Ver um ministro, um candidato a primeiro-ministro e mesmo um primeiro-ministro de avental deixou de ser imagem rara. E não estamos a falar de maçonaria. O mais recente político a abrir as portas da sua cozinha e a pôr as mãos na massa foi Pablo Iglesias, líder do partido espanhol Podemos. A estratégia de comunicação serve para humanizá-los. Mas nem sempre corre bem.

As eleições legislativas em Espanha também estão à porta e uma jornalista do espanhol Telecinco passou 24 horas com Pablo Iglesias. Apesar das várias atividades, foi o momento culinário que despertou mais interesse. “A cozinha de Pablo Iglesias e o império do cool”, titulou o El Diario. O El Pais foi mais longe e recordou outras cozinhas de políticos que deram muito que falar.

Porque é que os políticos aceitam trocar o fato pelo avental e porque é que estes momentos parecem dar tanto que falar? Em primeiro lugar, trata-se de uma estratégia de comunicação que pretende humanizar a pessoa por trás do cargo. Em segundo lugar, permite entrar na intimidade e, claro, analisar em que condições vivem os políticos. Se são de esquerda e mostram luxo, são atacados. Se são de direita e se apresentam humildes, são acusado de encenação.

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Por norma – ou seja, sem contar com excêntricos como Donald Trump – sejam de esquerda ou de direita, os líderes procuram não mostrar ostentação. Basta recordar como o ex-ministro das Finanças grego Yannis Varoufakis foi criticado (e se mostrou depois arrependido) pelo conforto com que se deixou retratar para a Paris Match, no auge da crise grega.

Em março deste ano, o na altura líder trabalhista britânico Ed Miliband também se deixou fotografar numa humilde cozinha junto com a mulher, entre chá e biscoitos. O problema foi quando se descobriu que havia, na mesma casa, uma segunda cozinha bem mais luxuosa, que o candidato preferiu esconder do olhar público.

Se Ed Miliband tem duas cozinhas, o seu opositor e primeiro-ministro britânico, David Cameron, tem três. Aquela onde se deixou filmar foi escrutinada ao ponto de a imprensa e o público discutirem o preço de cada um dos bens avistáveis. O Telegraph, por exemplo, dedicou-se a identificar 45 produtos, dos mais baratos de supermercado às iguarias gourmet pouco acessíveis à família média.

Os políticos portugueses também não se têm negado a vestir o avental. António Costa, na altura presidente da Câmara Municipal de Lisboa, agora candidato a primeiro-ministro, fê-lo em 2007, para o 24 Horas. Sorridente, segurava com orgulho uma moqueca de camarão “à moda do Costa”, que acabara de preparar. Na mesma altura, Miguel Relvas, do PSD, também se deixou fotografar para a revista Sábado, de avental, a cozinhar para os amigos.

antonio costa 24 horas

A moqueca de camarão “à moda do Costa”, publicada na revista do 24 Horas de 7 de julho de 2007

Mas não é preciso recuar tanto. No passado dia 28 de agosto, os dotes culinários do ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, (que substituiu Miguel Relvas em 2013) foram muito elogiados pelo Jornal i. O ministro deixou-se fotografar na cozinha, de traje descontraído mas sem avental.

Voltamos à pergunta inicial. Porque é que os políticos aceitam trocar o fato pelo avental? “Talvez os gabinetes de imprensa dos partidos devessem procurar outros lugares para humanizar os seus líderes”, escreveu o El País, ao mesmo tempo que admitiu que é difícil encontrar outra situação que mostre tão bem o status e os gostos dos poderosos. “Podem situar um candidato de forma mais eficiente do que um ponto do programa [eleitoral]”.