“O Caminho de Volta”

A história é sobejamente conhecida e já foi filmada muitas vezes. Um homem devastado por uma tragédia pessoal deixa-se ir, entrega-se à bebida, aliena família e amigos e negligencia uma qualidade especial que tem. Em “O Caminho de Volta”, de Gavin O’Connor, esse homem é Jack Cunningham (Ben Affleck), um grande jogador de basquetebol no liceu que deixou passar a oportunidade de ir para a universidade com uma bolsa desportiva, e mais tarde viu a família desfeita com a morte do filho com cancro. Quando já está quase a bater no fundo, Jack vê surgir uma segunda oportunidade, sob a forma de uma oferta para treinar a ineficaz equipa de basket do liceu católico que frequentou e onde foi uma estrela. O que eleva “O Caminho de Volta” da rotina destas histórias de redenção pessoal através da entrega a outros é, por um lado, a parcimónia emocional e a comedida euforia “inspiradora” com que é contada (por vezes ameaçadas por uma banda sonora demasiado intrometida); e pelo outro, a interpretação económica, lacónica, da escola “eastwoodiana”, de Affleck, uma das melhores da sua carreira, a que se junta um final apenas cautelosamente otimista.

“Family Romance, LLC”

Entre o caminho mais fácil e o mais inesperado, Werner Herzog costuma escolher o segundo. Foi o que voltou a fazer neste filme rodado no Japão. Ao invés de fazer um simples documentário sobre uma empresa peculiar, a Family Romance, LLC do título, que se dedica a alugar atores para substituírem pessoas em situações sociais, profissionais ou eventos familiares (exemplo: num casamento, o pai alcoólico que pode causar um embaraço no copo de água fica em casa, e um empregado da Family Romance, LLC, toma o seu lugar na boda), Herzog pegou no próprio diretor da empresa, Ishii Yuchi, e fê-lo interpretar uma série de situações exemplificativas dos serviços que presta. “Family Romance, LLC” seria apenas um documentário da vertente “os japoneses, esses excêntricos, se o filme não incluísse uma linha ficcional em que Yuchi é contratado para passar pelo pai de uma adolescente, filha de mãe solteira, que nunca o conheceu. Além de trazer densidade dramática e bagagem emocional à fita, esta situação serve para mostrar as implicações éticas e morais, bem como os dilemas humanos, que um negócio tão inusitado como este pode ter ou criar.

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“Os Melhores Anos da Nossa Vida”

Em 1986, duas décadas após o seu clássico “Um Homem e Uma Mulher”, Claude Lelouch fez uma continuação, “Uma Homem e Uma Mulher: 20 Anos Depois”, que não adiantou nada à história do corredor de automóveis Jean-Louis Duroc (Jean-Louis Trintignant) e da anotadora de cinema Anne Gauthier (Anouk Aimée). Em “Os Melhores Anos da Nossa Vida”, Duroc está agora numa casa de repouso e a perder a memória, e embora não conheça Anne quando ela o vai visitar, não se esqueceu de quanto a amou e ainda a ama. “Os Melhores Anos da Nossa Vida” podia ter sido um desastre deprimente sobre as devastações da velhice e da senescência. Mas Lelouch vai buscar imagens de “Um Homem e uma Mulher” e a sua curta de 1976 “C’Était un Rendez-Vous”, mistura melancolia, memória e sonho, investe numa banda sonora à antiga, deixa as emoções a cargo de Trintignant e Aimée, ambos serenamente majestosos, e consegue fazer a ligação a “Um Homem e uma Mulher”, como se o filme do meio nunca tivesse existido. Sugerindo ainda a continuidade do romance de Jean-Louis e Anne através dos filhos de ambos, interpretados de novo por Antoine Sire e Souad Amidou, agora cinquentões.

“Retrato da Rapariga em Chamas”

Céline Sciamma realiza este filme passado em França, na segunda metade do século XVIII e que ganhou o Prémio de Argumento no Festival de Cannes. Filha de um pintor, a talentosa Marianne (Noémie Merlant) foi contratada para uma condessa (Valeria Golino) para pintar o retrato da sua filha Héloise (Adèle Haenel), que foi tirada de um convento para se casar com um nobre italiano. O quadro servirá para o noivo conhecer a noiva. Mas Héloise recusa-se a ser pintada. A irmã, que ia casar com o dito nobre, caiu de um penhasco e morreu (ter-se-á mesmo suicidado para fugir ao matrimónio), e aquela está naturalmente relutante em a substituir. A artista terá que fingir que é uma dama de companhia contratada para vigiar Héloise, e pintá-la às escondidas. Como a condessa se vai ausentar por um par de semanas, modelo e pintora vão ficar apenas acompanhadas por uma jovem criada, Sophie (Luàna Bajrani), na mansão da família, situada numa ilha ao largo da costa francesa. “Retrato da Rapariga em Chamas” foi escolhido pelo Observador como filme da semana, e pode ler a crítica aqui.