O professor universitário João Cerejeira defendeu, em entrevista à Lusa, que o Governo deve equacionar dar “mais estabilidade previsional às empresas”, por exemplo através da indexação da subida do salário mínimo a indicadores “facilmente mensuráveis”.

O que eu acho que o Governo devia pensar, e os parceiros sociais e qualquer que seja o partido, era, por exemplo, em termos mecanismos que dessem mais estabilidade previsional às empresas”, disse o economista à Lusa.

O académico da Universidade do Minho (UM) sugeriu, por exemplo, que medidas associadas ao aumento do salário mínimo nacional “tivessem em conta a subida do PIB [Produto Interno Bruto], a dinâmica da produtividade, a dinâmica da taxa de desemprego”.

“Por hipótese, se o crescimento do produto não ultrapassar determinado nível, basicamente está a dizer que nós não podemos produzir mais, se não conseguimos produzir mais, também não conseguimos distribuir mais”, disse, mencionando ainda a alternativa de “redistribuir”.

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Segundo João Cerejeira, a existência de alguma condicionalidade relativamente ao PIB “dava alguma perspetiva para os agentes económicos que têm de tomar decisões”, pois saberiam “que se a conjuntura, em que ainda há muita incerteza, não evoluir de forma saudável, havia aqui um travão no aumento de custos”.

Seria mais interessante do que entrar em compromissos a médio prazo – o tal compromisso de chegar aos 750 euros até ao final da legislatura – sem sabermos muito bem, por exemplo, como é que a atividade turística vai recuperar”, entende o economista.

Relativamente a várias reivindicações dos partidos mais à esquerda para o Orçamento do Estado de 2021 (OE2021), o professor universitário refere que, por exemplo, “aumentar dias de férias, na prática, é aumentar o custo do trabalho”.

“Aumentar custos em alturas de redução e de aumento do desemprego, não faz muito sentido meramente da racionalidade económica. Não faz sentido a não ser que haja um aumento da procura correspondente”, argumenta.

No entanto, no processo orçamental, há “uma negociação política, e as negociações políticas não têm uma racionalidade económica pura, e há outros elementos que é necessário ter em conta”, reconhece.

Já a proibição dos despedimentos “só se efetiva para empresas que estão vivas”, considera João Cerejeira, lembrando que “não é proibido encerrar empresas”, “logo, também não é proibido despedir, até pela via do encerramento”.

Medidas como proibir os despedimentos podem é favorecer o encerramento de empresas, o que também não é bom. Numa altura de crise, muitas vezes, é mais importante manter as empresas vivas, mesmo com o custo de haver despedimentos, e aí tem de ser a componente social do Estado a compensar a perda de rendimentos das pessoas que ficaram sem emprego, mas é melhor do que a empresa falir”, disse o académico à Lusa.

Ao mesmo tempo, “impor uma restrição à redução de atividade, porque ela se verifica num contexto de crise, pode ser mais gravoso do que propriamente a perda de emprego que possa conter”, entende.

À direita, a atenção do Governo poderia estar em “algum tipo de incentivos fiscais, ou dedução fiscal, ou redução de impostos para as empresas”, algo que “não está contemplado”.

Instado a comentar a medida anunciada pelo primeiro-ministro, António Costa, que consistirá na devolução de parte do IVA gasto em setores como a restauração, João Cerejeira apelidou-a de “interessante” e “inovadora”.

Tem aumentado a poupança precisamente por precaução. Portanto, mesmo essas medidas que teoricamente seriam para expandir e para pôr mais dinheiro a circular têm sempre um travão, que é a questão da confiança, ligada às questões da saúde”, afirmou.

Relativamente ao seu impacto, “por um lado depende da magnitude da medida, da dimensão, mas também depende depois se efetivamente a redução da procura vai ser permanente ou não”.

É difícil comparar efeitos do aumento do salário mínimo de 2013 a 2021

O economista João Cerejeira considerou que é “difícil” comparar os efeitos dos aumentos do salário mínimo entre 2013 e 2018 e um possível aumento em 2021, em contexto mais adverso.

“Fazer a transposição para um contexto em que estamos numa fase recessiva do ciclo económico é difícil”, disse o professor, numa referência a um documento de trabalho (working paper) que elaborou juntamente com os economistas Fernando Alexandre, Pedro Bação, Hélder Costa e Miguel Portela.

O documento em causa, que aguarda validação e publicação como artigo científico, avaliou os efeitos dos sucessivos aumentos do salário mínimo nacional entre 2013 e 2018.

