Uma saudável onda de protesto respondeu entre nós, na semana passada, ao cancelamento de uma palestra de Jaime Nogueira Pinto na FCSH da Universidade Nova de Lisboa. Apesar de já muito ter sido dito sobre o assunto, talvez valha a pena acrescentar algumas notas de rodapé.

Em primeiro lugar, convém voltar à a questão da “representatividade” dos que reclamaram a proibição. A moção que exigiu o cancelamento terá sido aprovada por 24 alunos, numa RGA (Reunião Geral de Alunos) daquela Faculdade. Foi certeiramente observado que a representatividade desta decisão é no mínimo intrigante. Mas, talvez valha a pena sublinhar que a natureza censória da moção não teria sido alterada se ela tivesse sido aprovada por milhares de alunos.

No clássico ensaio On Liberty, John Stuart Mill escreveu, em 1859:

“Se toda a humanidade menos um fosse da mesma opinião, e apenas uma pessoa fosse de opinião contrária, a humanidade não teria maior justificação para silenciar essa uma pessoa, do que esta, se tivesse o poder, teria justificação para silenciar a humanidade.”

Por outras palavras, a liberdade de expressão não depende do número de pessoas que querem proibir uma opinião, nem do número das que a subscrevem.

A justificação desta asserção por Stuart Mill ficou também justamente célebre:

“Se uma opinião fosse apenas uma possessão pessoal com valor apenas para o seu proprietário (…) faria alguma diferença se o dano [de a proibir] fosse inflingido apenas sobre algumas pessoas ou sobre muitas. Mas o mal específico de silenciar a expressão de uma opinião consiste num roubo a toda a humanidade; à posteridade tal como à geração presente; àqueles que discordam da opinião, ainda mais do que àqueles que concordam. Se a opinião estiver certa, aqueles [que discordam dela] serão privados da oportunidade de trocar o erro pela verdade; se a opinião estiver errada, eles perderão a percepção mais clara e mais viva da verdade, que é produzida pela sua colisão com o erro.”

E Stuart Mill acrescentou: “nunca podemos estar seguros de que a opinião que estamos a tentar suprimir é uma opinião falsa; e mesmo se estivéssemos seguros, suprimi-la seria ainda assim um mal”.

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Estas breves passagens recordam muito resumidamente o eloquente argumento de John Stuart Mill em defesa da liberdade. O texto tornou-se um clássico do pensamento político e continua a ser atentamente estudado e discutido na Universidade — ou, pelo menos, em algumas universidades. É seguramente lamentável que uma proposta rival citando Stuart Mill, ainda que destinada a perder, não tivesse sido submetida a discussão e votação na já referida RGA da FCSH.

Em rigor, no entanto, e em segundo lugar, os eventuais defensores da liberdade (e os eventuais conhecedores de John Stuart Mill) deveriam na RGA ter proposto uma moção mais radical: a de que não compete a reuniões gerais de alunos decidir que opiniões têm ou não têm direito à palavra numa Universidade. Essa moção poderia na verdade citar muitos outros clássicos, para além de Stuart Mill. Poderia, por exemplo, citar outro grande clássico da Tradição dos Grandes Livros, A Ideia de Uma Universidade (1852-54), do Cardeal John Henry Newman:

“Uma Universidade é um local onde o inquérito é promovido, e as descobertas verificadas e aperfeiçoadas, e a rudeza tornada inócua, e o erro exposto, pelo confronto de mente com mente e de conhecimento com conhecimento.”

Por outras palavras, a missão da Universidade não depende da opinião ou das modas passageiras dos alunos, ou até mesmo dos professores, que a frequentam — sejam eles poucos, muitos ou muitíssimos. A Universidade é uma instituição da civilização ocidental que não foi centralmente desenhada por ninguém. Ela simplesmente emergiu de uma milenar conversação livre entre gerações — com particular destaque para Atenas do século V a.C. e para a Europa medieval e cristã, que descentralizadamente redescobriu e deu nova vida à ideia de Universidade.