A esmagadora maioria das escolas não facilita aprendizagens diferenciadas nem ritmos próprios. Os bons e os maus alunos são ensinados da mesma maneira e tanto se exige a uma criança ou jovem particularmente dotado para a Matemática, como de outro que não tem o menor jeito para contas, mas nasceu para o desporto, para a culinária ou para as artes. O ensino mais ou menos normalizado não comporta excepções, e os alunos que não têm inclinação para a Matemática nem para as línguas, muitas vezes sentem-se perdidos ou excluídos por não encontrarem quem identifique ou reforce neles outras competências.

Ser diferente, num mundo que se pretende de iguais, pode ser muito frustrante. Ser um aluno médio, num mundo altamente competitivo, pode ser motivo de arrasos constantes e demolidores. Alguns pais comparam filhos e notas, conferem com as dos filhos dos amigos e antecipam futuros negros. Os mais competitivos tentam compensar em casa aquilo que consideram ser grandes lacunas do sistema de ensino, e insistem em TPCs e actividades extra-curriculares que fazem com que os filhos tenham agendas de primeiro ministro.

Os outros, que percebem que os filhos têm ritmos de aprendizagem próprios e tentam respeitá-los, dividem-se quanto a métodos e expectativas. Nada fácil, toda esta realidade.

Em vésperas de testes e avaliações, com cúmulos de trabalhos de casa, tudo piora porque aumenta o stress familiar e a escalada de nervos e gritos pode ser tremenda. Numa época em que estamos todos cansados, mais que exaustos, diariamente trespassados por notícias pavorosas de ataques terroristas, é difícil manter a paciência e a resiliência em bons níveis. Acontece em todas as idades e atravessa todas as gerações, tocando especialmente pais e filhos em escolas e liceus onde a sobrecarga de deveres diários é angustiante, para não dizer desesperante. Há crianças a quem os pais e professores impôem tarefas diárias excessivas, ou desfasadas das suas competências, que chegam a sofrer maus tratos físicos e psicológicos. Bofetadas e insultos repetidos dia após dia são isso mesmo, não tenhamos ilusões. Basta pensar em nós próprios, se fossemos sujeitos ao mesmo tratamento no local de trabalho, dia após dia, para percebermos que nos sentiríamos vítimas de maus tratos.

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Abstraindo dos excessos e ofensas, todos já assistimos a cenas caricatas como as que envolvem miúdos a quem a cabeça pesa de tal maneira que tomba, e volta a tombar, sobre as folhas dos cadernos de TPC, assim como já perdemos a paciência com filhos e enteados que pegam nos lápis e canetas sem forças, deixando-os propositadamente escorregar entre os dedos, sem vontade nenhuma de os apanhar do chão. Todos já vimos crianças sentadas à secretária como se aquilo fosse um estrado para dormir, sem postura de costas e sem nervo para estudar. Enfim, pais, educadores e professores conhecem muito bem esta realidade que consome a fraca resistência que sobra em cada dia.

Não há mãe nem pai à face da terra que nunca se tenha irritado com a indolência do seu filho mal chega a hora de fazer os TPC. Mesmo os mais calmos, ou os mais zen, que nunca cometem excessos nem maltratam os filhos, já tiveram crises de impaciência e sabem bem o que dói ter infantes em ‘síndrome do fim do dia’, mas ainda com os trabalhos por fazer.

Saber se os TPC são para manter, para eliminar ou para agravar é uma questão para a qual não existe uma resposta única. Há filhos e há pais para tudo. E há professores e educadores com teorias muito divergentes. Os que defendem os TPC com convicção dizem que se trata de um sublinhado de matérias e competências, e estão convencidos de que são uma fonte de disciplina. Alguns activistas pró TPC chegam a argumentar que representam um reforço de laços familiares, mas sinceramente acho que, neste ponto, deliram. Eu, que até sou calma e não grito, lembro-me de ter perdido a cabeça várias vezes com o pobre do meu filho que, por acaso, também era calmo e fácil, tudo porque o raio dos TPC ficavam sempre para a última hora e, por vezes, eram demasiados.

Quem ataca os TPC ou, pelo menos, os excessos de trabalhos que crianças e jovens levam para casa, também esgrime argumentos fortes: as famílias já não são o que eram, muitas crianças andam de casa em casa, com malas de roupa às costas, ou são cuidadas por empregadas domésticas pagas à hora para se ocuparem das coisas da casa, mas não da educação dos meninos, e quando o pai ou a mãe chegam já vêm exaustos, no auge da impaciência e com os nervos em franja. De que adianta tentar que estas crianças façam TPCs em casa, se a realidade familiar não comporta essa tarefa diária, perguntam-se os mais cépticos.

Entre prós e contras há-de estar a virtude, embora ninguém saiba exactamente qual a medida certa. Cada caso é um caso, mas vale a pena aproveitar estes tempos de maior desgaste para repensar estratégias, sobretudo quando são motivo de conflitos. Tenho para mim que nenhuma criança aprende mais e melhor à força, entre berros e bofetadas, ou ameaças e castigos. Poucos seres humanos desenvolvem capacidades ou multiplicam talentos tendo como estímulo ofensas e palavras destrutivas. Sei que até pode acontecer em certos meios desportivos, em que alguns atletas são levados a superar-se a partir de estratégias demolidoras, mas detesto o princípio do feedback negativo-destrutivo. Acredito que a confiança gera confiança, assim como o respeito gera respeito e a responsabilidade, responsabilidade. Sou adepta dos professores, educadores e treinadores sensíveis à sensibilidade dos seus pupilos e, nesta lógica, capazes de flexibilizar estratégias.

Neste sentido parece-me apropriado ter em conta a realidade-real dos alunos e tentar calibrar os TPC de forma a não agudizar tensões familiares. Muitos dirão que não se pode agir de forma tão casuística, mas tenho a certeza que sim. Todos os bons professores e bons educadores conhecem bem os seus alunos e sabem quando estão a contribuir para a sua evolução ou a sobrecarregá-los de trabalhos contribuindo para a erosão familiar. Uma criança que passa a vida a ser castigada, ameaçada ou acusada de não fazer os TPC como deve ser, não é uma criança mais apta para aprender. Muito pelo contrário. O sofrimento (ou, pelo menos, o desgaste) diário a que está exposta depois de várias horas passadas na escola e, depois, em transportes ou andanças, não contribui em nada para o seu desenvolvimento.

Por tudo isto e porque não há maneiras únicas de ensinar e aprender, muito menos crianças-padrão, importa que os pais não exasperem os seus filhos e tentem perceber a inteligência de cada um, para saberem como os hão-de ajudar a crescer e… a estudar. Ou seja, é vital sermos criativos e estarmos atentos à maneira como cada um revela os seus dons e talentos, as suas inclinações naturais e os seus ritmos de desenvolvimento. De nada adianta a um pai impor regras militares a um filho que nasceu para ser artista, assim como não faz sentido nenhum sobrecarregar de deveres uma criança hiper activa que precisa acima de tudo de aprender a abrandar o ritmo, em vez de o acelerar para tentar corresponder.

Em resumo, um pai é um pai, não é um professor. E um professor é um professor, não tem que substituir os pais. Assim sendo, o ideal seria que uns não sobrecarregassem os outros para não atormentarem ainda mais os que dependem deles.