“Eu diria que o paper é válido num contexto de ciclo económico que foi consistente. Desde 2013, foi de crescimento [da economia] e diminuição do desemprego”, disse João Cerejeira quando questionado se se poderia cenarizar as consequências do aumento do salário mínimo para 2021.

O economista refere que, “quando o salário mínimo sobe, não afeta de igual forma todas as empresas, como é evidente”, dado que “as de grande valor acrescentado, ou muito produtivas, regra geral pagam salários acima do salário mínimo, portanto o salário mínimo não tem qualquer efeito”.

A análise do documento versou sobretudo sobre as chamadas empresas zombie – companhias “com elevado ‘stress’ financeiro”, que podem ser mais impactadas pelo aumento do salário mínimo.

“Ou seja, empresas que tecnicamente ou contabilisticamente estariam falidas, mas muitas vezes, por razões até de morosidade dos processos de falência, ou do não reconhecimento como perdas por parte das entidades bancárias, acabam por vir refinanciando as dívidas”, e assim continuando no ativo.

Segundo João Cerejeira, “o contributo mais interessante do paper é avaliar até que ponto esse aumento de salário mínimo fez acelerar a saída do mercado dessas empresas menos produtivas”, sendo “a grande conclusão” a de que a subida do salário mínimo impulsionou a saída do mercado dessas empresas”.

Dado que estamos a analisar um período de crescimento da economia e diminuição do desemprego, a partir de 2013 até 2017, o que verificámos é que as empresas que mais foram impactadas pelo salário mínimo, foram aquelas em que o crescimento do emprego foi mais lento”, adiantou.

De acordo com o economista, “o efeito do salário mínimo, por ter aumentado os custos de produção e tirado alguma competitividade a esse tipo de empresas, faz reduzir o crescimento do emprego”, salientando que “nunca” se fala de redução do emprego, mas sim “em redução do crescimento do emprego”.

“Depois temos também um efeito nos lucros que vai no mesmo sentido, como é de esperar”, acrescenta, argumentando que “se não houver capacidade das empresas de transferir o aumento de custos para os seus preços, as margens reduzem-se e os lucros também”, prossegue.

Questionando-se sobre “se isto é bom ou é mau”, o professor da UM destaca que ao saírem do mercado de trabalho, as empresas zombie “libertaram recursos produtivos para mão de obra que pudesse ser aproveitada para empresas que estavam em crescimento”, acabando também por “libertar o mercado para empresas mais eficientes”.

João Cerejeira reconhece, no entanto, que não foi analisado “o que é que acontece aos trabalhadores que eventualmente perdem os empregos por essas empresas terem acabado” ou se houve algum tipo de reorganização nas empresas zombie.

No entanto, remetendo para um seu antigo trabalho de doutoramento, João Cerejeira afirmou que “a subida do salário mínimo induz a empresa a investir mais em capital, e também a substituir menos qualificados por trabalhadores mais qualificados, dado que o preço relativo entre uns e outros se altera”.

O académico alerta que “já estamos a verificar um aumento de falências na área da restauração”, algo que não está a ser provocado pelo aumento do salário mínimo, mas ao adicionar mais custos “é algo a acrescer à equação que não é favorável”.

“A procura, nestes setores, aumentou durante o período da expansão, e agora está a diminuir”, adverte, mencionando ainda o caso “do turismo, da restauração e até de alguma indústria exportadora” como possíveis áreas de risco.

Questionado sobre se o layoff pode servir como atenuante momentânea para os efeitos do aumento do salário mínimo num futuro próximo, Cerejeira respondeu que “é sempre visto como uma medida temporária”.

“Pode adiar algumas decisões de encerramento, mas para contrariar o efeito da subida do salário mínimo não é o mais indicado”, asseverou.

Governo deve “explicações” sobre dispensa de empréstimos europeus

O economista João Cerejeira considerou que o Governo “deveria dar mais explicações para a sociedade portuguesa perceber porque é que está a abdicar” dos empréstimos europeus no âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR).

“Efetivamente acho que o Governo deveria dar mais explicações para a sociedade portuguesa perceber porque é que está a abdicar dessa componente”, disse o professor de economia da Universidade do Minho (UM).

No dia 29 de setembro, o primeiro-ministro salientou que Portugal “recorrerá integralmente” aos cerca de 15,3 mil milhões de euros em subvenções que poderá receber do fundo de recuperação europeu, mas adiantou que não utilizará a fatia de empréstimos deste programa.

