1. Foi Rui Rio que nos disse. As suas referências ideológicas e doutrinais são de centro-esquerda. Um dos seus heróis políticos é, aparentemente, o antigo líder da esquerda alemã, Helmut Schmidt. Pelo menos citou-o duas vezes no discurso de tomada de posse como líder do PSD. Em política, como Rui Rio bem sabe, a linguagem tem uma enorme força simbólica. Aquelas citações enviaram uma mensagem poderosa: o PSD de Rio está no centro-esquerda. Como terão reagido os líderes europeus do PPE, sobretudo Merkel, quando leram os telegramas dos seus Embaixadores em Lisboa sobre o discurso do novo líder do PSD?
Quando as fronteiras entre Portugal e a Europa são cada vez mais ténues, o PSD de Rio juntou-se à esquizofrenia do PCP e do BE, mas no sentido oposto. Os camaradas marxistas votam quase sempre contra as políticas da zona Euro em Bruxelas e em Estrasburgo (e muitas vezes ao lado de Marine Le Pen), mas em Portugal, como parceiros da geringonça, votam os orçamentos pró-Euro do governo. O PSD de Rio, em Portugal, é de centro-esquerda mas na Europa senta-se na bancada da direita, ao lado de partidos conservadores, cristãos-democratas e liberais. Estas práticas dos partidos quererem ser tudo e o seu contrário estão a corromper e degradar a democracia portuguesa. Além disso, muitos políticos continuam com o hábito de fazer dos portugueses parvos e acham que os enganam facilmente.
Mas Rui Rio também nos disse que o PSD não é um partido de centro-direita e atacou Passos Coelho por ter levado o partido demasiado para a direita. Rio goza da legitimidade política para reposicionar o PSD de acordo com as suas preferências ideológicas. Foi eleito líder do partido com esse discurso. Mas deve estar preparado para pagar o preço das suas opções políticas. Em primeiro lugar, será difícil para os portugueses olharem para o líder do PSD como uma alternativa clara ao PS. Em política, as primeiras impressões contam muito. E Rio não chegou à liderança do PSD com a imagem de oposição ao governo. Desconfio que a percepção dominante entre a maioria dos portugueses será de que Rio quer afastar o PS dos partidos da extrema-esquerda e para isso está preparado para apoiar um governo socialista em 2019. É uma estratégia arriscada, como mostra a história do PSD. O partido conseguiu ganhar eleições quando se apresentou como uma alternativa clara aos socialistas numa competição política de dois campos. Foi assim com Sá Carneiro, na primeira AD, com Cavaco, quando rejeitou o bloco central e com Passos Coelho, em 2011 e 1015.
O segundo preço a pagar por Rio será a fuga de eleitorado do centro-direita e da direita. Os estudos de opinião em Portugal mostram que cerca de 80% do eleitorado do PSD se identifica como sendo de centro-direita ou de direita. Por que razão um eleitor que se considera de direita ou de centro-direita votará num partido liderado por uma pessoa de centro-esquerda e que repudia o passado recente do seu partido por ter estado muito à direita? Para muitos, reconheço, o voto no PSD é mais importante do que o voto num partido de centro-direita. São aqueles que votam no PSD em qualquer circunstância. Rio terá seguramente esses votos. Mas para muitos outros, os valores e as ideologias contam. E sobretudo valorizam suficientemente a sua liberdade para não admitirem que tomem os seus votos como um dado adquirido. Aparentemente, Rio não entende um dos pontos centrais de uma estratégia eleitoral bem-sucedida. Antes de se conquistar o eleitorado flutuante, é necessário mobilizar o eleitorado natural. Pior de tudo, ao aproximar-se do governo, está a permitir que o PS, depois de ter consolidado o seu eleitorado natural desde 2015, parta agora à conquista do eleitorado do centro. Há políticos brilhantes, mas Rui Rio não é um deles.
