Muitos dirigentes do PS, incluindo António Costa, têm criticado o governo por não estar ao lado da Grécia e por seguir a Alemanha. A minha tese é muito simples: o actual executivo tem-se mantido fiel às políticas de todos os governos desde a adesão à Comunidade Europeia, incluindo os de Guterres e de Sócrates; o PS é que se está a afastar do que tem sido a política europeia de Portugal, desde 1986. A História e a política europeia não começou em 2011, com a chegada da “troika”.
Quando governaram o país, Guterres, Jaime Gama e António Vitorino desenvolveram uma doutrina sobre a política europeia: Portugal deve ultrapassar a sua periferia geográfica através de alianças no centro da União Europeia e da participação nas políticas comuns europeias. Essa doutrina afastou Portugal de alianças com outros países da periferia e justificou o envio de tropas para a Bósnia e a participação no Euro, desde o início da moeda comum. Como PM, Guterres tudo fez para desenvolver relações próximas com o então PM britânico Blair (a “estratégia de Lisboa” foi talvez o resultado mais mediático da coligação luso-britânica).
Como é óbvio, nunca passou pela cabeça de Guterres construir uma relação próxima com a Grécia ou com a Itália (a Espanha é um caso especial; mas houve sempre o cuidado de evitar uma demasiada proximidade ibérica em Bruxelas). E o governo de Sócrates manteve a tradição de recusar alianças com os periféricos. Entre 2010 e 2011, já estava a “troika” em terras gregas, Sócrates recusou qualquer aproximação à Grécia. Eram os dias em que o PM português fugia do PM grego nos Conselhos Europeus para não aparecerem juntos na fotografia. A “solidariedade” com a Grécia só existe quando os socialistas estão na oposição e não têm de governar. E, tal como Guterres, Sócrates também se aliou a um dos grandes europeus. Sabem com qual deles? Exactamente, com a Alemanha. E com a Alemanha de Merkel.
Mais uma vez, vale a pena refrescar a memória. Em 2007, o acordo sobre um novo tratado europeu, após o fracasso do Tratado Constitucional, constituía o principal objectivo da política europeia da Alemanha. Na primeira metade do ano, os alemães exerceram a presidência da União Europeia e prepararam as negociações para o novo tratado europeu. O calendário político europeu levou Portugal a exercer a presidência da União Europeia no semestre seguinte ao da Alemanha. Berlim tudo fez para que o governo português concluísse o tratado que servia os interesses da Alemanha na União Europeia, o actual Tratado de Lisboa. Como afirmou um participante nas cerimónias nos Jerónimos, o Tratado de Lisboa consagra o poder de Berlim.
Nesses dias, Sócrates não resistia ao charme de Merkel e gabava-se em todo lado da sua excelente relação com a Chanceler alemã. Nunca Portugal havia estado tão próximo da Alemanha, nem nos dias de Cavaco e Kohl. E foi assim até ao fim. Já em 2011, Sócrates queixava-se a Merkel que o líder do PSD, Passos Coelho, queria derrubar o seu governo. E Merkel ouviu-o e mostrou a sua irritação a Passos Coelho, quando este recusou votar o famoso “PEC IV”.
Desde 1986 até hoje, os governos portugueses recusaram sempre alianças na periferia, preferindo coligações com o centro, incluindo os executivos socialistas. O actual governo limitou-se a seguir essa tradição, a que melhor serve os interesses nacionais. A fraqueza de António Costa e a sua vulnerabilidade perante a irresponsabilidade dos jovens turcos do seu partido levou o PS a abandonar os princípios centrais da política europeia do nosso país. Onde estão os socialistas com memória? E por que razão estão calados?