O Ministério Público cabo-verdiano está a investigar a atuação de dois cidadãos nacionais suspeitos do crime de “usurpação de autoridade”, por alegadamente se apresentaram como enviados do governo à Venezuela, para abordar a detenção de Alex Saab.

Em comunicado, a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Cabo Verde refere que a investigação foi aberta após notícias dando conta da presença dos dois cabo-verdianos em Caracas, em reunião com o Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, enquanto alegados emissários do governo, versão negada pelo executivo de Ulisses Correia e Silva. “O Ministério Público determinou, no dia 20 de agosto de 2020, a abertura de instrução criminal”, lê-se no comunicado da PGR.

O arquipélago de Cabo Verde está no centro de uma disputa entre os EUA e a Venezuela desde a detenção do empresário colombiano Alex Saab, considerado testa-de-ferro de Nicolás Maduro, na ilha do Sal.

Nesta investigação está em causa a alegada atuação de Fernando Gil Évora, entretanto demitido pelo governo do cargo de presidente do conselho de administração da empresa estatal cabo-verdiana Emprofac, e de Carlos Jorge dos Anjos, ex-diretor do Turismo de Cabo Verde.

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“Em causa estão factos suscetíveis de, por ora, integrarem a prática de um crime de usurpação de autoridade cabo-verdiana, previsto pelo artigo 312.º do Código Penal e punido com a pena de prisão de um a cinco anos”, acrescenta o comunicado.

Alex Saab, 48 anos, foi detido em 12 de junho pela Interpol e pelas autoridades cabo-verdianas, durante uma escala técnica no Aeroporto Internacional Amílcar Cabral, na ilha do Sal, com base num mandado de captura internacional emitido pelos EUA, que o consideram um testa-de-ferro de Nicolás Maduro. Contudo, a defesa e o governo da Venezuela insistem na ilegalidade da detenção, por viajar com passaporte diplomático, como “enviado especial” do executivo de Maduro.

A Lusa noticiou no dia 21 de agosto que o governo cabo-verdiano afastou de funções o presidente da Emprofac por “desvio” das funções, quando o nome de Gil Évora foi divulgado como um dos dois nacionais que se reuniram com Nicolás Maduro, sobre a detenção de Alex Saab.

Em comunicado enviado à agência Lusa, o governo cabo-verdiano dava conta que, ao abrigo da “deliberação unânime” do acionista único da Empresa Nacional de Produtos Farmacêuticos (Emprofac) “foi procedida à demissão, com efeitos imediatos”, do presidente do conselho de administração da empresa estatal, Fernando Gil Évora, “em consequência da violação dos deveres inerentes ao gestor público e desvio da finalidade das funções”.

No comunicado não são concretizados motivos para este afastamento, mas que surgiu dois dias após o jornal “El Nuevo Herald” ter avançado que um ex-alto funcionário do Governo de Cabo Verde e um empresário cabo-verdiano chegaram “secretamente” a Caracas no início da semana e mantiveram uma reunião com o Presidente Nicolás Maduro, no palácio presidencial, para abordar o diferendo diplomático em torno da extradição pedida pelos Estados Unidos da América (EUA).

O jornal, com sede em Miami (EUA) e especializado em assuntos da América Latina, avançava, citando a documentação do terminal do aeroporto, que os dois elementos eram Carlos Jorge Oliveira Gomes dos Anjos e Fernando Gil Alves Évora.

Em comunicado divulgado logo após, o governo cabo-verdiano afirmou que tem garantido a defesa do empresário Alex Saab Móran, com pedido de extradição pelos EUA, negando ter enviado emissários à Venezuela.

“O Governo de Cabo Verde não enviou ninguém, nem qualquer missão, à República Bolivariana da Venezuela”, lê-se.

Entretanto, o Tribunal da Relação do Barlavento, na ilha de São Vicente, a quem competia a decisão de extradição, aprovou esse pedido em 31 de julho, mas a defesa de Saab recorreu para o Supremo Tribunal do país.

No entanto, no mesmo comunicado, o governo — que através do Ministério da Justiça, após parecer da Procuradoria-Geral da República, ainda na parte administrativa deste processo, deu aval à extradição de Saab – nega o envio de emissários cabo-verdianos à Venezuela.

No mesmo comunicado anterior, o governo cabo-verdiano “adverte que qualquer ação, contacto ou ‘démarches’ fora do quadro institucional e de representação oficial são da exclusiva responsabilidade dos seus autores e não vinculam o Estado de Cabo Verde”.

A detenção de Saab em Cabo Verde foi classificada pelo governo da Venezuela como “arbitrária” e uma “violação do direito e das normas internacionais”, tal como as “ações de agressão e cerco contra o povo venezuelano, empreendidas pelo Governo dos Estados Unidos da América”.

Saab era procurado pelas autoridades norte-americanas há vários anos, suspeito de acumular numerosos contratos, de origem considerada ilegal, com o governo venezuelano de Nicolás Maduro.

Em 2019, procuradores federais em Miami acusaram Alex Saab e um seu sócio por suspeita de operações de lavagem de dinheiro, relacionadas com um suposto esquema de suborno para desenvolver moradias de baixa renda para o governo venezuelano, que nunca foram construídas.