Mombak quer dizer despertar em língua tupi e é o nome do projeto cultural que vai arrancar a 14 de setembro, para mostrar “os talentos do mundo inteiro” que habitam a cidade de Lisboa.

Em conversa com a Lusa, no Palácio Verride, ao lado do conhecido miradouro do Adamastor, em Santa Catarina, coração de Lisboa com vista para o Tejo, Mirna Queiroz, diretora da Mombak, destaca que “o projeto é pensado com portugueses, para portugueses, mas num contexto global, de diálogo entre todas as figuras que estão circulando” pela cidade.

“À medida que Lisboa se vai transformando numa cidade multicultural, vamos vendo a cidade se guetificando. A nossa expectativa é que o centro seja um ponto de encontro dessas várias culturas que passam hoje por Lisboa. Há talentos que vivem aqui do mundo inteiro. Onde eles estão? O que estão a fazer?”, questiona a luso-brasileira, que tem a marca Mombak registada no Brasil e que é fundadora e editora da revista contemporânea de língua portuguesa Pessoa.

Mirna Queiroz dá o exemplo de João Erbetta, responsável pelas composições originais da série brasileira “Coisa mais linda”, que pode ser vista na Netflix. Na Mombak, o músico vai dar um curso-espetáculo de 12 horas sobre a história da bossa nova.

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Entre os nomes já confirmados para ministrarem cursos estão o filósofo irlandês Bartholomew Ryan, o antropólogo e designer gráfico Manuel João Ramos, o fotojornalista João Pina e as jornalistas Isabel Nery, Joana Gorjão Henriques e Susana Moreira Marques. A seu tempo, a programação da Mombak vai incluir também debates, seminários, festivais e clubes de leitura.

“Os portugueses foram para o mundo. Está no DNA do português cair no mundo, experimentar, arriscar. E, pela primeira vez em muito tempo na história, são os portugueses que estão atraindo a atenção do mundo e as pessoas estão vindo para cá”, observa Mirna.

Os cursos — sobre jornalismo, pensamento crítico, escrita criativa, filosofia, artes gráficas (www.revistapessoa.com/cursos) — pretendem ser uma “experiência de conversa e diálogo constante com a cidade”, o que “exige o presencial”, até porque há “um esgotamento do ‘online'”. Mas Mirna admite que, em tempo de pandemia, a estratégia terá de ser “híbrida”, combinando os dois formatos.

A Mombak vai estar atenta ao que acontece em Portugal, para “ampliar o debate e não deixar a conversa só nas redes sociais ou em alguns grupos”, garante. O espaço cultural “pretende ser um ponto de encontro entre portugueses e visitantes estrangeiros”, pois o atual contexto exige “ferramentas para as pessoas entenderem que não há motivo para o medo”, frisa.

“As pessoas estão frustradas, estão exaustas e é muito fácil manipular as pessoas, tentando apresentar o outro como inimigo”, assinala Mirna, assumindo que a Mombak vai tentar “desmontar esses discursos falaciosos, de ódio, claramente ligados a projetos de poder, que nada têm a ver com Portugal”.

A viagem da Mombak para Lisboa resulta de um cruzamento de vontades, que pôs Mirna no caminho do holandês Kees Eijrond — envolvido em projetos culturais há mais de 30 anos, sobretudo através da companhia de dança contemporânea Rosas, sediada em Bruxelas e liderada pela coreógrafa Anne Teresa de Keersmaeker.

Há uns anos, Kees Eijrond comprou o Palácio Verride, que hoje acolhe um hotel, um restaurante e um bar, e depois a casa situada mesmo ao lado, que vai acolher os cursos de curta duração com que a Mombak se vai estrear na cena cultural lisboeta.

“Estava à procura de uma parceria para contribuir com algo mais do que um edifício bonito numa colina bonita de Lisboa”, explicou à Lusa o investidor holandês, no intervalo dos arranjos florais que ele próprio faz para o hotel, arte que será também tema de curso. Kees Eijrond quer “contribuir para a comunidade” e sabe que “deixar um legado leva tempo”, por isso não tem pressa, muito menos agora.

O impacto da pandemia na cultura foi “tremendo”, mas “ninguém fala muito disso”, lamenta. “Tivemos [na companhia Rosas] centenas de atuações canceladas em todo o mundo e não temos ideia de quando poderemos começar de novo”, realça, observando que a cultura não é “uma prioridade” política.

“É muito difícil aceitar que as pessoas viajem lado a lado nos aviões, tal como antes da crise, com a única condição de usarem máscara, mas nos teatros não possam fazer o mesmo. Todos os aviões que apanhei desde março estavam cheios, mas os teatros estão vazios”, compara.