“Os alunos que hoje estão no secundário terão, em média, onze ocupações diferentes ao longo da vida, diz-nos um estudo da União Europeia.” Pedro Cunha, responsável pelo novo projeto da Fundação Calouste Gulbenkian, as Academias do Conhecimento, usa este exemplo para ilustrar como o futuro dos jovens é imprevisível, de uma forma que nunca antes foi. Como é que se prepara os jovens para lidar com a incerteza? O primeiro passo é educar os estudantes para o seu futuro e não para o nosso passado, argumenta, e isso passa, por exemplo, por ensinar-lhes a ler o que está no Google ou na Wikipedia.
“Há uns anos, isto era impensável, ter 11 ocupações ao longo da vida. Os adultos de hoje foram preparados para ter uma única carreira. E tudo era previsível: as relações duravam a vida toda, os empregos duravam a vida toda, as casas eram para a vida toda, os carros duravam meia vida. Isto desapareceu. Nesta incerteza, a única certeza que temos é que a mudança é constante”, ressalva Pedro Cunha.
Educar para o futuro dos jovens passa por ensinar-lhes coisas que há uns anos não eram simplesmente necessárias. “É preciso aprender a ler o que está na Wikipedia e no Google, por exemplo. No momento da pós-verdade e das fake news é preciso ser-se capaz de olhar de forma crítica para o excesso de informação que nos chega, aprender a distinguir o que é informação do que não é”, diz Pedro Cunha, que acredita que se chega lá ensinando os jovens a ter pensamento crítico.
Os dados que vai citar a seguir são reveladores do que está para chegar. Quatro em cada cinco crianças que agora entraram na escola terão empregos que ainda não existem, segundo o Banco Mundial; metade de todos os empregos que existem atualmente estão em risco de ser tomados pela automação e pelos robots, revela a OCDE; no futuro, 40% das competências-chave serão diferentes das de hoje, diz o Fórum Económico Mundial; e em Portugal, segundo o Fórum para a Competitividade, 10% a 15% dos empregos na indústria vão desaparecer no espaço de 10 anos.
“A grande questão é como é que vamos preparar esta geração de crianças e jovens para uma realidade que nós não fazemos a menor ideia de qual é. Temos de educá-los para o seu futuro e não para o nosso passado”, defende Pedro Cunha, sublinhando que já há algumas pistas sobre as qualidades que os humanos precisarão de ter no futuro para se distinguirem no mercado de trabalho.
Quando forem adultas, as crianças de hoje precisarão de ter pensamento criativo e crítico, resiliência, terão de ser capazes de resolver problemas complexos, de ser boas a comunicar e a adaptar-se e, claro, a autoregularem-se. São estas as seis qualidades-chaves identificadas pela Gulbenkian, que não são mais do que competências sociais e emocionais, e que estão na génese do projeto Academias de Conhecimento.
“Este tipo de competências que serão valorizadas no futuro — que já não é assim tão longínquo — não são propriamente ensináveis em contexto escolar, são-no em todos os contextos de vida das crianças. E estas qualidades são fundamentais para sermos capazes de gerir a incerteza”, ressalva Pedro Cunha.
Mas se parece mais ou menos evidente que métodos se podem seguir para ensinar a resolver problemas, o caminho deixa de ser tão claro quando pensamos em ensinar criatividade ou resiliência a uma criança. Mas é possível, garante o diretor-adjunto do programa Gulbenkian Conhecimento, que tutela as academias.
“A criatividade não tem de nascer connosco, pode ser ensinada. Fomos educados na crença, que não tem qualquer suporte científico, de que para algumas coisas na vida ou temos jeito ou não temos. Mas a ciência mostra de forma categórica, sem nenhuma dúvida, que não são características inatas, são apreendidas, não são imutáveis. Se hoje não tenho o pensamento criativo muito desenvolvido, existem ferramentas para estimulá-lo. Pode-se aprender em qualquer momento da vida, crianças, jovens e até adultos”, diz Pedro Cunha.
