A homossexualidade ainda é considerada por alguns médicos uma doença que pode ser curada, revela um estudo da ILGA (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero) que indica que as pessoas lésbicas, gay, bissexuais e transgénero (LGBT) se sentem discriminados no acesso a cuidados de saúde.

A constatação faz parte do estudo “Saúde em Igualdade – Pelo acesso a cuidados de saúde adequados e competentes para pessoas lésbicas, gays, bissexuais e trans”, realizado com recurso a 600 inquéritos, feitos entre junho e novembro de 2014.

Especificamente em relação aos 249 inquiridos que estão a ser seguidos ao nível da saúde mental ou psicoterapia, pelo menos 27 pessoas (11%) afirmaram que o/a profissional de saúde lhes sugeriu que a homossexualidade é uma doença e pode ser “curada”.

Em declarações à agência Lusa, o coordenador do estudo disse ter ficado surpreendido com este dado, mas lembrou que foi só em 1972 que a Associação Americana de Psiquiatria retirou a homossexualidade da lista de doenças mentais, e só nos anos 1980 é que a Organização Mundial de Saúde deixou de considerar a homossexualidade uma doença.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nuno Pinto considerou este dado “particularmente grave” porque surge em relação a pessoas que estão a ser seguidas em contexto de psicoterapia e disse acreditar que a realidade supere os 11% apurados no inquérito.

“Houve pessoas que não estariam a ser acompanhadas nos serviços de saúde mental e que disseram que isto lhes foi sugerido por outros profissionais, noutras áreas, nomeadamente uma participante que disse que a sua ginecologista lhe sugeriu isto”, revelou.

Para o responsável, esta realidade é bastante reveladora da necessidade de formação dos profissionais de saúde, lembrando que este tipo de considerações tem um forte impacto em quem está a ser acompanhado, normalmente pessoas vulneráveis “que deviam ter relação significativa e prolongada no tempo com este profissional”.

“Numa consulta, a médica, cuja especialidade era ginecologia, considerou a homossexualidade como uma doença, para a qual é necessário tratamento”, refere uma mulher lésbica, de 21 anos.

Outra, com 27 anos, conta: “A enfermeira que fez a triagem questionou a relação que eu tinha na altura com uma pessoa do mesmo sexo, dando a entender que era uma fase”.

Segundo uma outra fase do estudo da ILGA, entre as 547 pessoas inquiridas, 17% “já foi alvo de discriminação ou tratamento desadequado em contexto de saúde”. O coordenador do estudo afirmou que este resultado era esperado, apontando que a invisibilidade relatada “é o substrato da discriminação que incide sobre esta população”, algo que “tem consequências práticas ao nível da prestação dos cuidados e do acesso das pessoas LGBT aos cuidados de saúde”.

Segundo Nuno Pinto, a abordagem por parte do profissional de saúde é assente na presunção da heterossexualidade, o que obriga a que sejam as pessoas LGBT a terem de quebrar o silêncio sobre a sua vida privada.

“Os episódios de discriminação aconteceram em maior número nas áreas de medicina geral e familiar e ginecologia – e 87% das situações envolveu a participação de um/a profissional de saúde” -, lê-se no documento.

Os episódios incluem “comentários considerados desadequados”, “episódios de discriminação na doação de sangue por homens gays ou bissexuais” ou quando o profissional de saúde “presumiu a existência de comportamentos sexuais de risco pelo facto de o/a utente ser lésbica, gay ou bissexual”.

Nuno Pinto sublinha que os profissionais de saúde são vistos “como uma espécie de autoridade que baliza o que é certo e o que é errado”, pelo que comentários deste género feitos por estas pessoas “poderão ter um impacto bastante maior” do que se for feito por um desconhecido ou uma pessoa com quem não haja uma relação.

“Pode ter impacto ao nível da saúde mental, já que as pessoas LGB são as que estão mais em risco em matéria de doenças mentais exatamente pela discriminação que a sua orientação social desencadeia”, sublinhou.

Prova disso, para o responsável, está no número de suicídios de jovens LGBT, que “são pelo menos três vezes superior aos jovens não LGBT”.

“Um comentário destes, dito por um profissional isto pode validar o insulto social e as consequências podem ser a nível da saúde mental e do bem-estar”, alertou.

“É preciso implementar políticas públicas que garantam que a estigmatização e a discriminação sobre estas pessoas LGBT não possam ser uma condicionante no acesso a cuidados de saúde”, defendeu o responsável da ILGA.