Depois dos actos de Paris, criou-se a impressão de que finalmente iria ser criada uma frente internacional de combate ao Estado Islâmico na Síria e no Iraque, mas os seus participantes colocam os seus interesses mesquinhos acima de tudo.
O derrube do avião militar russo SU-24 por um F-16 é um dos exemplos mais claros disso. A Rússia sentia-se a “senhora dos ares”, não obstante os reiterados avisos das autoridades turcas de que não estariam dispostas a tolerar violações do seu espaço aéreo. A confiança da aviação russa era tão grande que os seus bombardeiros voavam sem acompanhamento de caças, tanto mais que está convencida de que o Estado Islâmico não possui armas capazes de derrubar os seus aparelhos.
Além disso, o Kremlin subestimou o desejo do Presidente turco Recep Erdogan de fazer respeitar o “orgulho nacional”, demonstrar a sua força com vista a consolidar o seu poder no interior do país depois da última vitória eleitoral, bem como não calculou até onde vai a ambiguidade da política turca face ao Estado Islâmico. Por um lado, Ancara jura apoiar o combate ao terrorismo, mas, por outro lado, o território turco serve de canal de escoamento do petróleo extraído pelo EI, sendo o filho do Presidente turco um dos maiores lucradores com o negócio.
As acusações de Moscovo a Ancara irão subir de intensidade. Vladimir Putin começou por acusar a Turquia de ser “cúmplice” dos terroristas e de ter recebido uma facada pelas costas, mas já vai na acusação de que “a direcção turca realiza uma política consciente de islamização” e, para que não haja dúvidas de que Moscovo não perderá a oportunidade de retaliar, ordena a instalação de sistemas de defesa anti-míssil S-300 na Síria.
Estados Unidos e NATO, embora solidárias com a Turquia, pois esta é membro da Aliança Atlântica, tentam atirar água fria para a fervura a fim de não deteriorar as já más relações com a Rússia e de não enterrar definitivamente a ideia da coligação internacional antiterrorista.
Moscovo e Ancara afirmam não querer avançar para a guerra, mas as retaliações russas já começaram: os turistas russos foram de imediato aconselhados a não passar férias na Turquia. Tendo em conta que a Rússia é o país que mais turistas envia para as praias e estâncias turcas — mais de um milhão por ano —, isso será um duro golpe na economia turca. Além disso, o Kremlin ameaça suspender as conversações sobre a construção de um gasoduto através da Turquia para o Sul da Europa e da central nuclear que está a construir em território turco.
Ancara tem uma “perigosa arma” de resposta: o encerramento dos estreitos marítimos entre o Cáspio e o Mediterrâneo aos navios russos, o que iria complicar seriamente as operações militares da Rússia na Síria. Mas ela não deverá ser empregue pois trata-se de uma autêntica declaração de guerra.
Pelos vistos, as condições não deverão chegar tão longe, mas a repetição de incidentes militares entre potenciais aliados na luta contra o terrorismo islâmico poderá enterrar definitivamente a possibilidade da criação de uma frente comum e alargar ainda mais a zona de instabilidade no Médio e Próximo Oriente.
Nesta situação, a visita de François Hollande a Moscovo e o seu encontro com Putin é de extrema importância e poderá restabelecer o processo de aproximação entre a Rússia e a NATO na luta contra o terrorismo.