E esta, diz, é uma boa notícia, a par de uma outra. A inteligência ou o estatuto sócio-económico em que se nasce tem menor peso no nosso futuro sucesso do que estas seis qualidades emocionais.
“Se perante o falhanço, frusto, desisto, esta é uma característica que me vai comprometer muitas oportunidades. Mas posso treiná-la e isso é uma boa notícia. E hoje sabemos que estas competências transversais são poderosas e podem eliminar o efeito negativo de outras. Não é uma fatalidade ter-se um estatuto sócio-económico baixo, ou um quociente de inteligência médio. Existem muitas oportunidades para agarrar. Uma delas é sermos especialistas nos talentos que nos tornam humanos”, argumenta.
Mais humanos do que as máquinas
Pedro Cunha defende que temos de celebrar a escola que temos tido nos últimos anos, um ensino pensado para educar massas, e que permitiu em pouco tempo escolarizar uma parte importante do país. Portugal é um case study, diz, já que rapidamente qualificou gerações inteiras e reduziu o abandono escolar precoce de 50% nos anos 1990 para 13%, a maior queda de sempre na União Europeia. Mas isso já não chega.
“Quanto mais avançamos, mais difícil é educar todos como se fossem um só. Esta era uma máxima do tempo do Marquês de Pombal e que já não nos serve”, defende. A aposta agora terá de ser num ensino mais individualizado, que passa também pela flexibilização curricular já em curso. Acima de tudo, acredita que é preciso apostar na humanidade.
“Nós queremos que este jovens sejam os agentes da mudança e não as vítimas. Para isso, é preciso um investimento na humanidade. Aquilo que uma máquina nunca conseguirá fazer é produzir um juízo de moral. No final do dia, será sempre o homem que decidirá para onde vai a máquina, e até onde vai. A escola é fundamental, mas não basta.”
Por isso mesmo, defende que a melhor aposta tecnológica que podemos fazer é no ser humano, “a melhor da tecnologias, a mais única, a que está por detrás” da criação das máquinas. “Há algum deslumbre com esta revolução tecnológica, mas atrás dela está o ser humano que criou a máquinas. E apesar de não sabermos quais serão os empregos do futuro, sabemos que há competências que eram importantes no passado, são-no agora, e serão daqui a 1000 anos. São as que nos tornam únicos e relevantes. Eu serei tão mais relevante quanto mais diferente for da máquina que compete comigo”, argumenta.
E é assim, com este diagnóstico feito, que a Gulbenkian chega às Academias do Conhecimento com que, em 5 anos, pretende chegar a 10 mil crianças e jovens. Para já, a fundação tem um bolo de 2,5 milhões de euros para apoiar 100 organizações da sociedade civil, existindo um tecto de 30 mil euros por projeto, correspondendo a 60% do valor da candidatura. E porque em apenas dois dias já receberam dezenas de candidaturas, não está posta de lado a hipótese de apoiar um número maior de organizações do que aquele que inicialmente tinham previsto.
No final, quando a rede de Academias do Conhecimento estiver montada, a Gulbenkian pretende identificar os campeões destes talentos, ou seja, os jovens que mais desenvolveram as ditas competências transversais. “À semelhança do que acontece nas Olímpiadas de Matemática ou de Física, queremos destacar os 25 under 25, os melhores com menos de 25 anos, nestas seis competências. Em 2020, faremos um bootcamp e os vencedores terão acesso a uma outra fase deste projeto a que chamamos Contextos Avançados de Aprendizagem, que são bolsas para talentos, customizados à medida dos alunos”, explica Pedro Cunha.
Na prática, explica, se um dos vencedores for um jovem que pretende fazer a sua formação no MIT, a fundação apoiará financeiramente esse caminho. Se for um jovem de 12 anos que se distinguiu na comunicação, a Gulbenkian também irá encontrar formas de apoiar o estudante a seguir esse caminho. “Queremos encontrar modelos de aprendizagem que inspiram talentos e dar mais oportunidades ao jovens para se realizarem, queremos que eles vão até ao limite do seu potencial.”
