Se a primeira temporada de Demolidor foi recebida em êxtase pelos fãs do herói da Marvel, a segunda vai transformar esta série num fenómeno da plataforma de streaming Netflix. Não haverá lugar a uma lenta construção das personagens nem do contexto de Hell’s Kitchen que dá origem ao “homem sem medo”, advogado durante o dia e justiceiro durante a noite. A ação começa com estrondo logo no primeiro episódio e tudo o que houve de bom na primeira temporada – as cenas incríveis de luta, o magnetismo de um vilão que é tudo menos unidimensional e a angústia de um justiceiro que não quer matar – será ampliado neste regresso. Estivemos em Los Angeles à conversa com os dois grandes protagonistas: Charlie Cox, que interpreta Matt Murdoch, o próprio Demolidor, e Jon Bernthal, que entra a pés juntos na série como Frank Castle, o Vingador.

[veja aqui a primeira parte do trailer da segunda temporada de “Demolidor”]

https://www.youtube.com/watch?v=m5_A0Wx0jU4

“Que direito tem alguém de fazer justiça? Em termos de bom e mau, certo e errado, como é que se decifra onde está a linha, e uma vez tomada essa decisão, quem tem o direito de decidir como fazer justiça?” resume Charlie Cox, sobre o dilema central desta segunda temporada. A sua personagem, Matt Murdoch, ficou cega aos dez anos após um acidente e desenvolveu de forma extraordinária os outros quatro sentidos. Depois de se tornar advogado, Murdoch assume um papel duplo de guardião da justiça, que age de noite nas ruas de Nova Iorque. É um clássico. Mas a forma como a Marvel Cinematic Universe e a Netflix pegaram na história dá-lhe a volta e são modificadas algumas características da primeira temporada, como a fotografia demasiado escura e a sensação de ter a história a ferver em fogo lento.

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Vingador, o anti-herói

Na primeira temporada, Matt angustia com uma culpa que vem da sua educação católica. “Será a vontade de Deus, já que lhe deu estas capacidades, que ele faça o trabalho da polícia onde bem entender? Ou deve alinhar-se no sistema, porque é um advogado e acredita na lei?” Na segunda temporada, este dilema desaparece – até que Murdoch é confrontado com a aparição de Frank Castle, o Vingador, que executa uma noção diferente de “justiça”, complementada com requintes de carrasco. Para ele, o Demolidor é um cobarde. “Frank Castle aparece e ele olha para este homem e revê-se nele, mas ao mesmo tempo fica horrorizado com os seus métodos”, diz Cox. “Isso significa que ele terá de voltar a questionar quem é e como deve funcionar.”

Charlie Cox fala de forma entusiasmada e troca olhares cúmplices com Jon Bernthal, que muitos ainda associam ao infame Shane Walsh de “The Walking Dead”. “No fim das contas, eles não são super-heróis. São dois homens com sentimentos ricos e complexos, com uma relação genuína em que as opiniões podem mudar”, diz Bernthal. A série não tenta manipular a opinião de quem vê nem decidir pelo espetador se o Demolidor e o Vingador são aliados ou antagonistas. “É extremamente relevante para os dias que correm. A justiça deles é muito pessoal, e ambos estão ainda num processo de procura. Muitas vezes, quando não sabemos a 100% se estamos certos, tornamo-nos mais bombásticos, como vemos na política atual”, analisa Bernthal.

[a segunda parte do trailer]

“Demolidor 2” sai numa altura em que os Estados Unidos estão mergulhados numa luta inédita pela nomeação a candidatos presidenciais, com confrontos violentos entre apoiantes de Donald Trump e manifestantes pró-Bernie Sanders, enquanto o mundo assiste de queixo no chão. “Tornamo-nos mais certos de nós próprios precisamente porque não temos assim tanta certeza. Há fissuras na armadura, e por isso quando vemos estes dois homens um contra o outro há uma grande possibilidade de descoberta e mudança. Eles estão a discutir as suas qualidades de justiça, e abre-se a hipótese de se influenciarem um ao outro”, frisa Bernthal. O Vingador não é um herói, admite. “É um homem torturado. Se tem um super poder é a sua raiva, a impossibilidade de parar, a vontade inexorável de punir.”

A chegada de Elektra

Romance foi coisa que praticamente não apareceu na primeira temporada. Não dava, diz Charlie Cox. Havia alguma tensão entre Matt Murdoch e Karen Page (Deborah Ann Woll, que conhecemos de “Sangue Fresco”), embora os fãs dos livros de banda desenhada saibam que o interesse romântico do Demolidor é Elektra. [Os espetadores que tiveram o azar de ver o filme de 2003 com Ben Affleck e Jennifer Garner também sabem.]

“Sempre senti que uma das razões pelas quais essa relação não pôde ser explorada foi porque era demasiado para o Matt. Havia muitas coisas que eram mais importantes e ele não teve tempo de investigar esse seu lado”, sublinha Charlie Cox. “No início da segunda temporada ele já teve algum tempo, assentou depois das trapalhadas com Wilson Fisk e dispõe-se a tornar-se vulnerável de uma maneira diferente.” Quando a ação regressa, seis meses depois do final da primeira temporada, Murdoch remendou a relação com o sócio Foggy Nelson (Elden Henson) e está mais próximo de Karen.
Mas sabemos que vai aparecer Elektra, interpretada por Elodie Yung – a atriz francesa que dá corpo à deusa Hathor no filme “Os Deuses do Egito”, estreado em fevereiro. Cox sorri: “Pois claro, outras pessoas são introduzidas nesta mistura e isso mudará tudo.”

[veja as primeiras imagens de Elektra em ação]

Neste mix de dúvidas existenciais, relações amorosas no meio do caos e uma cidade em chamas, a assinatura da série são as super ambiciosas cenas de confrontos físicos. Bernthal admite que ficou siderado com o trabalho da equipa de treino. “O nível de disciplina física que este papel exigiu de mim foi algo que nunca tinha experimentado antes.”

É também uma demonstração de como a Marvel conseguiu a reabilitação cinemática do Demolidor, depois do desastre que foi o filme de 2003 e o subsequente “Elektra” de 2005, que não fez muito pela carreira de Jennifer Garner. Resta saber se a nova temporada vai conseguir substituir o mal personificado por Wilson Fisk, com uma execução muito interessante de Vincent D’Onofrio, agora que Kingpin está preso e a ameaça são os Yakuza.

“Quando li os primeiros guiões, disseram-me que isto era diferente de tudo o que já tinha visto”, conta Charlie Cox, sobre o início da aventura. “Eu sei que as pessoas adoram super-heróis. É um mercado enorme. Há alturas em que vamos ao cinema e só dá para ver este tipo de filmes, prequelas e sequelas. Mas foi um risco, nunca se sabe”, ri-se. E confessa: “Não era nada do que eu estava à espera de uma série de super-heróis.” Ainda bem.