António Costa falava no encerramento da sessão “Portugal e União Europeia, Programa de Recuperação e Resiliência”, na Fundação Champalimaud, em Lisboa, após uma intervenção de fundo proferida pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Portugal tem uma dívida pública muito elevada e assume sair desta crise mais forte do ponto de vista social, mas também mais sólido do ponto de vista financeiro. Por isso, a opção que temos é recorreremos integralmente às subvenções e não utilizaremos a parte relativa aos empréstimos enquanto a situação financeira do país não o permitir”, frisou o líder do executivo nacional.

Questionado sobre o porquê de Portugal não aproveitar a oportunidade de obter empréstimos a taxas mais favoráveis que a do mercado, João Cerejeira aventou duas possibilidades: ou a ausência de oportunidade ou de estudo suficiente das mesmas.

“Eu só interpreto que se não estamos a aproveitar oportunidades, é porque não temos oportunidades. Uma coisa é ter dinheiro barato, outra coisa é onde se vai usá-lo. Provavelmente é mais prudente não gastar quando as alternativas que se tem para o gastar são más”, explanou.

O economista apontou ainda a possibilidade das opções ainda não estarem “estudadas ou avaliadas o suficiente”.

Por um lado, Cerejeira apontou a possibilidade do nível de endividamento nacional ser tão elevado que, “por uma questão de precaução e de manter os ratings da dívida pública a um nível atual, e não prejudicar a dívida portuguesa nos mercados internacionais, que o Governo tenha optado por adiar essa componente”.

Por outro, “também pode querer dizer que o plano de investimento ainda não está suficientemente maduro para [os empréstimos] serem lançados num curto prazo”.

Provavelmente há investimentos que vão demorar anos até que estejam no terreno. É preciso fazer projeto, é preciso fazer as análises de impacto ambiental, é preciso projetos de infraestruturas que têm necessidade de expropriações, concursos públicos, portanto toda uma parte de conceção que demora tempo”, referiu.

João Cerejeira aludiu ainda à possibilidade do Governo já ter “projetos que já estão avaliados, que já estão numa fase já elevada do seu planeamento e da sua conceção, que podem avançar já”.

“É essa a interpretação que eu faço, a conjugação das duas coisas”, resumiu.

Economista diz haver “falha” no plano de recuperação ao não baixar custos das empresas

O economista João Cerejeira considerou que o plano de recuperação da economia portuguesa “falha” ao “não ter medidas que façam baixar os custos das empresas”, apesar de investimentos em infraestruturas.

Eu acho que onde o plano falha é em não encontrar, ou, pelo menos, não ter medidas que façam baixar os custos para as empresas, os custos de contexto”, disse o professor da Universidade do Minho.

O académico considerou que o Plano de Recuperação e Resiliência, já apresentado pelo primeiro-ministro, “pode ter algum efeito positivo no caso dos custos dos transportes, com algum investimento em algumas vias de comunicação”, mas “peca” nas questões energéticas.

“Apesar de apostar na transição energética, não tem nada que permita antever que vá haver uma redução nos custos de energia para as empresas portuguesas. É uma das principais queixas dos empresários nacionais e é um dos fatores de perda de competitividade face a outras economias”, explanou.

João Cerejeira prosseguiu, dizendo que “há rendas associadas a monopólios existentes”, e que “concorrência no setor da energia é baixa”, alargando ainda o escopo da sua análise ao setor das “telecomunicações e noutros setores”.

A questão do hidrogénio pode ser um investimento muito interessante para a economia portuguesa, mas era importante explicar que se trouxer energia mais cara, deixa de ser interessante, acho eu”, asseverou.

O economista realçou a necessidade de haver uma análise de custo-benefício – “que não existe, em alguns dos investimentos que foram anunciados” – contabilizando as mais-valias para os consumidores e as empresas.

“Isso tem de ser ponderado, e Portugal sabemos que paga uma energia cara, fruto de várias opções feitas no passado, e não vejo grande iniciativa política no sentido de alterar esse padrão”, referiu, lamentando ainda a inexistência de um mercado energético europeu, com existência de redes nacionais e “mercados fragmentados”.

Em termos de infraestruturas, João Cerejeira salientou a aposta na ferrovia – “um parente pobre” –, advogando a melhoria dos acessos às duas principais cidades do país, Lisboa e Porto.

“Se houver melhores acessibilidades quer ao Porto quer a Lisboa, por via de ferrovia, então permite-se o crescimento e a valorização da habitação em áreas que são periféricas, e isso vai descongestionar a procura para o centro da cidade”, o que permite ter um “efeito benéfico, que é a diminuição do custo de habitação”.

