Acontece este fim de semana a terceira edição do Mercado de Música Independente (MMI), na Garagem EPAL, na Avenida da Liberdade, em Lisboa. Organizado pelo jornalista Rui Miguel Abreu, o encontro reúne 30 expositores com editoras, artistas e organizações relacionadas com o meio independente e, claro – se assim não fosse é que era estranho – também há concertos. A desculpa está dada. Falámos com quatro das muitas editoras que vão estar presentes no MMI para tentar descobrir como vai a edição da música independente em Portugal, por estes dias. A Mano a Mano, a Meifumado, a Discotexas e a Pontiaq são quatro casos de sucesso que, por razões e linguagens distintas, fizeram, ou têm feito, a sua água chegar ao moinho.

Mano a Mano

Se a margem é esta, é normal que estejamos na praia do hip-hop. A Mano a Mano foi criada em 2013 por Daniel Freitas (TNT) e o seu irmão Chikolaev, como resposta ao vazio que uma anterior editora tinha deixado neste clã de rappers almadenses.

A primeira edição foi “Frankie Dilúvio Vol.1”, de Blasph. Ainda que esse fosse um tempo de adivinhação, ou, pelo menos, alguma indefinição. “A Mano a Mano foi criada numa primeira aproximação para editar discos, mas no início estávamos algo confusos quanto ao seu conceito. Primeiramente decidimos chamar-lhe uma plataforma, até porque não tínhamos infraestruturas para ser uma editora convencional. No fundo trabalhávamos ao projeto: tu tinhas um disco, querias editá-lo e nós conseguíamos que o teu disco fosse editado e que ficasse online”, afirma Daniel Freitas.

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Confessa que por serem também uma entidade que explorava a produção, nomeadamente visual, não sabiam ao certo qual o seu lugar. A experiência – e o sucesso, com especial relevo para a edição do último disco de Nerve – fê-los perceber que os nomes são só nomes e o que importa é fazer. E aí é tudo claro como água: a Mano a Mano é uma editora/produtora centrada na linguagem hip-hop, não apenas de Almada.

“Nunca pensámos em ganhar dinheiro com isto, o objetivo nunca foi comercial, o que queríamos era criar uma identidade, uma linha estética e sonora”, confirma TNT – que domingo atua no MMI. Só que neste jogo do meter pão na mesa há que guardar um bocadinho. Mas atenção: os irmãos Freitas não esperam que isto lhes permita não ter que ir buscar rendimento a outro lado. Se o considerassem estariam, provavelmente, a assinar a sua morte. E, sejamos sonhadores e rigorosos, nem é isso que interessa.

“Temos quatro anos de atividade e neste momento não chega para vivermos disto, mas chega para o que importa: tornar os projetos sustentáveis. Criámos um fundo através das vendas dos discos e dos eventos que fomos fazendo para que todo o projeto seja viável, no final se gera lucro ou não já é outra coisa”, explica.

Daniel Freitas, como tantos outros agentes da opinião – se optarem por tê-la – admite que se vivem bons momentos no que à criatividade e inovação diz respeito. Não deixa, no entanto, de exigir melhorias: “O que acho que falta em Portugal, principalmente na área do hip-hop, é subir a fasquia. Já não se justificam certas edições que vejo, beats sacados da net e de mixtapes manhosas… às vezes mais vale um disco feito em casa à mão, do que uma coisa feita em fábrica às três pancadas”. Dito e feito.

Discotexas

Quem não se recorda do gatinhar da Discotexas que atire a primeira pedra. A crew liderada por Moullinex e Xinobi saltou, na altura, para a linha da frente das festas lisboetas. Foi há uns 10 anos, antes de Lisboa virar a capital europeia mais cool. Aí, já o começava a ser.

