A Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC) e a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) pediram explicações à Unidade Local de Saúde de Castelo Branco (ULSCB) sobre uma denúncia relacionada com nomeações alegadamente ilegais de funcionários para cargos de chefe de divisão. Ambas as entidades estão agora a analisar a resposta dada a esses pedidos.

De acordo com a denúncia, a que o Observador teve acesso, estas nomeações foram feitas sem se proceder previamente a um concurso, como prevê a lei, à semelhança do que aconteceu no Hospital de Évora e que o Tribunal de Contas condenou, num relatório tornado público esta semana.

A queixa foi enviada para várias instituições, nomeadamente o Ministério da Saúde, o Ministério das Finanças, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), a ARS do Centro e até para o gabinete do primeiro-ministro.

Ao Observador, a ARS do Centro confirma que recebeu uma denúncia sobre essa situação e diz que pediu esclarecimentos à Unidade de Saúde de Castelo Branco, estando atualmente a analisar a informação que recebeu em resposta. “A ARSC teve conhecimento da denúncia, tendo, na altura, solicitado esclarecimentos à ULS de Castelo Branco, EPE. Neste momento, a ARSC procede à análise da informação entretanto prestada pela ULS“.

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Também a IGAS adiantou ao Observador estar a analisar os esclarecimentos prestados pela Unidade Local de Saúde, tendo tido conhecimento da denúncia no passado dia 25 de setembro. “A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde teve conhecimento da referida denúncia no dia 25 de Setembro, tendo sido solicitado esclarecimentos à ULS Castelo Branco. Presentemente, a IGAS está a analisar a informação entretanto prestada pela ULS.”

Nomeações foram suspensas em 2018

Toda esta situação começou há um ano. Segundo a denúncia, que data de 20 de setembro de 2019, “diversos elementos de serviços de apoio geral administrativo” foram nomeados pelo Conselho de Administração (CA) da Unidade de Saúde de Castelo Branco, em outubro de 2018 — “com efeito retroativos” a junho do mesmo ano —, para “o cargo de direção intermédia de 2.º grau”, isto é, chefes de divisão.

Ao que o Observador apurou junto de uma fonte da USL, todo este processo das nomeações começou “com a necessidade de ocupar um lugar vago no serviço de recursos humanos”. “A pessoa responsável foi-se embora e foram buscar uma pessoa fora do hospital em regime de cedência de interesse público”. A esse funcionário ter-lhe-ão “prometido um cargo de direção intermédia”. “Na sequência dessa nomeação, por arrastamento, outras pessoas foram nomeadas”, acrescentou a mesma fonte.

Algumas destas pessoas nomeadas já exerciam “cargos enquanto responsáveis, há muitos anos, ainda que de forma informal”, como era o caso de um dos funcionários que foi para o cargo de financeiro, um outro que foi “para a área de compras e logísticas” e de um “médico que foi para a área de formação e ensino”. Houve, contudo, uma pessoa que foi nomeada para o “serviço de instalações e equipamentos”, mas que “não terá aceitado” a nomeação.

“Um dos responsáveis pelo serviço financeiro já estava há muitos anos a desempenhar esta função como responsável do serviço financeiro e foi nomeado sem concurso como chefe de divisão”, adiantou ao Observador fonte da USL de Castelo Branco. “Estas pessoas foram nomeadas para os mesmos gabinetes, sem que tivesse havido reorganização dos serviços. Estão a fazer as mesmas coisas que fizeram durante toda a vida.”

De acordo com a denúncia, estas nomeações ocorreram “sem qualquer procedimento concursal prévio” e sem cumprir a legislação, lê-se no documento.

“Nomearam quem quiseram, como quiseram”, acrescentou fonte do USL.

Estas nomeações acabaram por ser suspensas, incluindo os vencimentos, “perante reclamação e denúncia da ilegalidade perante do CA [Conselho de Administração]” — acreditam os signatários da denúncia, uma vez que não houve justificação superior para tal —, mas sem que se verificasse “qualquer decisão deste órgão para reposição das verbas entretanto indevidamente recebidas”, refere a denúncia. Fonte da USL acrescentou que os nomeados ainda exerceram durante cerca de dois ou três meses em 2018.

Um ano depois , o CA voltou a nomear esses funcionários para os mesmos cargos — a mesma fonte adiantou que estas nomeações foram feitas em julho deste ano —, mais uma vez sem concurso prévio. “As nomeações são de novo efetivadas sem a existência de qualquer procedimento concursal prévio e ao abrigo da absoluta e total arbitrariedade, sem fundamentação, sem publicidade e sem critério ou aplicação de requisitos”.

A denúncia refere ainda que foi pedido ao CA que mostrasse “qualquer documento de instância superior de Tutela, que justifique e autorize a sua atuação ou que a enquadre na legalidade de procedimento”, mas isso nunca aconteceu.

De acordo com o mesmo documento, o “argumento verbal” que terá sido usado para justificar as nomeação foi de que estas foram feitas “num modelo de ‘equiparação a cargo e não no cargo'”. Ou seja, os funcionários seriam apenas equiparados a chefes de divisão. Ora, sublinha a queixa, a figurada da equiparação “não existe” na Administração Pública”.

A denúncia fala ainda de uma outra situação: a de um médico “responsável por um serviço de apoio” que foi nomeado chefe de divisão, mas como o seu salário já era superior ao vencimento de um chefe de serviço, optou por ficar com o seu salário original, mas está na mesma a receber “pagamento de despesas de representação” previstas para o cargo de chefe de divisão.

