Na porta mais à esquerda de acesso ao plenário há fila para entrar. No primeiro dia de Parlamento, alguns deputados são conduzidos por alguém que conhece os cantos à casa e mal entram no hemiciclo o queixo levanta-se, em jeito de curiosidade, com uma sala famosa que se conhece da televisão. Mariana Mortágua faz compasso de espera para não ficar na fila e pára para dois dedos de conversa quando aparece um grupo de três novatos indecisos diante da porta do plenário fechada. “Desculpe, como é que se entra?”, pergunta um deles hesitante. “É nesta porta à direita e sempre em frente”, explica a deputada do Bloco de Esquerda.

São duas estreias numa: a entrada no plenário para os deputados e sob o comando inédito de Mortágua, que não é propriamente conhecida por recomendar a alguém que siga “à direita e sempre em frente”. O primeiro dia do novo Parlamento faz-se destes apanhados pelos corredores. Muitas dúvidas sobre onde levam as longas passadeiras vermelhas e as imponentes portas de madeira que se multiplicam em cada parede. São salas, salinhas e salões, um labirinto para os 93 deputados que nesta sexta-feira entraram ali pela primeira vez para exercerem a função. Uma renovação em 40% dos ocupantes das 230 cadeiras parlamentares e três partidos novos (Iniciativa Liberal, Livre e Chega).

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

No salão nobre estão instalados quatro postos para os registos de todos os deputados. Rui Rio começa lá ao fundo (os jornalistas só têm acesso a um canto no lado oposto da sala), para digitalizar os documentos de identificação, para receber o login de acesso ao sistema e as passwords. Também tira a fotografia oficial, segue para toda a burocracia obrigatória para o registo biográfico, no posto 2, e dá um salto até ao posto 4 para tratar do computador portátil a que terá direito e receber informações sobre as deslocações oficiais. Regressa à linha para uma conversa longa com a funcionária que lhe dá conta de tudo o que diz respeito à declaração única do registo de interesses (que será depositada do Tribunal Constitucional), no posto 3 e volta ao 4.

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“Então e aqui? Dão-me um bolo?”, graceja para a funcionária. De facto, é para levar um saco de pano, mas a figura da República estampada não deixa antever que lá dentro siga pastelaria. São publicações parlamentares, a Constituição, o Regimento, um colectânea com legislação relativa ao exercício da função de deputado, as regras internas e brochuras informativas: um mapa com os cantos da casa e até informação sobre o grupo desportivo parlamentar, com aulas de yoga, tai chi, danças latinas, pilates ou até futsal. Rui Rio não abre o saco, recebe, agradece e atira: “Não traz o programa do Governo, não?”. Também não. Esse só depois da tomada de posse do dito, que só acontece no sábado.

Rio de memórias parlamentares e o beijinho de Helena Roseta à filha

Nos corredores há muitos passos hesitantes e também três espécie de deputados: os antigos que circulam sem dramas, os antigos que andam em modo guia de novatos e os estreantes que andam em grupos: por exemplo, deputados das juventudes partidárias andam nesses mesmo círculos. É uma espécie de “recepção ao caloiro”, como comenta para a funcionária do posto 4 uma deputada estreante do PSD. Não é o caso de Jerónimo de Sousa, o único deputado constituinte que está no Parlamento. “Há que desdramatizar. Sou o único constituinte, mas o Presidente da República é constituinte, o presidente da Câmara de Sintra [Basílio Horta] também.

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Embora longo de seguida dramatize qb, nas declarações que faz nos Passos Perdidos: “A Constituinte foi o tempo de plasmar na lei fundamental as conquistas de abril”, algumas delas “destruídas”. A assessora de imprensa do grupo parlamentar comunista nãos e cansa de lhe fazer sinais, João Oliveira já está impaciente na sala do plenário porque a sessão vai começar e nada do líder do PCP. Jerónimo lá encerra as declarações e segue calmamente para o hemiciclo. É doutorado naqueles corredores, ali não se perde.

Nem Helena Roseta, embora esteja de saída do cargo de deputada (esteve na bancada do PS na última legislatura) não deixou de aparecer neste regresso parlamentar, desta vez com um objetivo bem distinto. Foi como mãe. “Fui dar um beijinho à minha filha”, explicou ao Observador. Filipa Roseta foi eleita pelo PSD (foi cabeça de lista por Lisboa) e tinha acabado de sair do salão nobre onde cumpriu toda a volta dos registos — há quem chegue lá e não consiga, porque é preciso o código do Cartão do Cidadão, mas os deputados têm até ao dia 31 para cumprirem esta formalidade.

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Rui Rio também não se perde por ali, é a quarta vez que é deputado e quando passa pelos corredores vai confirmando que pouco mudou por ali. Pergunta a Fernando Negrão quando atravessa o corredor até à sala do senado para a reunião da sua bancada: “Aqui era o PCP, não era?”. O deputado responde-lhe: “Era e é”. O grupo parlamentar comunista continua a ocupar o mesmo espaço nos gabinetes.

O tetris humano na bancada mais à direita logo nos primeiros minutos

A comissão eventual de verificação de mandatos é o primeiro passo dado pelo plenário, no dia da tomada de posse. Serve para apreciar a “regularidade formal dos mandatos”, de acordo com o regimento da Assembleia da República. Só depois disso fica formalmente constituído o novo conjunto de 230 deputados que foram eleitos. Formalidades que não evitam que a chegada àquela sala se faça entre abraços informais, entre os regressados, e registos fotgráficos curiosos de quem chega de novo. Há selfies e tudo o que um primeiro dia dá direito.

A primeira reunião do plenário é curta. Catarina Martins entrou a liderar o grupo dos deputados do Bloco de Esquerda, que fizeram questão de entrar todos ao mesmo tempo. Lá dentro, os deputados distribuíam-se pelas cadeiras para ouvir a primeira intervenção do dia. Ana Catarina Mendes (líder parlamentar do PS entretanto eleita) levantou-se para as boas vindas, explicando que estava em representação da força parlamentar mais votada nas eleições. Indicou o seu escolhido para conduzir os trabalhos da comissão eventual: Ferro Rodrigues, “que é presidente da Assembleia da República”. Da anterior, a que cessa agora funções. E será também da próxima, com  eleição marcada para as três da tarde.

Vai encontrar um Parlamento bem diferente do que conduziu na última legislatura e já percebeu a delicadeza da missão. Há duas semanas ouviu as preocupações do CDS sobre o “enclave” Chega que tem na sua bancada. Ferro ainda ponderou obras, mas isso foi posto de parte. Nem assim o problema parece estar resolvido. Foi, aliás, a primeira bola a sair do saco no início da sessão. André Ventura chegou atrasado e quando se dirigiu ao seu lugar, o mais à direita da segunda fila, já estavam lá sentados todos os deputados que a compõem: um do PSD, outro da Iniciativa Liberal e três do CDS.

E fez-se tetris humano ali mesmo. André Ventura não conseguia passar para o seu lugar e a deputada centrista Ana Rita Bessa teve de levantar-se e depois voltar a entrar por um espaço apertado.

Ventura, que tinha acusado o CDS de estar a fazer um caso e de estar, na verdade, incomodado com a sua presença ali ao lado, foi forçado a reconhecer o desconforto. “Afinal vocês tinham razão”, disse aos deputados centristas que começaram a esbracejar como quem ganha uma argumento. Outros virão.