João Cerejeira lembrou ainda que “há áreas do território em Portugal que não têm, pura e simplesmente, ferrovia”, como as capitais de distrito Vila Real ou Viseu, e que nenhum dos aeroportos tem ligação a ferrovia pesada, mas apenas aos metropolitanos de Lisboa e Porto.

O economista defendeu ainda que “devia haver mais concorrência no setor ferroviário” de passageiros, que além da pública CP tem ainda “um operador privado, monopolista, que é a Fertagus”.

Questionado sobre a possibilidade da criação de um cluster ferroviário, à semelhança do que acontece na aeronáutica ou no setor automóvel, o professor da UM reconheceu que quando há grandes encomendas do Estado, “regra geral, é possível que haja empresas nacionais que beneficiem como fornecedores de componentes”.

No entanto, alertou que, “pelo menos na situação atual”, o mercado português “nem tem volume nem regularidade suficiente para que haja um cluster propriamente ferroviário”.

A não ser que haja aqui um plano que seja depois cumprido, em termos de aquisição e renovação de material, que crie os incentivos aos potenciais construtores se instalarem e ter um volume de encomendas regular que seja minimamente previsível, ou então também não há incentivo para a criação desse cluster”, prosseguiu.

É “fundamental” qualificar população ativa

A formação e qualificação da população ativa, especialmente na faixa entre os 30 e os 50 anos, é um “elemento fundamental” da recuperação económica em Portugal após a pandemia de Covid-19.

Um “elemento fundamental, que é sempre falado, que é o de termos estado muito com medidas de muito pequeno alcance, que é a questão da formação e da qualificação, nomeadamente da população ativa entre os 30 e os 50 anos”, disse à Lusa o professor da Universidade do Minho.

João Cerejeira considerou que “há défices de qualificação sérios na economia portuguesa e na população ativa portuguesa, que mereciam um plano de qualificação com um investimento muito mais efetivo, melhor organizado e gerido”.

A economia portuguesa tem e teve durante vários anos um fator de competitividade que eram os salários baixos. Isso teve, pelo menos, até à entrada da China e dos países de leste nos mercados internacionais. A partir daí deixámos de ter essa componente como fator de competitividade”, explanou o académico.

O economista detalhou que “os salários eram baixos e não o eram só por uma questão política ou de decisão política”, mas sim “porque a formação e os níveis de educação em Portugal eram baixos, e mais baixos há 20 ou 30 anos”.

“Nós estamos dentro da Europa. Não há nenhum país da Europa que tenha taxas de população adulta que tenha o ensino secundário tão baixas como Portugal. Portanto aí estamos numa situação mesmo claramente desfavorável, relativamente aos outros países”, prosseguiu, lembrando que a taxa “não chega sequer aos 50%”

João Cerejeira crê mesmo que esse “é o principal limitador, que depois limita tudo”, tendo influência na “competência” e nas “capacidades dos empresários”, cuja “baixa escolaridade reflete-se na baixa capacidade de gestão e na capacidade das empresas se expandirem, ganharem dimensão em economias de escala e tornarem-se mais produtivas”.

O défice de qualificações também se reflete, segundo o professor universitário, “na incapacidade dos próprios trabalhadores se adaptarem às novas tecnologias, às novas exigências”, o que “leva a perdas de produtividade enormes, gigantescas, que não são percetíveis”.

Questionado acerca de um possível paralelo com a manutenção de competitividade económica através da desvalorização da moeda, antes da adesão de Portugal ao Euro, João Cerejeira lembrou que quando isso deixou de acontecer, “houve um choque grande das indústrias que dependiam da competitividade cambial”.

Toda a crise que o têxtil passou no final dos anos 90 e início dos anos 2000, com a adesão ao Euro, teve a ver com isso. Era uma competitividade baseada nos baixos salários, em que a desvalorização permitia manterem-se no mercado”, prosseguiu.

O académico observou que entretanto o setor “passou por uma transformação grande”, em que “o emprego até decresceu, mas o valor acrescentado aumentou muito”, com um aumento da produtividade, à semelhança do que também aconteceu na agricultura, referiu.

“Os processos de transformação demoram tempo e são dolorosos. Há empresas a falir, há pessoas que perdem emprego, e há outras que aparecem, há aquelas que são mais inovadoras, têm mais capacidade de inovar e de se adaptarem, há as que não têm e não vão crescer, e todos estes processos são típicos do capitalismo, de destruição criativa e de criação de novas atividades e novos empregos”, explanou.

“É aí que a política social do Estado tem que ter um papel para amortizar os custos sociais destas transformações”, concluiu o economista.