É habitual ouvir-se, sob forma de lamento ou constatação, que os poderes do Presidente estão muito limitados no sistema político português. Ainda ontem, António Barreto escrevia que “a função presidencial tem vindo a perder importância” e que os dispositivos constitucionais colocaram o presidente “numa espécie de reforma ou quadro de adidos”. Mas, escutando o que dizem os candidatos à eleição presidencial, ninguém acreditaria que é assim. Sampaio da Nóvoa tem o projecto de “qualificar Portugal”; Marisa Matias vetaria todos os diplomas que ameaçassem o Estado Social e acabaria com a influência do sistema financeiro; Maria de Belém critica os cortes na Saúde; Paulo Morais pretende “erradicar a mentira”; Edgar Silva promete combater “os agiotas”; Henrique Neto quer romper com o sistema político dos últimos 20 anos; Marcelo Rebelo de Sousa apoia mais investimento no Serviço Nacional de Saúde. Ou seja, os candidatos querem mandar. E se a função presidencial perdeu importância nos últimos anos, o contexto político de incerteza que vivemos vai devolvê-la a Belém. Ganhe quem ganhar.

2016 inaugurou os debates da campanha eleitoral e, até ao momento, para além da irrelevância da campanha e da chocante falta de qualidade dos candidatos, é essa a conclusão possível: todos querem chegar a Belém para mandar em São Bento – que é como quem diz que querem a presidência para se impingir como chefe do primeiro-ministro. Uns porque, para além de banalidades sobre a função de moderação da Presidência, simplesmente desconhecem a natureza institucional do cargo a que ambicionam. Outros porque lhes é irresistível a atracção pela influência que teriam sendo a figura central dos delicados equilíbrios partidários que se adivinham. E assim, para uns e para outros, tudo se resume a uma promessa: após as eleições presidenciais, não mudará somente o ocupante do Palácio de Belém, mas todo o estilo de intervenção da Presidência da República.

O aplauso a essa promessa tem sido geral, reflexo de um país saturado da presidência de Cavaco Silva. Mas a dúvida fundamental, entretanto, é se essa mudança vai ser positiva, no sentido de facilitar entendimentos institucionais, ou se será negativa, acrescentando um factor de instabilidade ao sistema. O tempo dirá. Particularmente para o maior dos interessados, o actual primeiro-ministro.

Avança a edição impressa do Expresso que, ganhando Marcelo como se prevê, António Costa acredita ter no próximo presidente um bom parceiro – e é capaz de ter razão. Mas a questão não é essa. A questão é que, com ou sem Marcelo, o próximo inquilino em Belém será uma peça fundamental do puzzle de que já constam PCP e BE. A juntar a um parlamento que algumas vezes se tem substituído ao governo (com PCP e BE a comandar as operações), Costa terá no palácio de Belém um presidente mais interventivo – leia-se, alguém que não se coibirá de influenciar decisões executivas, sob a ameaça de dissolver o parlamento e convocar eleições. E assim vai encolhendo o espaço do primeiro-ministro para governar nos seus próprios termos.

É bem conhecido o preço que PCP e BE têm cobrado ao PS pelo apoio parlamentar. Em breve, descobrir-se-á o custo da solidariedade presidencial. António Costa até pode completar 2016 em funções. Mas, a partir de Abril, ocupar a cadeira de São Bento significará mandar cada vez menos – para ser mandado cada vez mais.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR