Ainda mal a tinta das assinaturas tinha acabado de secar no Acordo de Minsk e já começavam a surgir interpretações diferentes do texto pelas várias partes, processo que não agoira nada de bom.

Embora no documento se garanta a integridade territorial da Ucrânia, Moscovo já veio dizer que isso não diz respeito à Crimeia, território ucraniano ocupado pelas tropas russas no ano passado. Dmitri Peskov, porta-voz do Presidente Putin, disse que “não se falou e nem se podia falar” do estatuto da Crimeia, dando a entender que se trata de um caso encerrado: “nós discutimos as regiões russas com outros países só no âmbito da cooperação e interacção regional”.

O Acordo de Minsk prevê também a retirada de tropas e mercenários estrangeiros, mas Moscovo entende também que isso não lhe diz respeito. “A Rússia é um país reconhecido pelas partes do conflito. É um país que apelou às partes do conflito a assinarem um conjunto de medidas para cumprir os acordos de Minsk. Mas a Rússia não é uma parte que cumpre esse conjunto de medidas. É um país que participa como garantia, que apela, mas que, claramente, não é a parte que deve empreender acções para isso. Nós simplesmente não podemos fazer isso fisicamente, porque a Rússia não é parte deste conflito”, frisou Peskov.

Na véspera, já depois de assinado o Acordo de Minsk-2, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia publicou um comunicado onde se lê: “surgiu informação de que uma série de cidadãos croatas fazem parte do odioso batalhão “Azov”, formado por extremistas de direita. A participação de mercenários estrangeiros, nomeadamente croatas, num conflito interno serve apenas para o atiçar”.

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É caso para dizer que não se pode ser mais claro na interpretação do que foi assinado em Minsk.

Mas há mais: o acordo prevê a libertação de todos os prisioneiros de guerra e uma amnistia, mas tanto Kiev como Moscovo já argumentaram que não é bem assim. O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia informou que “aqueles que cometeram crimes contra a humanidade” não serão abrangidos pela amnistia. Isso é feito, nomeadamente, por pressão da Holanda, que quer ver descobertos e julgados os culpados pelo derrube do Boeing malaio no Leste da Ucrânia.

Já o Kremlin fez saber também que haverá excepções. Por exemplo, na quinta-feira, o Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, declarou que tinha sido acordada a libertação da piloto Nadejda Sovtchenko, que se encontra numa prisão de Moscovo acusada de estar implicada na morte de dois jornalistas russos no Leste da Ucrânia. Segundo as autoridades de Kiev, ela teria sido raptada em território ucraniano e levada à força para a Rússia. A militar não reconhece a sua culpa e está actualmente em greve de fome. Dmitri Peskov, porém, afirma que não houve qualquer acordo sobre a sua libertação e que só um tribunal russo irá definir se ela é culpada ou não.

Para além de todas estas declarações, no terreno a situação em torno de Debaltsevo poderá degradar-se ao ponto de que sequer permitir o início de um cessar-fogo. As autoridades ucranianas acusam os separatistas e tropas russas de terem lançado novas ofensivas com vista a cercar os cerca de oito mil soldados ucranianos que se encontram nessa localidade, um ponto estratégico pois, caso passe para as mãos dos separatistas, permitirá a ligação das duas auto-proclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk. Putin já apelou aos militares ucranianos que deponham as armas.

Já o comando militar ucraniano diz não ter permitido o fecho do cerco das suas tropas no “caldeirão de Debaltsevo” e promete resistir. Os combates têm-se intensificado à medida que se aproxima a hora do cessar-fogo: a meia-noite de sábado para domingo.