Como vai funcionar o concurso?
Na primeira fase, pede-se apenas um rascunho muito genérico porque a Gulbenkian não quer perder boas ideias por causa da burocracia. Se o projeto for, de facto, bom, então a fundação oferece consultoria a essa organização para que ela seja capaz de apresentar uma candidatura com o nível de exigência e rigor a que a Gulbenkian está obrigada. Isto, explica Pedro Cunha, porque querem chegar a todas as organizações do país, por mais pequenas que sejam.
No ato da candidatura, as organizações têm duas possibilidades: ou escolhem uma das quatro metodologias já identificadas pela fundação e que comprovadamente levam à aquisição daquelas seis competências ou escolhem aquilo a que Pedro Cunha chama de metodologias experimentais.
No primeiro caso, a Gulbenkian financia a atividade e presta toda a informação e mentoria necessária. “Por exemplo, a Universidade de Coimbra trouxe para Portugal um projeto norte-americano chamado The Incredible Years, que trabalha com crianças a partir de 3 anos. Quem escolher esta metodologia, durante os 2 a 3 anos que durar a academia, terá a garantia de que será formado, acompanhado e avaliado pela Universidade de Coimbra.”
Caso se escolha uma metodologia experimental, a fundação irá procurar parceiros que façam exatamente o mesmo que no caso anterior. No final, seja qual for o caminho seguido, e porque a avaliação acontece antes, durante e depois, será possível medir o alcance da academia e saber em que medida as crianças e jovens desenvolveram aquela competência.
“Vai ser possível saber exatamente o que aconteceu. O professor de uma academia de música que até àquele momento intuia que ensinava mais aos seus alunos do que apenas música, saberá exatamente em que é que os seus alunos melhoraram”, explica Pedro Cunha, acrescentando que se as academias funcionarem e fizerem o seu papel, poderão continuar a funcionar para lá do prazo previsto inicialmente.
“No final, em vez das quatro metodologias, teremos dezenas delas, testadas e comprovadas, made in Portugal. Esse é um outro produto que vamos deixar para a sociedade portuguesa. Depois, outros poderão replicar o que ali está. Estamos a pensar em grande escala e no efeito bola de neve: começamos com um pequeno investimento, mas se outros se interessarem será possível criar um movimento nacional de produção de competências.”
Para além disso, Pedro Cunha acredita que assim se dignifica as organizações da sociedade civil, trazendo rigor científico àquilo que já fazem, e permitindo a este setor subir para um novo patamar onde, entre outros fatores, será mais fácil terem acesso ao financiamento e aos recursos que precisam para desenvolverem os seus projetos.
A iniciativa que se segue: formação de adultos
Mais perto do final do ano, em outubro, a Fundação Gulbenkian irá lançar um outro programa, este com o objetivo de formar adultos dos 25 anos até aos 125, como diz Pedro Cunha, significando que nas Oficinas do Conhecimento não haverá limite de idade. O porquê é simples: “As pessoas que hoje estão no mercado de trabalho, se não tornarem mais robustas algumas destas competências, serão os desempregados do futuro.”
Por isso mesmo, Pedro Cunha defende estar na hora da sociedade civil e dos empregadores olharem para a forma como se previne o desemprego, em vez de se limitarem a olhar para os valores das taxas de emprego. “Temos de prevenir o futuro, caso contrário ficaremos obsoletos no mercado de trabalho muito rapidamente. Quem tem hoje 45 anos e baixas qualificações ainda tem uma carreira longa pela frente, de 25 a 30 anos. E nós precisamos de chegar a estas pessoas, porque são as que estão em maior risco de ser ultrapassadas pelas máquinas”, sublinha Pedro Cunha.