ACSS deu legitimidade a nomeações, diz Unidade Local de Saúde

Questionada pelo Observador, a Unidade Local de Saúde de Castelo Branco justifica as nomeações recorrendo ao  artigo 7 do decreto-lei 18/2017, onde se lê que é da competência do Conselho de Administração “definir políticas referentes a recursos humanos, incluindo as remunerações dos trabalhadores e dos títulos dos cargos de direção e chefia”.

O mesmo acontece, diz a resposta, com o Regulamento Interno da ULS — homologado pela Secretária de Estado da Saúde — que prevê que seja da “competência do Conselho de Administração a nomeação e a definição das remunerações a auferir pelos Responsáveis /Diretores dos serviços enquadrados nas áreas de suporte à gestão e logística, respeitando a legislação em vigor, o que no caso em análise foi feito, uma vez que este Conselho de Administração pauta a sua atuação pelo respeito dos princípios entre outros, da legalidade e da boa administração, bem como das decisões de instâncias superiores”, explica a USL.

Os nomeados, continua a resposta ao Observador, “já vinham exercendo funções de responsabilidade há vários anos“, foram “equiparados, unicamente em termos remuneratórios, ao valor previsto para cargo de direção intermédia de 2º grau”.

A ULS esclareceu ainda que remeteu a questão à Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), após “exposição de um trabalhador e do pedido por parte do Serviço de Auditoria Interna para que o assunto em apreço fosse submetido a parecer superior” — e sublinha que a própria ACSS ao Conselho de Administração, remetendo também para o artigo 7 do decreto-lei 18/2017.

“Nesse conformidade – garantido o respeito pelas normas constantes do respetivo Regulamento Interno e pelo principio da equiparação remuneratória dos cargos de direção e chefia com a estrutura remuneratória definida para o pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado (o que no caso vertente se afigura verificado) – é da exclusiva competência do Conselho de Administração dessa Unidade Local de Saúde a definição da política remuneratória aplicável, bem como a nomeação em comissão de serviço, dos titulares dos referidos cargos”, terá sido a resposta enviada pela entidade à Unidade Local de Saúde de Castelo Branco.

Após esta indicação da ACSS, a USL voltou a retomar os pagamentos “aos responsáveis das áreas de suporte à gestão e logística”, que estavam suspensos desde a exposição.

A questão é que a denúncia não põe em causa a competência da Unidade Local de Saúde para fazer as nomeações, mas sim o facto de estas terem sido feitas sem qualquer concurso prévio, como a lei também prevê. E sobre isso a resposta da ACSS que a Unidade Local de Saúde enviou ao Observador não se pronuncia.

Mais: ao Observador, a ACSS não cita aquele trecho da lei, mas sim a regra que impõe que a contratação seja sujeita aos “princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa-fé e da não discriminação”:

Nos termos do diploma que estabelece os princípios e regras aplicáveis às unidades de saúde que integram o Serviço Nacional de Saúde (SNS) com a natureza de entidade pública empresarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro, os processos de recrutamento devem assentar na adequação dos profissionais às funções a desenvolver e assegurar os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa-fé e da não discriminação (cfr. artigo 28.º, n.º 1). Além disso, nos termos do citado dispositivo legal, os processos de recrutamento estão, igualmente, sujeitos à obrigatoriedade de publicitação, exceto em casos de manifesta urgência devidamente fundamentada pelo órgão máximo de gestão.

A resposta da ACSS não faz, porém, qualquer consideração sobre se isso foi cumprido na Unidade de Saúde de Castelo Branco.

TdC condenou nomeações semelhantes no Hospital de Évora

Olhando para o decreto-lei 18/2017, que “regula o Regime Jurídico e os Estatutos aplicáveis às unidades de saúde do Serviço Nacional de Saúde com a natureza de Entidades Públicas Empresariais, bem como as integradas no Setor Público Administrativo”, apesar do que está no artigo 7, o artigo 28 refere que “os processos de recrutamento devem assentar na adequação dos profissionais às funções a desenvolver e assegurar os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa-fé e da não discriminação, bem como da publicidade, exceto em casos de manifesta urgência devidamente fundamentada.” Ora, a Unidade de Saúde, em momento algum, se refere a uma situação de urgência.

Além disso, no artigo 20 da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro — tal como destaca a denúncia —, lê-se que “os titulares dos cargos de direção intermédia são recrutados, por procedimento concursal (…)”.

Mais: no artigo 47º da Constituição Portuguesa adianta que “todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso“.

A verdade é que, ainda esta semana, o parecer dos juízes do Tribunal de Contas relativamente a nomeações para cargos de dirigentes no Hospital Espírito Santo de Évora também se pode aplicar a esta situação na Unidade Local de Saúde de Castelo Branco.

Tribunal de Contas. Hospital de Évora fez pagamentos ilegais e nomeações à margem das regras

O TdC, relativamente à nomeação de funcionários para chefes de divisão no Hospital de Évora, refere que, apesar de efetivamente caber ao Conselho de Administração nomear para cargos de direção e chefia, isso não invalida que o hospital “enquanto entidade que integra o elenco das pessoas coletivas de estatuto público que fazem parte da administração indireta do Estado”, esteja “sujeito à observação dos princípios válidos para toda a atividade administrativa, como sejam, o da igualdade, da imparcialidade e da participação previstos no CPA [Código do Procedimento Administrativo]”.

A única exceção seria se o hospital tivesse invocado “urgência”, o que não aconteceu. Assim, “o processo de escolha, porque efetivamente não se tratou de uma seleção, afasta-se de uma lógica concorrencial sujeita a regras e critérios previamente definidos e consignados na lei, desvalorizando o processo de seleção, tendo ficado, assim, à livre escolha do órgão de gestão e sujeitos apenas aos critérios de quem os promoveu”.

[Artigo atualizado a 26 de outubro com a resposta da ACSS às perguntas do Observador.]