A aparente abstinência presidencial de António Guterres inspirou muita gente para comentar os maus fados de António Costa. Costa tinha um candidato forte, e agora não tem. Mas talvez devêssemos ver as coisas de outra maneira. Interessa a Costa ter um candidato forte? Provavelmente, não interessa. Nem ele, nem à restante oligarquia partidária.
As eleições presidenciais de Janeiro de 2016 devem ser examinadas do ponto de vista das legislativas de 2015. As sondagens não auguram maiorias absolutas instantâneas (do PS sozinho ou de uma eventual coligação pré-eleitoral do PSD e do CDS). Admitamos, por um momento, que seja assim. A governação passaria a depender de acordos entre partidos que levaram os últimos anos a incompatibilizar-se. Talvez acabemos por descobrir que as quezílias eram exageradas. Ou talvez constatemos que o exagero, por mais artificial, cria distâncias difíceis. Pior: se os chefes dos partidos se convencerem de que eleições antecipadas são inevitáveis, nenhum desejará comprometer-se antes de ir novamente a votos. Não esperem, por isso, fórmulas de concertação demasiado fortes, como por exemplo o “bloco central”. Nesse contexto, restaria o Presidente da República para protagonizar a urgência e a possibilidade de entendimentos. Mais do que árbitro, teria de funcionar como um engenheiro de compromissos. Belém tornar-se-ia a grande sala de espera do regime, onde todos os debates iriam desaguar. Não é de excluir, sequer, que tudo acabe num governo presidido por um independente, de tipo Mario Monti, como não tivemos desde 1978.
Uma evolução destas não é fatal, mas também não é impossível. A acontecer, será um perigo para a liderança partidária do regime, imposta pela revisão constitucional de 1982. Porque a Constituição ainda permite muita coisa. Não é por acaso que há opiniões jurídicas para todos os gostos sobre o papel do Presidente da República. O que quer dizer, por exemplo, o “regular funcionamento das instituições democráticas”, que justifica, na Constituição, uma ampliação súbita das prerrogativas políticas do presidente? O regime, em termos de relações entre os órgãos de soberania, pode ser muito mais do que tem mostrado. Basta que as circunstâncias mudem. Alguém tinha previsto que o Tribunal Constitucional viria a questionar na prática uma opção política fundamental como a permanência de Portugal na zona Euro? Alguém poderá garantir que um eventual enfraquecimento do poder partidário não resultará no engrandecimento do poder presidencial, por mais momentâneo que seja?
E é deste ponto de vista que, para as lideranças partidárias, candidatos como António Guterres ou Durão Barroso são arriscados. Perante a pressão europeia sobre Portugal, que aumentará caso a Grécia saia do euro, ficariam habilitados a forçar soluções de governo. Perante a confusão partidária no parlamento, emergiriam naturalmente como os verdadeiros interlocutores dos parceiros europeus. Aliás, talvez tenha sido essa a possibilidade que o actual presidente estava a admitir, quando encareceu a vantagem de o seu sucessor ter currículo internacional. De facto, que governante alemão é que, perante Barroso, ex-presidente da Comissão Europeia, ou Guterres, ex-alto comissário da ONU, iria perder tempo com os chefes precários de partidos sem maioria? E com um governo de independentes, a presidencialização do regime – isto é, a orientação política da governação pelo Presidente da República — estaria consumada de facto, sem necessidade de rever a Constituição.
Por tudo isto, é legítimo pressupor que a oligarquia partidária não quer um Presidente da República forte. Ora, a melhor maneira de não ter um Presidente forte é ter candidatos fracos – candidatos que não possam aspirar a mais do que ao papel de árbitros subordinados de um jogo político sempre nas mãos dos chefes de partido. Um neófito da política, comprometido com os partidos que o lançarem e o elegerem, ou um político de segunda-linha, grato pela promoção de fim de carreira, seriam os candidatos mais apropriados. Convinha que fossem respeitados em público e dispusessem de um módico de influência, para não serem totalmente inúteis, mas o importante é que lhes faltassem os meios e a vocação para tomarem conta da direcção do regime e secundarizarem os partidos.
O interesse dos nossos oligarcas não é ter um Presidente da República, mas uma espécie de super-presidente da Assembleia da República. Por isso, talvez não lhes repugne que as eleições de Janeiro de 2016 sejam umas presidenciais dos pequeninos. Só que uma presidência fraca, sobretudo se não houver um resultado decisivo nas legislativas de 2015, significará também um regime fraco.