Em 2015, António Costa prometeu acabar com a austeridade e pôr a economia a crescer. Pouca gente acreditou, e Costa perdeu as eleições, com um dos piores resultados de sempre do PS. Mas Costa, apesar da humilhação, subiu ao governo. E o país pôde assim confirmar, em 2016, que as suas promessas eram de facto vãs: a austeridade foi apenas redistribuída, e o crescimento previsto é inferior ao dos tempos da “espiral recessiva” da troika. Mas eis que acontece isto: segundo as sondagens, muita gente parece agora, depois de provado que Costa não tinha razão, disposta a votar nele. Dir-me-ão: são as sondagens. Pois são, mas é o que temos. Que se passa? Porque é que o país da Europa cujas perspectivas são mais sombrias é um dos poucos onde as sondagens dão boas notícias ao governo?
António Costa não pôs a economia a crescer, nem acabou com a austeridade, mas conseguiu outra coisa, que em Portugal é tudo para ter aplausos: instalar-se no Estado, sem prazo para de lá sair. A maioria parlamentar está de pedra, Bruxelas aprova-lhe os orçamentos, o BCE empresta-lhe dinheiro, Costa distribui esse dinheiro pelas suas clientelas, o presidente da república congratula-se, e os comentadores competem nos estúdios para ver quem louva mais alto a “habilidade” do primeiro-ministro. Sim, valeu a pena ir para o poder. Sim, valeu a pena pisar as tradições políticas do regime, de precedência do partido mais votado e de exclusão de comunistas e neo-comunistas.
O general MacArthur dizia que não havia substituto para a vitória. Em Portugal, não há substituto para o poder. Portugal tem 200 anos de eleições. Mas a primeira vez que uma força política passou da oposição ao governo por via eleitoral foi em 1979, e a primeira vez que um primeiro-ministro candidato a reeleição perdeu foi em 2004, com Santana Lopes (só aconteceu uma segunda vez, em 2011, com José Sócrates). Foi sempre muito difícil constituir, a partir da sociedade, movimentos capazes de desafiar quem estava instalado no Estado – e nem sempre foi preciso o Estado ser policial: bastou que o Estado fosse grande em relação à sociedade, permitindo aos que o ocupavam cuidar das maiores clientelas do país e explorar o seu impacto na opinião. Nessas condições, as alternâncias no governo quase só ocorreram à força ou por desagregação do poder instalado, geralmente quando faltava dinheiro. Hoje, perante uma sociedade endividada, descapitalizada e envelhecida, o Estado, movimentando valores equivalentes a metade do PIB, é a última força em Portugal. Quem tem o Estado, tem tudo; quem não tem o Estado, não tem nada.
Daí Portugal ser um dos poucos países europeus em que não há movimentos anti-sistema a abrir noticiários. Enquanto a Inglaterra lida com o Brexit, a França receia Le Pen, e a Espanha antecipa a ultrapassagem do PSOE pelo Podemos – em Portugal, até o PCP e o BE são hoje pupilos de Costa. De facto, PCP e BE foram apenas mais duas vítimas do declínio da sociedade perante o Estado. Nenhum deles conseguiu explorar o ajustamento para crescer. O PCP, que já só tem sindicatos de empregados públicos, precisou de aceder ao Estado para os defender. Costa só precisou de lhes pôr as coleiras.
Só há um problema aqui: o Estado, também ele, já não consegue viver desta sociedade. Depende totalmente do exterior. Que acontecerá, quando a política monetária europeia mudar? A alternativa seria deixar a sociedade reforçar-se. Mas António Costa nunca o fará, porque isso significaria ceder poder. Este é um governo que, quando cair, arrastará o país consigo.