Tal como uma ideia meio nebulosa que trata de se começar a materializar, a Discotexas, no ínicio, não tinha nome: “Basicamente era um conjunto de pessoas que tinha uma abordagem semelhante à música de dança e que faziam DJ sets de uma forma descontraída e bem-humorada. Ainda que tivesse influências díspares como a eletrónica experimental, o house francês e às vezes o punk e o rock, numa altura em que estes géneros coexistiam muito saudavelmente e isso acho que nos uniu”, conta Luís Clara Gomes, ou Moullinex.

As dúvidas que se dissipem, a Discotexas agitou a paisagem da noite lisboeta. E fê-lo para melhor, ao ponto de terem sido apoiados e reconhecidos internacionalmente por uma quantidade de gente que superava as suas expetativas — “muitos blogues e o myspace foram essenciais”, avisa-nos Moullinex antes de afirmar o lógico:

“Desde o tempo dessas festas até criar uma operação independente de edição discográfica foi um passo natural. A ingenuidade de acharmos que conseguíamos fazer tudo fez com que lutássemos para que as coisas acontecessem”.

Neste mundo é preciso ser digital. Para uma editora independente, ignorar as potencialidades da internet e da era do streaming é, provavelmente, o maior tiro no pé: “A nível digital é essencial chegar a todas as plataformas, a música digitalmente é consumida de inúmeras formas e se tivéssemos que lidar com cada uma delas individualmente, provavelmente não teríamos estrutura logística para o fazer, a distribuição digital acaba por ser uma parceria muito importante para nós”, explica Moullinex, o mesmo que ainda acrescenta que “a nível filosófico os objetivos nunca mudaram, começámos a Discotexas como um coletivo que nos permitia fazer o que queríamos, para materializar os nossos sonhos”.

moullinex

Luís Clara Gomes, ou Moullinex

A sustentabilidade da Discotexas é relativa – “obviamente se fosse para ter um negócio não tínhamos uma editora” – como é a de qualquer editora independente neste país. A perfeição é uma ilha de difícil acesso, mas Portugal, segundo Moullinex, já esteve mais longe: “Sinto-me a viver uma das melhores eras da música portuguesa, pelo menos que tenha experienciado. Gosto de pensar que se está tão bem assim sem apoios governamentais ou de outras instituições como existem por exemplo na Escandinávia e noutros países, imagina como estaria com investimentos desse género. Julgo que a cultura é um bem exportável e traz uma atenção diferente, por exemplo, de aquilo que o turismo dá enquanto mais-valia de um país. Em termos criativos Portugal está a viver um excelente momento e não falo apenas na música. Acho que devia existir uma maior sensibilidade dos agentes culturais no sentido de conseguir entender que promover a cultura vai criar uma imagem melhor do que provavelmente um produtor de cortiça”.

Meifumado

A Meifumado é mais um daqueles casos em que a desilusão faz o monge: “Estávamos com projetos mas não sabíamos bem onde editar, não nos identificávamos assim com nenhuma editora, então decidimos fazer a nossa”, diz-nos Paulo Zé Pimenta ou PZ, artisticamente falando. Ele que fundou a editora em 2004 com o irmão Zé Nando Pimenta, Sérgio Freitas e Duarte Araújo, para dar selo a uma série de bandas que estavam a criar à época como Type (Zé Nando Pimenta), Pplectro (Paulo Zé Pimenta) e ainda os Zany Dislexic Band, uma banda de improviso que reunia todos os fundadores da Meifumado.

Consultar o “Sobre Nós” no site da Meifumado é embater de chapão naquilo que é a sua linguagem e postura descontraída: “A Meifumado continua a cagar na precaução… com o mesmo utópico objetivo: a criação e edição e boa música (conceito original, não?)”. E sempre assim se assumiram.

Com o tempo foram surgindo edições de discos dos Mind da Gap, do próprio PZ, de Expeão (Dealema), entre tantos outros. Não se ache, contudo, que a Meifumado tem preferência assumida por algum género.

“A coisa que nos une são projetos fora do baralho, um bocado alternativos, até inclassificáveis às vezes. É claro que temos discos de género, mas mesmo esses têm uma característica qualquer diferenciadora. Pode haver quase um paralelo com a Matador Records, edita vários géneros mas tem aquele lado fora da norma, gostamos basicamente de experiências musicais que façam pensar as pessoas. E também não é o diferente por diferente, tem que ter qualidade, tem que significar alguma coisa para nós”, explica PZ.

