Segunda-feira, 5 de outubro de 2015. Foi nessa noite que Bruno de Carvalho, o presidente do Sporting, acusou o Benfica de oferecer uma caixa com a fotografia de Eusébio a árbitros e observadores. Lá dentro estavam convites para jantar, bilhetes para o Museu Cosme Damião e ainda para o Museu da Cerveja, a que se juntava uma camisola vintage do Benfica.

“O que é que me transmitiram de forma anónima?”, começou por denunciar, num programa da TVI24. “É entregue pelo Benfica, quer na Luz, quer no Seixal, aos quatro árbitros, dois delegados e observador, esta prenda, que dá 28 jantares por jogo. Jantar esse que pode orçar entre 500 e 600 euros, porque pode ser acompanhado de água até champanhe, e é à la carte. Só em jantares dá cerca de 140 mil euros [por época], não falando nas camisolas e nas caixas. Tudo isto deve rondar um quarto de milhão”, acusou. E desafiou: “A federação, a liga e os outros clubes é que têm de achar se isto é bonito… Provavelmente é”.

Bastaram dois dias (7 de outubro) para a Federação Portuguesa de Futebol pedir à Procuradoria-Geral da República que investigasse se havia ou não ilícitos criminais, conta o Record. Um dia depois, no dia 8 de outubro, o Benfica enviou uma carta a Fernando Gomes, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, para “expor e requerer que diligencie no sentido de se vir a promover a instauração de um processo de inquérito visando o apuramento dos factos imputados à participante pela Sporting Clube de Portugal, Futebol SAD” — o Record teve acesso ao documento e publicou-o esta terça-feira.

https://www.youtube.com/watch?v=JV3_dAxgSbw

No seguimento da reação da FPF, o Sporting reagiu à reação, digamos assim. “Esta notícia é perigosíssima e pode dar azo ao aparecimento de uma ‘lista de Schindler’, no qual o Benfica escolhe os árbitros, delegados ou observadores de que não goste para os ameaçar, denunciar ou tramar”, disse uma fonte do clube de Alvalade à Agência Lusa, aqui citado pelo Expresso.

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Antes, dia 6 de outubro, os árbitros reagiram à acusação do presidente dos leões. “Não posso quantificar quanto custa cada jantar, mas posso garantir que os árbitros respeitam integralmente o código ético da UEFA”, defendia ao MaisFutebol José Fontelas Gomes, presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol. E esclareceu: “O código de ética da UEFA estabelece que o valor máximo das lembranças não pode ultrapassar os 200 francos suíços, o que dá qualquer coisa como 183 euros.

No mesmo sentido, em março deste ano, Olegário Benquerença, ex-árbitro da Primeira Divisão, defendeu a “honra e a dignidade” dos árbitros. “É verdade que o Benfica terá oferecido os vouchers aos árbitros e a camisola do Eusébio e isso tudo”, reconhecia em entrevista ao jornal A Bola, aqui citado pelo Correio da Manhã. “Estar a criminalizar essa oferta é estar a ofender a honra e a dignidade de muita gente, porque significa que as pessoas alteram e adulteram a sua seriedade em função de receberem um vale-refeição. Essa é apenas mais uma daquelas proezas em que a comunicação social portuguesa é pródiga, alimentar em vez de extinguir a polémica, porque é evidente que querem viver com a polémica.”

Em dezembro, após um Benfica-Rio Ave (3-1), Luís Filipe Vieira investiu contra o desempenho da equipa de arbitragem, tendo aí feito aquela que terá sido a primeira referência ao caso dos vouchers. “Sentimo-nos gravemente lesados e a minha única curiosidade é ver se a comunicação social vai decifrar o que se passou. Já não sei se são vouchers ou contra-vouchers, mas uma coisa garanto: eu não ando a almoçar com jornalistas e o meu treinador também não”, disse, aqui citado pelo Record.

Em junho deste ano, o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol arquivou o caso dos vouchers, lembra o Record. O Sporting recorreu e voltou a perder.

“Nada do que está a ocorrer parte da boa vontade do Benfica”

O assunto esteve mais ou menos em águas de bacalhau até hoje, dia 18 de outubro. O Correio da Manhã noticiou esta manhã que o Benfica havia sido alvo de buscas por parte da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Judiciária. O clube publicou no seu site oficial uma nota em que informava que o sucedido havia partido do Benfica.

Ao Expresso, a Polícia Judiciária garantiu que se tratou apenas de “uma reunião” entre investigadores e responsáveis do Benfica, deitando por terra assim a tese de buscas. A PGR, no entanto, confirmou ao Observador a “realização das buscas com vista à recolha de prova”.

“Confirma-se a realização, no âmbito de um processo dirigido pelo Ministério Público – DIAP de Lisboa, de buscas com vista a recolha de prova. As diligências tiveram lugar no passado dia 11 de outubro”, disse a PGR ao Observador

No seguimento do tal comunicado do Sport Lisboa e Benfica no seu site oficial, onde referia que havia sido tudo orquestrado pelo clube, Bruno Carvalho decidiu dar uma conferência de imprensa e censurar o timing e a natureza do próprio comunicado. “Decidir fazer esta intervenção quando li o comunicado, que acho que é um atentado à inteligência humana e, sobretudo, àqueles que, como eu, andam no futebol”, começou por dizer, no Estádio de Alvalade.

https://www.youtube.com/watch?v=5E2eYmZv0-Y

O presidente dos leões deu a entender ainda que o Benfica escolheu o timing para a publicação da notícia das buscas. “Um timing brilhante”, definiu, explicando que evitara assim os programas polémicos de desporto dos canais por cabo e ainda chocar com o foco na Liga dos Campeões, que se joga esta noite e amanhã.

Bruno de Carvalho explicou depois a sequência de eventos que levaram às buscas. “O clube [Benfica] fez queixa contra mim à federação. A federação mandou para a liga. Perderam. Fizeram recurso para o Conselho de Disciplina, fizeram recurso para Conselho de Justiça. Perderam. E agora têm recurso no TAD [Tribunal Arbitral do Desporto]”, disse.

E continuou: “O que fizeram foi fazer uma queixa sobre aquilo que é factual. E toda a gente já percebeu que é factual. (…) Será que este mandato de busca foi o primeiro passo? Foi a resposta a algo? Nada do que está desencadeado partiu do Benfica. Nada do que está a ocorrer parte da boa vontade do Benfica. Espero que se continue a ter a coragem de levar este assunto até às últimas consequências. Continuo a ser daqueles que acha que as coisas até podem nascer tortas, mas que têm poder de terminar bem.”