Esta é a típica história da menina prodígio que chegou ao patamar mais alto do desporto pouco depois da adolescência. Esta é a típica história da tenista que começou a jogar quando praticamente ainda tem o tamanho da raquete (neste caso, com dois irmãos mais velhos que também estavam no ténis). Esta é a típica história da miúda que saltou para a ribalta aos 17 anos após derrotar na final de Roland Garros a consagrada Steffi Graf e que, pouco depois, estava no topo do ranking mundial. Esta é a típica história de uma guerreira dentro de court que ganhou mais três Grand Slams individuais e seis em pares, entre 98 títulos. Esta é a típica história da atleta espanhola com mais medalhas em Jogos Olímpicos (quatro). A partir daqui, esta história tem pouco de típica. Depois da ascensão veio a queda para Arantxa Sánchez Vicario.

Em novembro de 2002, a catalã que arrecadou quase 17 milhões de dólares em prize money (num total de cerca de 60 milhões que terá conseguido ao longo da carreira com patrocínios) retirou-se. Como muitos outras tenistas, ainda teve um esporádico regresso para entrar na competição de pares dos Jogos Olímpicos de 2004, em Atenas, mas já não era a mesma coisa. A partir daí, ia aparecendo esporadicamente em eventos sobretudo desportivos e pouco mais. Foi mais ou menos nessa altura que começou a ter os primeiros problemas: após ter sido condenada por fraude fiscal pelo Tribunal Económico Administrativo da Catalunha em 2001, perdeu o recurso em 2003 e viu o Supremo Tribunal confirmar a pena em 2009, sendo obrigada a pagar 3,5 milhões de euros pelo crime de fraude fiscal entre 1989 e 1993.

Arantxa Sánchez Vicario brilhou na terra batida de Roland Garros, onde conquistou três títulos (Gary M. Prior/Getty Images)

Arantxa, que entretanto casara com José Santacana Blanch (antes foi casada com Joan Vehils, jornalista que dirigiu o jornal Sport durante dez anos até 2016, mas o casal anunciou a separação um ano depois), fixara residência em Andorra e atravessava um período complicado da vida. Começou a falar-se inclusive de problemas financeiros. Os mesmos que foram abordados pela própria, na autobiografia “Arantxa, vamos! Memórias de uma luta, uma vida de uma mulher”, que saiu em fevereiro de 2012. Mas com uma nuance: a jogadora acusava os pais de terem ficado com todo o dinheiro que ganhou.

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“Chegou a hora de tirarmos as máscaras e mostrar que o mito de uma família Sánchez Vicario unida e feliz era isso: um mito. O meu pai tinha plenos poderes para decidir e gerir os recursos, administrou a totalidade dos meus ganhos. Todos os meses dava-me uma quantia e nunca me preocupei em perguntar-lhe nada, pois tinha bastante trabalho em treinar, viajar e jogar. Nunca duvidei do meu pai. Pouco ou nada contavam comigo. Era jogar, ganhar e calar (…) Os meus pais deixaram-me sem nada. Devo aceitar este abuso e ficar calada? Não farei isso”, escreveu no polémico livro que fez correr muita tinta em Espanha.

Antiga tenista espanhola não evitou as lágrimas durante a apresentação da autobiografia, em 2012 (LLUIS GENE/AFP/Getty Images)

A tenista avançou com um processo contra os pais (em 2015, desistiu da queixa), que não queriam acreditar no teor do livro e admitiam que tinham feito “um mau trabalho” com a filha, desmentindo ainda outras acusações como o facto de se terem mudado para casa de Arantxa e de tentarem estragar o casamento com Santacana. E a verdade é que, poucos meses depois, começaram a sair reportagens que desmentiam a jogadora. Exemplo? Tinha mesmo várias propriedades em seu nome antes de contrair o segundo matrimónio, além de contas bancárias na Suíça e em Andorra.

No meio da polémica, Arantxa voltou a mudar-se, desta vez para Miami, nos Estados Unidos (teve também um curto período como treinadora, primeiro da seleção e mais tarde de Wozniacki). Os fundos iam desaparecendo e teve de vender as duas vivendas em Formentera e Barcelona e até o iate (aqueles bens que dizia não ter…), com escreveu o La Vanguardia. Em 2016, o pai morreu após uma luta de três anos contra um cancro e o Alzheimer. Apesar de tudo, ainda quis fazer uma última despedida mas a relação com a restante família tinha mesmo chega a um extremo: foi expulsa do velório, um dos irmãos pegou-se com o marido e a mãe, María Luisa Vicario, desmaiou e teve de receber tratamento médico.

Arantxa entre Lindsay Davenport e Mary Pierce, numa das últimas aparições públicas em setembro (Julian Finney/Getty Images for WTA)

Agora, Arantxa Sánchez Vicario volta a ser notícia pelas piores razões: como começou por avançar uma coluna de opinião do El Mundo (e rapidamente foi confirmado por muitos outros meios), Santacana, que saíra de casa para viver num outro apartamento também em Miami há cerca de dois anos, como escreveu o El Confidencial, deu entrada com o processo de divórcio, terá ficado com a fortuna de ambos (até alguns troféus do WTA que ganhou quando estava no ativo) e pediu a custódia dos dois filhos de ambos, Arantxa e Leo, alegando que a ex-tenista não estava em condições psicológicas para ficar com a guarda das crianças.

Em paralelo, e num processo conjunto com o ainda marido, Arantxa, que trabalha agora como diretora desportiva de uma escola de ténis além de fazer comentários em canais latinos nos Estados Unidos, o Banco do Luxemburgo pediu a um tribunal de Barcelona que prendesse preventivamente o casal caso não fosse desbloqueada uma fiança de dez milhões de euros, por forma a acautelar uma dívida de 7,5 milhões que tem com a entidade, como conta o El Español. O drama da antiga jogadora continua a ser muito falado em Espanha, fazendo capa da edição da Hola! que sairá esta quinta-feira para as bancas.