos da Universidade. Mas é possível recordar alguns desses padrões.

Um aspecto curioso, muitas vezes esquecido, é que todas as mais antigas universidades europeias nasceram cristãs: Bolonha (1088), Oxford (1096/1167), Sorbonne (1150), Cambridge (1209), Coimbra (1290), Karlova, em Praga (1348), Jagiellonian em Cracóvia (1364), para citar apenas algumas, todas estas antigas universidades nasceram cristãs. A ideia original de Universidade remonta a Atenas marítima e comercial do século V a. C., mas foi o cristianismo que a re-inventou e a disseminou.

No célebre ensaio de 1852/4 sobre The Idea of a University, o cardeal Newman (um influente intelectual anglicano convertido ao catolicismo) recordou essas origens cristãs para enfatizar a ambiciosa missão da Universidade: promover uma educação humanista integral, indo além do mero treino técnico-profissional e evitando a mera propaganda ou endoutrinação. No centro dessa educação humanista integral, esteve durante muitos séculos — até muito recentemente, na verdade, — o estudo das grandes obras do passado. “O melhor que foi pensado e dito”, era a expressão de Mathew Arnold para designar a “Tradição dos Grandes Livros” (TGL) — que o Cardeal Newman também defendeu energicamente.

O estudo de TGL está entretanto a regressar em muitas universidades inglesas e americanas. Parece ser uma reacção tranquila e gradual contra a politização agressiva de que as universidades têm sido palco. Porque, ao contrário do que dizem as patrulhas politicamente correctas, os Grandes Livros não repetem a mesma cartilha. Eles de facto discordam entre si.

Mas é uma discordância de tipo especial. Em primeiro lugar é uma discordância gentil, respeitosa, educada, e fundada em argumentos — não em insultos ou intrigas menores. Em segundo lugar, e fundamentalmente, é uma discordância na base de um propósito comum: a busca da Verdade, do Bem e do Belo — a busca que desde sempre definiu o propósito da Universidade.

Arnold e Newman argumentaram que este aparente paradoxo está no centro da civilização ocidental da liberdade sob a lei: por um lado, discordamos e apresentamos livremente argumentos contrários; por outro lado, somos encorajados a discordar porque partilhamos a busca comum da Verdade, do Bem e do Belo.

Daqui resulta uma conversação civilizada e tranquila entre pontos de vista diferentes, por vezes rivais. Esta é a conversação que fundou a Ideia de Universidade. Talvez não fosse pior revistar essa ideia fundadora.