1. Não, a culpa não é do Ocidente, nem da Europa. É chocante ler e ouvir, num momento como este, que as “políticas europeias e ocidentais” são culpadas pelos ataques de Paris. Os únicos culpados são os autores, os que pensam como eles e os que estão dispostos a fazer o mesmo. Em particular, atacar as “políticas de austeridade europeias”, como fez Ana Gomes, é um disparate incompreensível. Quando se viola um princípio fundamental das nossas sociedades, como a liberdade de expressão, seria o momento para a direita e a esquerda estarem unidas. Os valores que partilhamos são mais profundos do que as nossas divisões. Quem não entende isto, não percebe o que define uma sociedade democrática. Umas lições sobre o liberalismo e a cultura liberal talvez fossem úteis.

2. O que se passou em Paris não tem nada a ver com a religião muçulmana. Foi uma manifestação do ódio e da violência como instrumento político. Herdeira das velhas ideologias totalitárias, que nunca hesitaram em recorrer ao ódio e à violência para prosseguirem os seus objectivos políticos. Como explica muito bem Hannah Arendt nas Origens do Totalitarismo, um dos segredos do sucesso dos movimentos totalitários é a capacidade para legitimar a linguagem do ódio e o uso da violência indiscriminada, convertendo pessoas que até então tinham parecido sempre normais. Os autores dos ataques ao Charlie são os herdeiros dos movimentos totalitários do século XX; muito mais do que filhos do Islão.

3. Entendo perfeitamente a solidariedade expressa por jornalistas e por jornais, rádios e televisões. Quando os nossos são atacados de uma forma tão bárbara e injusta, deve-se exprimir solidariedade e choque. Mas o que se passou em Paris é mais profundo do que uma ameaça ao jornalismo – mesmo que também o seja. Constituiu um ataque a um dos princípios mais importantes das nossas sociedades: a liberdade de pensamento e de expressão. A imprensa constitui um dos domínios onde se pratica esse princípio. Mas ele é crucial para todos nós e vai muito para além do jornalismo. Os tiros que mataram doze franceses hoje constituíram um ataque a todos os que querem viver em liberdade.

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