Esta primeira volta das eleições presidenciais não trouxe boas notícias para a Europa da integração. Com Marine Le Pen e Jean-Luc Mélenchon , mais de 40% dos eleitores franceses manifestaram-se contra o euro e a União Europeia: quase tantos como os que, através de Emmanuel Macron, François Fillon e Benoit Hamon, se manifestaram a favor. A França revelou-se tão dividida acerca da questão europeia como o Reino Unido estava o ano passado, aquando do Brexit. Mas no Reino Unido, os partidos tradicionais mantiveram a iniciativa política (o Brexit é conduzido pelo Partido Conservador, não pelo UKIP), enquanto em França, os grandes partidos do regime, representados por Fillon e Hamon, ficaram pela primeira vez ambos de fora de uma segunda volta das presidenciais.
O problema, porém, não é apenas a marginalização dos gaullistas e dos socialistas. O maior problema é que nem Emmanuel Macron, o europeísta, nem Marine Le Pen, a anti-europeísta, são uma verdadeira alternativa. Macron é apenas o cartaz de ocasião, calculado para agradar ao eleitorado, da elite de diplomados das grandes escolas que domina o regime. Não é de direita nem de esquerda. Acha que tudo tem um lado positivo e negativo: o dirigismo estatal e o mercado livre, o proteccionismo e a globalização… Macron é como se a França tivesse chegado finalmente, com vinte anos de atraso, à década de 1990 de Bill Clinton, Tony Blair e Gerhard Schroeder. A esse respeito, foi interessante constatar que a velha Terceira Via consubstancia, hoje, o europeísmo, como se viu pelo entusiasmo com que o porta-voz de Angela Merkel logo desejou boa sorte a Macron.
Enquanto Macron é o candidato favorito dos quadros superiores, Marine Le Pen é a candidata favorita da classe trabalhadora. Le Pen vai apelar aos “patriotas” contra um “sistema” rendido à “globalização selvagem”. Mélenchon, pela extrema-esquerda, quis explorar a mesma vaga anti-euro e anti-globalização. Mas a direita nacionalista é mais coerente e completa do que a esquerda internacionalista nessa guerra, porque rejeita toda a livre circulação, não só a de bens e de capitais, mas também a de pessoas. Em 2002, a “disciplina republicana” mandou toda a gente votar em Chirac contra o pai Le Pen. A filha Le Pen, com alguma razão, espera que essa disciplina não funcione agora. Como podem os conservadores que apoiaram Fillon (20%) votar num crente do progressismo urbano? Como podem os esquerdistas revolucionários que seguiram Mélenchon (19%) entusiasmar-se com um fanático do euro e da globalização? Na noite eleitoral, Mélenchon recusou-se, aliás, a apelar ao voto em Macron, para gáudio dos comentadores da Frente Nacional.
Um deles, Macron ou Le Pen, vai ser presidente. É mais duvidoso que qualquer deles consiga ser um presidente efectivo. As eleições de 11-18 de Junho podem impor logo ao vencedor das presidenciais a coabitação com uma maioria parlamentar hostil ou desconfiada. É muito difícil que o novo partido de Macron, En Marche, ou a Frente Nacional, sempre bloqueada pelo cruzamento de votos da esquerda e da direita “republicanas”, consigam impedir isso. Pelo seu lado, Le Pen tornou ainda mais complicada uma sua hipotética vida presidencial, ao prometer que se demitiria se perdesse um referendo sobre a saída do euro.
As elites do regime não estão rendidas. Ninguém à direita sonha submeter-se ao clã Le Pen. Muitos, à direita e à esquerda, podem prestar-se a colaborar com Macron, mas nesse caso o novo presidente terá uma maioria de gente em que não pode confiar e em que muitos estarão a trabalhar para o substituir. Alguma vez Manuel Valls ou Nicolas Sarkozy se conformarão com a chefia de um banqueiro de 39 anos que desembarcou na política há três anos?
A vantagem dos europeístas é apenas esta: os anti-europeístas, divididos entre Le Pen e Mélenchon, não se conseguirão unir, enquanto apesar de tudo os europeístas de direita e de esquerda talvez possam colaborar. Mas isso não quer dizer que consigam dar à França, com Macron, o governo de que precisa um país economicamente estagnado e em estado de sítio.