O polaco Zygmunt Bauman, um dos mais importantes e reconhecidos sociólogos e pensadores contemporâneos, morreu esta segunda-feira em Leeds, Inglaterra, onde vivia. Tinha 91 anos.
O consumo e a sociedade globalizada, o Holocausto e o Homem enquanto ser social líquido (aquilo a que chamou “fluidez de identidade”) foram alguns dos temas sobre os quais mais vezes se debruçou. Este último levou-o a estudar a atual realidade do Trabalho, dando atenção à precariedade e àquilo que normalmente é entendido como “felicidade”, questionado-a constantemente.
Renowned Polish sociologist Zygmunt Bauman dies at the age of 91. In 2016, he reflected on why we think about happiness all wrong. pic.twitter.com/2Ym4Nep2Lo
— Al Jazeera English (@AJEnglish) January 9, 2017
A qualidade de vida e como é possível persegui-la no mundo atual era mesmo um dos seus objetos de trabalho. Sobretudo relacionando-a com os oprimidos em diferentes partes do mundo e por distintas questões sociais.
Foi nos anos 90 que deu a conhecer a “modernidade líquida” como a entendia, uma realidade que deriva da fluidez dos tempos, a mesma que nos obriga, segundo Bauman, a perder a relação essencial com raízes e alicerces fundamentais. As ligações que estabelecemos “devem ser fracas”, escreveu, para que delas nos possamos separar assim que possível. Tudo isto pode resultar numa crescente “insegurança”.
Estabelecendo uma ligação com este pensamento que Bauman tornou fundamental nas investigação social, a mulher do sociólogo, Aleksandra Jasinska-Kania, usou a expressão “eternidade líquida” quando se referiu à morte do marido. Antes, fora casado com a escritora Janina Lewinson durante 62 anos. Tiveram três filhas (Lewinson morreu em 2009).
Bauman nasceu na Polónia em 1925, no seio de uma família judaica. O anti semitismo de que foi alvo — que influenciou também as condições económicas e de trabalho com que lidava — acabou por influenciar não só as suas reflexões mas também as suas opções políticas. Com a Segunda Guerra Mundial, foge para a União Soviética e integra o grupo militar formado por polacos apoiado por Estaline. Aliás, a sua ligação ao regime soviético fez com que fosse acusado em diferentes ocasiões de ter colaborado com grupos que faziam uso do terror e da força para impor o comunismo. Bauman confirmou ter feito de parte de tais grupos mas afirmando sempre que nada mais fez do que trabalho administrativo.
[a memória do antigo líder trabalhista inglês, Ed Miliband:]
Zygmunt Bauman was a man of extraordinary intellect and deep compassion who believed in humanity. Sincerest condolences to his family.
— Ed Miliband (@Ed_Miliband) January 9, 2017
Fez carreira militar e integrou o Partido dos Trabalhadores Polacos, já de volta a Varsóvia. Seria expulso da vida política, depois da Guerra dos Seis Dias, e viu-se forçado a deixar a Polónia durante a década de 50. Estudou Sociologia e Filosofia, deu aulas em Israel (apesar das contradições que apontava ao regime de Telavive) e acabou por se fixar em Leeds, também como professor.
Manteve-se ilustre académico até à década de 90 do século passado e mesmo depois de ter dado a última aula continuou o seu trabalho, publicando livros e espalhando as suas teorias relativas ao “ser líquido” e à busca da felicidade.
Um dos títulos mais populares e mediáticos de Zygmunt Bauman será Modernidade e Holocausto, em que o sociólogo desenvolve a teoria de que não foi o Holocausto a gerar o caos entre a humanidade, antes surgiu desse mesmo caos, numa espécie de caminho inevitável até à tragédia. Em Portugal, muitos dos seus títulos foram publicados pela Relógio D’Água.
Numa das suas últimas entrevistas, já com 90 anos (ao jornal espanhol El Pais), Bauman elevava as críticas ao regime democrático como um todo: “Podemos descrever o que se está a passar neste momento como uma crise da democracia”, disse. “É o colapso da confiança: acreditar que os nossos líderes não são apenas corruptos ou estúpidos, são inaptos.”