Esta editora portuense situa-se no mercado com experiência. Aquela que só se ganha com passos pequenos e dias sem sol, algo que reconhecem ter chegado ao fim. “Foram surgindo cada vez mais editoras, a MeiFumado formou-se há 12 anos… nessa altura não era fácil ser-se independente. Atualmente muita da música que as pessoas ouvem é feita por editoras independentes e isso é uma demonstração de força”.

Só que a Meifumado não é diferente em tudo, pelo contrário, no que à arte de fazer dinheiro diz respeito a sua aposta mais forte é no online: “O dia-a-dia é sustentado pelas vendas físicas e online, diz-se muito mal do Spotify e da Apple Music mas pelos menos as editoras e os artistas ainda veem qualquer coisa”, conclui PZ. Diga-se ainda que a Meifumado tem uma série de atividades paralelas como a produção e o agenciamento das suas bandas. “Não somos uma coisa estanque, acho que hoje em dia nenhuma editora o é.”

Por fim, esclareça-se algo essencial, é que o nome “nada tem que ver com o consumo de substâncias ilícitas”, avisa PZ. O nome é tirado de uma manga japonesa onde a personagem principal percorre o caminho da Meifumado, que na religião budista é visto como um purgatório ou inferno.

Pontiaq

Há as editoras transversais e depois existem as especializadas, as que fazem da sua estética específica um trunfo. A Pontiaq nasceu em 2012 por Miguel Vilhena (Savanna) e Miguel Coelho. “Tinham dois intuitos principais. O primeiro era editar o primeiro EP de Savanna; e porque o Miguel Coelho trabalhava na Amplificasom recebia sempre propostas para concertos interessantes… começaram no Porto a criar alguns eventos”, diz-nos Vasco Cabeçadas, membro que viria a recuperar a vida da Pontiaq.

É que, entretanto, Miguel Coelho emigrou e a Pontiaq ficou em banho-maria. “No final de 2014 estava a trabalhar como roadie num concerto do Moullinex e fui desafiar o Miguel Vilhena a recuperar a energia da Pontiaq… foi aí que entrei para puxar um bocado pela ideia”, explica. A Pontiaq está, como nunca, de volta ao ativo e conta no seu catálogo com bandas como Marvel Lima, Pista, Basset Hounds, Juba ou Ditch Days.

“Sem dúvida, temos uma estética bastante própria, se me chegar um projeto de jazz, por muito interessante que ache, não vai colar bem com o resto do catálogo da editora. Sempre nos interessámos por essa linguagem indie, psicadelismo, folk-rock, foi, no fundo, pegar a partir daí. O objetivo é fazer uma montra de música nacional dentro de aquilo que achamos que dá para arrumar na nossa casa”, afirma.

Como noutros, casos a Pontiaq é mais uma editora que não se pode contentar com a venda de discos físicos ou online. Há que explorar o merchandise – ou mesmo as festas/concertos, como aquela que vão fazer dia 2 de dezembro no Estúdio Time Out – até porque “atualmente acho que uma edição física não passa de uma espécie de merchandise, como T-shirts e bonés, para colecionador. É sempre difícil pagar as contas todas mas é devagarinho…”.

pista

Os Pista

Quanto à célebre vontade de tartaruga, “devagar-se-vai-ao-longe”, é, para Vasco Cabeçadas, difícil de acreditar. “Sim, já estivemos pior e o digital continua a ser importantíssimo, quanto maior for o catálogo de uma editora mais vais receber. O grande problema em Portugal é a falta de apoio nestas novas bandas… os Marvel Lima, fazem o concerto de apresentação do disco no Musicbox e até corre bem, depois podes ter um ou outro festival que se baseia na música portuguesa. Mas nos grandes não os vês… ou quando vão são chutados para o coreto.”