David Cameron anunciou uma série de novas medidas para limitar o acesso dos imigrantes europeus à segurança social inglesa. O anúncio foi acompanhado de avisos sobre as relações do país com a União Europeia (UE): ou esta aceita essas medidas ou… a saída do Reino Unido da União, o designado “britexit”, pode mesmo acontecer.

Nos últimos dias choveram comentários sobre o assunto na comunicação social e nas redes sociais um pouco por todo o lado. Boa parte é chuva tóxica. Eis 10 razões essenciais:

1º: O Reino Unido tem todo o direito de decidir em que condições podem os nacionais de outros países da UE aceder à sua segurança social. A legislação europeia não o impede!

2º: Diferente é a liberdade de circulação dos europeus, que não pode ser posta em causa. A intenção de estabelecer um tecto a essa imigração, anunciada anteriormente, afrontava directamente esse princípio vital da construção europeia: os parceiros europeus reagiram energicamente e a reforma anunciada na passada sexta feira 28 de Novembro não reteve a ideia (ia a dizer ameaça). Seria ir longe de mais e, pelos vistos e apesar da retórica, ir longe de mais não é o que pretende o primeiro-ministro inglês. O mesmo se diga da também abandonada ideia de um “travão de emergência” à imigração inter-europeia.

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3º: Há de facto normas europeias sobre a segurança social na Europa. Elas existem porque as legislações nacionais sobre segurança social não garantem os direitos dos europeus quando circulam livremente no continente, se estabelecem e trabalham noutro país da União. Quando um europeu – um de nós – muda de país na Europa, confronta-se com questões como saber quem paga as contas em caso de acidente ou doença, que direitos de pensão mantém e quem os garante, ou quais são as regras para os subsídios de desemprego, benefícios familiares ou pagamento das contribuições para a segurança social. As normas europeias complementam as nacionais e asseguram os direitos dos muitos milhões que circulam e vivem através do continente (quase 13 milhões actualmente, de acordo com o Eurostat) mas não substituem nem põem em causa o direito de cada país decidir as suas próprias regras.

4º: O argumento britânico sobre a imigração europeia é o do costume: empregos “roubados” aos nacionais, diminuição dos salários e abuso da segurança social (subsídios de desemprego, benefícios fiscais). Para além de contrariado por praticamente todos os estudos recentes sobre o fenómeno, o argumento também colide com a teoria económica mais básica: basta recordar que os imigrantes criam riqueza e contribuem para a economia do país em que trabalham.

5º: Os imigrantes beneficiam nomeadamente as contas públicas do país em que se instalam. Sendo a maioria jovem, contribuem para reduzir o défice da segurança social. Um artigo recente publicado no The Observer refere estudos que mostram que a redução da imigração terá impacto negativo significativo a nível fiscal, com impostos mais elevados ou despesa pública reduzida (com consequências nos níveis da segurança social).

6º: O desemprego no Reino Unido anda à volta dos 6%. Em que é isso compatível com o discurso anti-imigração baseado na ameaça aos empregos dos nacionais?

7º: A verdade é que há entre os partidos britânicos do “mainstream” uma espécie de corrida para ver quem chega à meta antes da lebre, o UKIP de Nigel Farage, com propostas cada vez mais duras dos trabalhistas, dos liberais democratas e agora dos conservadores do primeiro-ministro David Cameron. E reina, como sempre nestes casos, a demagogia.

8º: Cameron exige mudanças do Tratado da EU para acomodar as suas propostas. Mas isso não é necessário senão num ou noutro caso, sendo também certo que as propostas não passam disso mesmo – propostas -, dependendo ainda por cima da vitória do partido conservador nas eleições de 2015. Parte delas são legítimas opções de política pública britânica e não contendem com a legislação europeia, como é o caso da saída forçada dos migrantes que não encontrem trabalho ao fim de algum tempo, aceite pelo direito europeu; em casos como o da não atribuição de benefícios nos 4 primeiros anos pode haver soluções pan-europeias, parecendo haver abertura de líderes europeus como Juncker e a própria Ângela Merkel para uma repartição do esforço entre os países de destino e origem. Mais Europa, não menos.

9º: Há algumas propostas inaceitáveis à luz das normas europeias, como a proibição de entrada de nacionais de certos países europeus (adesões recentes) até que as respectivas economias “convirjam mais estreitamente”. E Cameron sabe perfeitamente que nenhuma revisão pode violar o princípio fundamental da liberdade de circulação dos europeus e que, além disso, as revisões do Tratado com as regras que aliás o Reino Unido tanto defende se tornaram, se não impossíveis, certamente perto disso.

10º Há 2,2 milhões de britânicos a viver nos outros países da UE. Há 2,1 milhões de imigrantes de outros países da UE no Reino Unido. Alguém informou disto o senhor Cameron? E Ed Miliband? E Nick Clegg? E, já agora, Nigel Farage? Ou o nevoeiro no canal não permite romper o magnífico isolamento do continente, impedindo as notícias de chegar a Londres?

Afinal o que quer o Reino Unido? Que mensagem retirar da nova linguagem sobre a imigração? E como prevenir a irreversibilidade da ameaça de “britexit”? Muito francamente, a serenidade é a resposta face à natureza demagógica do discurso da generalidade dos políticos ingleses, assustados com a ameaça Ukip. Se for serena a reacção dos líderes europeus, acredito que das propostas agora apresentadas sobrarão as que respeitam as regras europeias, com partilha acrescida das responsabilidades entre os países europeus. E os ingleses não sairão da UE, porque sabem bem que tudo será mais difícil, mais caro e mais perigoso fora dela. Sabemo-lo todos.

A resposta, contra ventos, marés, ukips e frentes nacionais é necessariamente mais e não menos Europa.

 

Professor da Universidade Católica – Instituto de Estudos Políticos