Muito do eleitorado de centro-direita dificilmente votará no PSD de Rio. A grande questão será se votará no CDS ou se escolhe a via da abstenção. Esta questão é fundamental para o CDS e para Assunção Cristas. A fuga de eleitorado do PSD não significa um voto automático no CDS. Será necessário conquistar esses votos. Antes de mais, o CDS deve evitar cair na tentação de participar numa discussão sobre o seu posicionamento ideológico. Seria um erro os dirigentes do CDS perderem tempo com questões de identidade política e ideológica ou de posicionamento partidário. Façam o oposto de Rui Rio. Não percam tempo a falar sobre o que são ideologicamente. Usem esse tempo a fazer propostas para o país. Os portugueses não precisam que lhes digam como devem pensar ou onde se devem situar politicamente. O seu voto deve ser conquistado através de propostas políticas. O CDS necessita apenas de mobilizar o eleitorado conservador, democrata-cristão e liberal que não quer viver num país socialista.
O CDS deve ser capaz, antes de mais, de fazer propostas concretas sobre os temas que interessam aos portugueses. Enquanto Rio se entretêm a discutir a decentralização e os fundos europeus com o governo, o CDS deveria fazer propostas sobre políticas de educação, de saúde, para diminuir a carga fiscal sobre os portugueses, para facilitar a vida às empresas que criam trabalho e que exportam, para reformar o Estado de modo a que possa ser pago com os recursos disponíveis e não através de um endividamento permanente, e combater o totalitarismo cultural das esquerdas que querem controlar os nossos costumes e os nossos hábitos de vida.
O CDS também deve ser capaz de atrair pessoas novas e com valor. Há muita gente com vontade e com talento para participar na vida pública. Pessoas com capacidade para articular alternativas às políticas socialistas de um modo moderno, aberto e inclusivo. Com um discurso inteligente e feito pelas pessoas certas, o CDS pode conquistar votos das classes profissionais e liberais, urbanas e jovens que muitas vezes escolhem o Bloco de Esquerda. Muitas dessas pessoas serão mobilizadas por um discurso liberal, que valorize a estimule as novas actividades profissionais urbanas, a maioria virada para o turismo. Não querem políticas socialistas que limitem a sua liberdade e a sua iniciativa individual, como as do Bloco. Querem viver num país mais aberto, mais livre e mais tolerante. Não querem partidos com referências ditatoriais do passado e que pretendem controlar a vida dos cidadãos portugueses.
Finalmente, Assunção Cristas tem que consolidar a sua imagem de líder nacional. Uma coisa é a liderança de um pequeno partido, outra bem diferente será transformar-se na líder da oposição, na principal alternativa ao governo. A geringonça e a eleição de Rui Rio para a liderança do PSD dão-lhe essa oportunidade, nunca ao alcance de qualquer outro líder do CDS. A luta parlamentar, onde Rio estará ausente, será essencial para reforçar a sua posição. Usando a linguagem do grande mestre florentino, Nicolau Maquíavel, a fortuna bateu à porta de Assunção Cristas. Resta-lhe agora provar que também possui a virtude política.
2. Amanhã é um dia importante para o futuro da política europeia. Realizam-se eleições em Itália, mas sobretudo os militantes do SPD vão decidir se aceitam uma nova grande coligação. Se rejeitarem a coligação com a CDU, haverá eleições antecipadas e Merkel deverá abandonar a Chancelaria e a liderança do seu partido. Essa será mesmo a tentação dos militantes do SPD. Com o seu voto, afastarem Merkel da política alemã. Se o SPD aceitar a grande coligação, haverá estabilidade a curto prazo, mas não teremos razões para celebrar. Com o SPD no governo, a direita populista e anti-europeia assumirá a liderança da oposição alemã. Ninguém sabe como acabam estas experiências radicais. Para evitar a consagração da AfD como líder da oposição alemã, seria positivo que o SPD recusasse a grande coligação. Ao permitir o crescimento da direita radical, Merkel deixou de ter condições para liderar a CDU. Fui um grande defensor da Chanceler alemã e acho que foi vítima de ataques injustos. Fez muito pela unidade da União Europeia e pelos países do Sul. Espero que a história o reconheça. Mas o seu tempo na política alemã chegou ao fim. Adiar o inevitável não será bom para a Alemanha nem para a Europa.