O Tribunal de Contas (TdC) mandou para trás dois contratos feitos pelo Exército para fornecimento de equipamento de combate, recusando o seu visto por violação das regras de concorrência. Os juízes que apreciaram os contratos consideram que o Ministério da Defesa criou uma situação de exclusividade “artificial” das empresas que contratou, viciando o concurso.

No relatório do Tribunal que o Público noticia esta quarta-feira e que está publicado aqui, é explicado que foi criada “uma situação de potencial exclusividade assente em motivos de aptidão técnica”, com o a contratação a não ser sequer anunciada previamente ao concurso. Segundo o TdC, os contratos não só violam o princípio da concorrência, como também os procedimentos dos contratos públicos.

Nos últimos meses do ano passado, o Exército Português pediu o visto prévio do TdC (obrigatório para contratos do Estado que ultrapassem os 350 mil euros) para dois contratos feitos por adjudicação direta com o valor total de cerca de 2,1 milhões de euros (sem IVA). Os dois contratos foram assinados, pelo ministro João Gomes Cravinho, para apetrechar o exército de equipamento militar de combate, nomeadamente capacetes balísticos — fornecidos pela Fibrauto — e coletes, cotoveleiras e joelheiras — fornecidos pela Latino. Estas eram, segundo a justificação do Ministério da Defesa, as únicas capazes de executar os contratos. “Estas entidades dominam assim todo o know-how técnico relativo à composição e fabrico destes produtos especialmente concebidos para uso militar”, afirmou o Ministério na resposta ao Tribunal.

Além disso, a Defesa ainda referiu ao TdC que esta adjudicação também se justificava por promover a produção nacional, nomeadamente de um consórcio na área da investigação e desenvolvimento que foi criado em 2015, ainda pelo anterior Governo. Neste consórcio (o Auxdefense) que aposta no desenvolvimento de equipamento de proteção militar mais resistente e leve, estão integradas as duas empresas em causa.

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Mas a argumentação da Defesa esbarrou na avaliação do TdC que foi clara na sua conclusão: a negociação sem publicação de anúncio de concurso (anulando a concorrência logo à partida) “não pode se invocada”, por isso o Tribunal “determina a nulidade” dos contratos. O TdC diz ainda que a limitação do convite a entidades concretas “consubstancia igualmente uma prática suscetível de alterar o resultado financeiro do contrato“.

O Tribunal diz que houve uma “clara violação da lei, uma vez que (…) foram utilizadas especificações técnicas que nos remetem, sem alternativa, para determinados produtos em concreto, os quais, por sua vez, prédeterminaram as entidades fornecedoras”. Uma situação que viola “os princípios da concorrência e da igualdade de tratamento de todos os potenciais interessados”.

Quanto ao argumento da promoção do consórcio de investigação e desenvolvimento e o benefício para o Estado de um desconto de 25% quando compra material a empresas que o integram, o TdC sublinha que esse “desconto especial não pode constituir fundamento para o ‘fecho do mercado’ em torno destas empresas, como pretende fazer a entidade adjudicante, não sendo sequer líquido que as mesmas possam participar num eventual procedimento aberto à concorrência, dada a forte possibilidade de se encontrarem em situação que lhes confira vantagem falseadora das condições normais de concorrência“. O Tribunal diz mesmo que isso privilegiaria sempre estas empresas.

Além disso, os juízes que analisaram os contratos deitam ainda por terra o argumento sobre a exclusividade das empresas em causa. “Não existe”, concluem. “Existirão certamente outras empresas aptas a fornecer equipamentos com idênticas especificações técnicas, ainda que não totalmente coincidentes com as previstas no caderno de encargos”. E é aqui que mesmo que assim fosse, os contratos era igualmente ilegais já que “a exclusividade em que assenta terá sido criada ‘artificialmente‘ pela própria entidade adjudicante”, ou seja, pelo Ministério da Defesa.