Logo no primeiro dia do ano, o Presidente da República encomendou aos partidos “soluções governativas estáveis, sólidas e consistentes, capazes de assegurar o crescimento económico e dar esperança aos Portugueses”.

É muito provável que o Presidente estivesse a pensar na Grécia, onde a classe política resolveu jogar mais uma vez à roleta russa, com a quarta eleição legislativa desde 2009. A grande diferença entre Portugal e a Grécia foi que, aqui, houve uma coligação de governo que, sob escrutínio do Presidente, durou e sustentou o ajustamento durante quatro anos. A actual maioria de direita teve ainda este efeito fundamental: dispensou o PS de se comprometer e deu-lhe uma razão para se impor, à esquerda e entre os descontentes, como o líder necessário de uma maioria alternativa. Deste modo, os partidos tradicionais do regime retiveram os seus eleitorados, sem deixar muito espaço até agora para novos populismos e extremismos.

Foi assim possível renegociar e encerrar o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro sem os alarmes das “reestruturações” e resgates repetidos da Grécia. Apesar do alarido, os portugueses foram poupados à experiência de maiores abismos. Entre Portugal e a Grécia, ficamos a perceber o que vale a política.

Aliás, toda esta crise, antes de ser financeira e económica, é política. Convém não esquecer como isto começou. O projecto do Euro pressupunha uma nova fase de modernização das sociedades inflacionistas do sul da Europa. Em vez disso, o crédito barato do euro serviu para alimentar o endividamento e adiar o confronto com os parasitismos (sindicais, empresariais e corporativos). O resultado foram economias ainda menos competitivas e sobrecarregadas com a incerteza das dívidas.

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A questão continua a ser política: é preciso que o regime, se quer preservar o quadro da moeda única, adquira o poder necessário para resistir ao facilitismo e contrariar os interesses instalados. Ora, neste momento aproximamo-nos do prazo de validade das condições de estabilidade dos últimos quatro anos. Em 2015, a actual maioria pode não ser renovada. Em 2016 o Presidente será necessariamente substituído. Como será encontrada uma “solução governativa estável, sólida e consistente” numa assembleia em que, por hipótese, nem a aliança do PSD e do CDS, nem o PS sozinho possam garantir uma maioria absoluta?

Para preparar o terreno, o Presidente pede aos partidos que evitem “crispações e conflitos artificiais”. Certamente. Vivemos vários anos disso: conflito entre o governo e as oposições, mas também conflito dentro do governo, conflito dentro do PS, e até conflito dentro da extrema-esquerda, agora em esboroamento. Mas além da discórdia, há a indefinição. Os partidos já estão todos em modo eleitoral. Ninguém se quer comprometer: nem com alianças, nem com programas. PCP e BE já se excluíram de quaisquer compromissos. O PSD e o CDS demoram a entender-se. O PS diz que se alia com todos, o que é apenas uma forma de não ter de dizer com quem se alia.

Em resumo: ninguém sabe o que está para vir. Perante esta incerteza, a tendência é, curiosamente, para o optimismo: eles vão ter de entender-se. Vão? É que entretanto, atenuaram-se também as urgências impostas pela bancarrota socrática de 2011. As incursões da troika acabaram, pelo menos com a força que tiveram enquanto delas dependia o cheque. A crise do euro e, agora, o fantasma da deflação, alimentado pelo petróleo barato, levaram o BCE de Mario Draghi a subtrair os países do sul à pressão dos mercados. Juros historicamente baixos anestesiaram assim a questão do endividamento.

Um facto diz muita coisa: em 2014, segundo o INE, os aforradores portugueses terão aplicado mais 4,5 mil milhões em produtos de retalho do Tesouro (certificados de Aforro e do Tesouro Poupança Mais).  Por entre bancarrotas e escândalos de corrupções, o regime continua a enquadrar tanto os votos como as poupanças dos portugueses. Mas isto também quer dizer que há muito pouca pressão disciplinar sobre as facções políticas. Há a probabilidade de as próximas eleições legislativas serem apenas as primeiras de uma sequência grega que acabe por comprometer a confiança europeia.

Nestas circunstâncias, não é impossível que a possível extinção da actual maioria e a sucessão presidencial acabem por dar à Europa uma segunda Grécia no extremo ocidental do continente. Bastarão exortações como a de 1 de Janeiro para prevenir essa eventualidade? Talvez seja tempo de nos prepararmos para viver perigosamente.