Enquanto a União Europeia faz uma figura cada vez mais ridícula ao não conseguir resolver o problema da Grécia e todas as atenções se concentram neste braço de ferro suicida para toda a Europa, as autoridades russas continuam a pôr em causa as fronteiras actualmente existentes no continente.

Agora chegou a vez das três antigas repúblicas soviéticas do Báltico: Lituânia, Letónia e Estónia. Um grupo de deputados da Duma Estatal (câmara baixa do Parlamento Russo) pediu à Procuradoria-Geral da Rússia que “verifique a legitimidade da decisão tomada pelo Conselho de Estado da URSS em 1991” que permitiu a essas três repúblicas recuperarem a independência que tinham perdido depois da invasão soviética de 1939.

O Conselho de Estado, então constituído pelo Presidente da URSS, Mikhail Gorbatchov, e pelos dirigentes das repúblicas soviéticas, foi criado em Setembro de 1991 como órgão provisório que devia gerir o período de transição da União Soviética para uma nova união de repúblicas ou países e foi dissolvido em Dezembro de 1991, quando a URSS deixou de existir.

Segundo os deputados, a “decisão jurídica sobre o reconhecimento da independência dos países do Báltico é incorrecta porque não foi aprovada por um órgão constitucional”.

Esta ideia poderia ser considerada uma das muitas “ideias peregrinas” que vêm à cabeça dos parlamentares russos não fosse a seguinte circunstância: na semana passada, também a pedido de um grupo de deputados, a Procuradoria-Geral da Rússia deliberou que “a entrega da Crimeia à Rússia em 1954 não estava em conformidade com a Constituição da RSFSR e com a Constituição da URSS”. Tudo porque essa decisão foi tomada pelo Presídio do Soviete Supremo da Rússia, que não teria competências para tal. A prerrogativa pertenceria ao Soviete Supremo da URSS, considerou a Procuradoria-Geral.

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A continuar assim, Moscovo envereda por um processo muito perigoso que pode ter consequências extremamente funestas para a própria Rússia. “Ao reconhecer a ilegitimidade de umas ou outras decisões vitais, pode-se ir longe demais, até ao problema da legitimidade da criação da URSS e de outros Estados”, comentou à agência Interfax uma fonte que se encontra ao corrente do processo. A mesma fonte frisou que, “ao se tomar decisões semelhantes a pedido dos deputados, é preciso ter em conta não só o aspecto jurídico, mas também político das questões que se levantam”.

É também de sublinhar que as fronteiras entre as repúblicas soviéticas eram meramente administrativas e foram numerosas vezes alteradas ao sabor do ditador José Estaline e de outros dirigentes soviéticos. O Cazaquistão, por exemplo, surgiu apenas em 1936, o Uzbequistão doze anos antes, e por aí adiante.

É sabido também que as fronteiras da URSS, bem como de outros países europeus, sofreram alterações substanciais no final de II Guerra Mundial, pelo que se Moscovo continuar por esta via pode ter de enfrentar sérios problemas fronteiriços. Não nos esqueçamos que a Finlândia, por exemplo, perdeu parte significativa do seu território para a URSS em condições muito pouco legítimas. E este é apenas um caso.

A propósito, a revisão do passado parece ter-se transformado numa ideia doentia na Rússia. Um grupo de deputados comunistas decidiu também pedir à Procuradoria Geral da Rússia para analisar a legalidade da desmontagem da estátua de Felix Dzerjinski, criador da sangrenta política soviética, que se encontrava em frente do edifício do KGB. A justificação é que Dzerjinski desempenhou um grande trabalho não só para “liquidar a contra-revolução”, mas também para “organizar os caminhos-de-ferro soviéticos” e “para apoiar crianças”. (Durante a ditadura comunista na URSS, contava-se uma anedota a esse propósito: “Dzerjinski gostava muito de crianças, mas não gostava dos pais delas”).

A retirada da estátua foi uma acção espontânea de moscovitas depois da derrota do golpe comunista que, em Agosto de 1991, tentou derrubar Mikhail Gorbatchov e afastá-lo do cargo de Presidente da URSS.

O Partido Comunista da Federação da Rússia exige também que a cidade de Volgogrado se volte a chamar Estalinegrado e não se cansa de defender os méritos do ditador soviético José Estaline, exigindo a sua total reabilitação.

P.S. Guerra na Ucrânia, atentados terroristas da semana passada no Kuwait, Tunísia e França, situação cada vez mais catastrófica na Síria e no Iraque e onda de imigrantes ilegais que se dirige para a Europa. Não serão tudo argumentos suficientes para que todos os membros da União Europeia, bem como a Rússia, tomem consciência dos perigos reais? E para que Moscovo compreenda que chegou a hora de se deixar de comportar como uma superpotência que já não é, assumindo que a sua segurança é inseparável da segurança europeia?