Sou fã da série de TV West Wing. Nela, Jed Bartlett, o presidente, é um Nobel da Economia, daqueles académicos liberais arrogantes americanos que se vê com capacidades intelectuais superiores aos demais e faz um julgamento moral depreciativo de quem não partilha as suas ideias políticas.
Na temporada em que Bartlett se candidata ao segundo mandato (e ganha, que a série tinha audiências e era para continuar) o oponente é uma caricatura de Bush filho: um republicano plainspoken, nem urbano nem cosmopolita, atreito a gaffes, que se apresentava como pouco intelectual, enfim, um americano comum. Numa cena, o diretor de comunicação do presidente e o vice-chefe de gabinete – os imortais Toby e Josh – discutiam como referir as políticas de Ritchie, o candidato republicano. Falavam sempre do ‘plano económico de Milton Friedman’, por exemplo. O objetivo? Reforçar que as ideias propostas pelo republicano não eram afinal dele – e que ele não tinha capacidade para as conceber, nem, na verdade, aferir se eram ou não boas.
Ora bem, António Costa, além de me fazer vir à memória o General Alcazar (pela forma caceteira como reclamou o poder), desde os tempos da campanha que me recorda Ritchie. Foi bastante evidente na campanha que Costa não fazia grande ideia do seu programa económico, para além do mantra socialista ‘a despesa pública traz crescimento’ – e neste caso mais pela ambição de todos os políticos de ter muito dinheiro para gastar, para o malfadado fazer obra, para solidificar na forma de betão armado (ou de clientelas imateriais do PS) as ideias que se alojam na sua imaginação, para que dentro de uns anos deem o seu nome a uma ponte ou viaduto (ou, pelo menos, um beco), do que pela convicção científica de que gastos públicos trazem consigo o maravilhoso multiplicador keynesiano. As poupanças nas prestações sociais metidas por Mário Centeno no programa eleitoral do PS eram desconhecidas do patrono do dito programa, bem como os pormenores que levariam aos 207 mil empregos a mais (já desaparecidos em combate).
António Costa é daqueles políticos que não percebe de nada senão pela rama, mas que vê isto como uma mais-valia. Esteve toda a sua vida profissional imerso nas tricas partidárias, em que é especialista e que confunde com talento político. As gaffes que Costa já acumulou – chega ao ponto de nem saber que o 1 de Dezembro, que considera tão importante que quer novamente festejar com dia feriado, é a data da Restauração da Independência em 1640 – não são fait divers nem apenas sinal de cultura geral debilitada (que um político de esquerda tem sempre fina erudição). Nem tentativas generosas de nos alegrar os dias. São um sintoma da falta de preparação que aflige Costa nas áreas governativas.
Mas que nada disto nos atribule, porque a comunicação social amiga já decretou que temos um governo fantástico. Já li por aí como Costa foi ‘genial’ e ‘brilhante’ ao ter conseguido formar este governo esfarrapado a que preside. A mesma comunicação social que se embevecia pelo ostensivo novo-riquismo (perdoe-se a redundância) de Sócrates, outro caceteiro da política portuguesa, já está convencida. Que surpresa.
Estamos todos obrigados a chorar de comoção por termos uma negra a chefiar o Ministério da Justiça. Não interessa nada, por exemplo, que Francisca Van Dunem tenha sido testemunha de defesa naquele caso em que um magistrado foi disciplinarmente condenado por ter pressionado os procuradores que investigavam o caso Freeport com as ameaças que tinha ouvido de José Sócrates. Temos portanto uma ministra que acha normal que ocorra o que pode ser interpretado (e foi) como pressão política ilegítima sobre o Ministério Público. Tendo em conta que o PS convive muito mal com o processo judicial que envolve Sócrates, esta escolha para ministra é arrepiante. Paciência, que a senhora tem um tom de pele original no governo.
Rejubilemos, então, que é quase Natal e temos um governo maravilhoso. António Costa até já está a ocupar-se de ‘salvar o mundo’ (foi o que ele disse, não tenho a culpa), tarefa que delegou nos autarcas portugueses (quem mais?) depois da Conferência do Clima. Aquela em que não quis falar, porventura convencido por algum assessor mais temeroso de nova gaffe Turquia-fundadora-da-NATO-em-1959 e deixando o mundo inconsolável. Tendo logo a seguir as gentes boas do PS (as que escorraçaram os malvados direitistas usurpadores) culpado (falsamente) o governo anterior por uma suposta falta de inscrição.
Sou incapaz de comentar os ministros Santos Silva, Vieira da Silva e Capoulas Santos, essas revisitações socráticas, em termos apropriados para as audiências de um jornal. Mas não posso falhar uma palavra de elogio a Costa pelo enlevo com que trabalha para a unidade das famílias portuguesas, a ponto de levar umas tantas quase inteiras para o governo. E termino com outro elogio, sem resquício de ironia: a despromoção de Mário Centeno para o 4º lugar da hierarquia do governo.
E se depois de esmerados esforços os portugueses não se renderem ao esplendor do seu governo, sugiro fazerem uso de uma ideia aventada por Chan Koonchung na sua distopia The Fat Years: colocarem uma droga da felicidade nos reservatórios de água. Do que se lê por aí sobre o governo, de resto, duvida-se que não haja já em algumas zonas do país programas experimentais desta ajuda à felicidade.