É um eufemismo dizer que a série de TV “Game of Thrones” baseada na série de livros A Song of Ice and Fire de George R. R. Martin é um sucesso. Muitos leitores receberam com apreensão a notícia da adaptação televisiva de Benioff e Weiss, mas os primeiros episódios provaram que a supervisão atenta do escritor e a qualidade inequívoca do material de base conduziram a uma tradução de extrema qualidade. Daí a conquistar um público que não estava familiarizado com os livros, foi um pequeno passo, os números e galardões falam por si.

Numa lógica de mercado, é mais do que óbvio que este sucesso não ficaria estanque à televisão. Já foram lançados alguns videojogos em torno da franquia, mas a série de aventuras gráficas lançadas há um ano — cujo sexto e último capítulo da primeira temporada foi lançado em novembro — é sem dúvida a grande figura de destaque.

Telltale Games: depois de “Walking Dead”, o ataque a “Game of Thrones”

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A Telltale Games é uma editora norte-americana que se especializou na produção de aventuras gráficas num período em que o género parecia estar francamente “adormecido”, em comparação com a década de 1990, o momento áureo. Desde cedo que a editora apostou em produzir jogos episódicos em torno de franquias de videojogos, televisão e cinema e a série “CSI” foi apenas um dos primeiros exemplos do que viria a ser o seu modelo de negócio. Os seus jogos sempre tiveram uma ótima recetividade junto da comunidade de jogadores mas foi em 2013, quando lançam a primeira temporada de “The Walking Dead” que a crítica aclamou definitivamente a editora. E apesar de não ter revolucionado mecânica ou conceptualmente os videojogos, foi a abordagem mais “pesada” e consequente das nossas ações em jogo que lhe deram o devido destaque.

Em momentos-chave, as decisões que tomamos seja em ações ou em frases proferidas têm consequências no restante jogo. Ao contrário de uma visão maniqueísta que habita muitos jogos (ditos) mais sérios, um dos grandes confrontos que “The Walking Dead: Season One” nos colocava era a obrigação de decidirmos, numa fração de segundo, entre duas opções notoriamente más. Quem salvar de entre dois membros do nosso grupo: a criança ou o adolescente? Executar um traidor ou grupo ou perdoá-lo? São apenas alguns exemplos que dentro da história da série de banda desenhada/televisão adaptada a videojogos acabam por mergulhar-nos numa experiência verdadeiramente imersiva e emocional, onde não existe o bem ou o mal, apenas decisões difíceis entre dois males aparentemente semelhantes.

O infame Red Wedding visto na primeira pessoa

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A aclamada fórmula que a Telltale Games criou na sua interpretação de “The Walking Dead” (e que começa a ser reutilizada quase à exaustão em muitos outros jogos recentes) parece ter sido feita à medida para a série baseada na obra de Martin. Em “Game of Thrones” as definições básicas de “Mal” e “Bem” não são mais do que pontos de vista. É por isso que esta fórmula de história interativa/videojogos funcionam também em “Game of Thrones: a Telltale Series”.

Ainda que o próprio George R R Martin não tenha tido a mão no argumento do jogo, acabou por ser o seu assistente directo, Ty Corey Franck, a supervisionar o trabalho dos diversos escritores do jogo. Começamos esta história pelos olhos de Gared Tuttle, o escudeiro do Senhor da Casa Forrester, leal à Casa Stark, e “caímos” neste mundo no acampamento em torno do castelo das Twins, onde decorre o casamento entre Edmure Tully e Roslin Frey, que todos conhecemos como o infame Red Wedding que massacrou grande parte dos Stark e dos Senhores das Casas a si leais.

Ser este o ponto de entrada no jogo demonstrou uma grande inteligência dos argumentistas. É que isto possibilitou que “Game of Thrones: a Telltale Series” fosse apelativo a fãs da série que não estejam habituados a jogar videojogos, oferecendo-lhes como início um dos maiores “ganchos” narrativos da cultura pop dos últimos anos. E esse prólogo serve-nos como catalisador para toda a história e para a génese de um elenco especialmente criado para o jogo, de uma Casa menor que tinha anteriormente sido referido levemente no quinto livro da série.

Uma das grandes críticas que podemos fazer a este elenco e aos diversos membros da Casa Forrester e protagonistas do jogo, é o facto de serem tão decalcados dos Stark. Ainda que alguns deles tenham a sua identidade, o facto de termos um personagem que é destacado para a Muralha (e que obviamente contactará com Jon Snow) e uma personagem feminina que vive em King’s Landing na corte do Rei Joffrey (relembrando em excesso a Sansa Stark), são apenas alguns dos indicadores de que a vontade inicial era a de fazer um jogo em torno da tão conhecida família do Norte de Westeros. Mas visto que as nossas decisões vão implicar muitas consequências em torno de toda a família Forrester, incluindo quem vive e quem morre, é normal que Martin e a própria HBO tenham preferido que a Telltale Games centrasse o jogo em torno de uma família “inédita”.

Os personagens e atores conhecidos no meio do novo elenco

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Como é usual nos livros da série, em cada um dos seis episódios vamos alternando entre situações e pontos de vista de diversos membros da família Forrester. Seja com Asher em Mereen e a sua convivência com Daenerys, seja com Gared e a sua entrada na Patrulha da Noite e o contacto com Jon Snow, ou pelos olhos do Senhor de Ironrath, sede da Casa Forrester e o terror vivido com Ramsey Snow, terminando na corte do Rei Joffrey e a vivência com Margaery Tyrell, Cersei e Tyrion Lannister. Tendo a particularidade de todos os personagens da série terem sido modelados a partir dos actores, que também emprestaram as vozes aos seus personagens, e que cria uma especial familiaridade a toda o jogo, e faz-nos crer realmente que estamos a viver e a interferir no enredo da série.

“Game of Thrones: a Telltale Series Season One” é uma história interativa em que as nossas decisões têm repercussões muitas vezes inesperadas. Aliás, como qualquer fã da obra está habituado, em que vemos personagens que julgamos providenciais para a história a perderem a vida por ação nossa ou pelo decorrer da história. Permite-nos mover por entre alguns dos eventos mais marcantes da série, sejam o Red e o Purple Weddings, a invasão de Mereen, ou o controlo do Norte pela Casa Bolton. E fazemo-lo pelos olhos de personagens secundários que não conseguem alterar a história estabelecida na série, mas cuja existência é perfeitamente justificada e inserida de forma plausível no meio de todo o enredo. Com uma jogabilidade simples, em que nos limitamos a escolher o que dizer e como reagir nas situações que nos são apresentadas, “GoT: a Telltale Series” é o jogo obrigatório para todos os fãs que aguardam ansiosamente a estreia da sexta temporada da série televisiva. Mas que após terminarem este jogo, ficarão à espera da segunda temporada. Mas a espera é uma constante para os fãs da obra de Martin, especialmente para os que seguem os livros.

(“Game of Thrones: a Telltale Series” está disponível para Android, iOS, PC, PS3, PS4, Xbox One e Xbox 360).

Ricardo Correia, Rubber Chicken