Homem, 48 anos, com queixas de dor no lado esquerdo da região lombar. O caso clínico chega às mãos de Carolina Pires e Tomás Araújo, alunos do terceiro ano de Medicina, do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), mas de uma forma diferente do habitual: o doente é virtual, surge em 3D num ecrã tátil e os tratamentos e exames são feitos através de um simulador.

A primeira aula com recurso à plataforma Body-Interact, um simulador adquirido pelo ICBAS e pelo Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP) – Hospital Santo António, foi lecionada na sexta-feira e marca o início de um novo complemento do ensino clínico. Esta plataforma vai permitir a estudantes e médicos treinar vários casos clínicos em doentes virtuais,

“Isto permite-nos trabalhar as situações clínicas, aprender a fazer uma abordagem correta, a ver mais situações do que aquelas que muitas vezes temos disponíveis e treinar as vezes que forem precisas, num ambiente isento de risco”, explicou Idalina Beirão, diretora do ensino pré-graduado.

Carolina e Tomás analisaram através de um ecrã tátil o caso de um doente que se dirigiu às urgências. Primeiro, foi preciso analisar os sinais vitais e realizar exames físicos ao paciente virtual, seguindo-se um questionário clínico (com resposta em áudio do doente), a análise dos resultados e o encaminhamento para a especialidade. Todo o processo foi acompanhado por duas professoras.

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O novo modelo de simulação está disponível para os quase 600 alunos do terceiro ao sexto ano do Mestrado Integrado em Medicina no ICBAS

No total, há 25 mesas de simulação para os serviços clínicos do CHUP, num projeto que contou com um investimento de cerca de meio milhão de euros e com o propósito de complementar a formação nas várias áreas da medicina. Paulo Barbosa, presidente do conselho de administração do CHUP, explica que esta é uma também uma oportunidade face aos constrangimentos provocados pela pandemia de Covid-19, sobretudo no ensino presencial e no contacto com doentes.

Não temos todos os dias doentes com todas as patologias. Temos, naquele dia, os doentes que lá estão e não aqueles que às vezes gostaríamos de ter. Com este modelo conseguimos misturar as duas coisas: primeiro simular antes do contacto direto com doentes e, em segundo lugar, ter um programa de formação que passe por todas as patologias, algo que até agora era complicado porque nos dias de aulas não havia nenhum doente com aquela patologia, naquelas circunstâncias. Tínhamos de teorizar sem modelo”, sublinha Paulo Barbosa.

O novo modelo de simulação, acrescenta, é interativo e está disponível para os quase 600 alunos do terceiro ao sexto ano do Mestrado Integrado em Medicina no ICBAS. O Body-Interact pode ser utilizado não só nas aulas mas também fora delas.

“Já temos casos clínicos que simulamos nas salas de aulas com os alunos há décadas, mas em papel. O problema é que o papel não é interativo nem responde. Aqui há a vantagem de que o próprio simulador é interativo, o que também permite que os alunos, se quiserem, nos intervalos das aulas possam ir eles próprios treinar aquilo que correu mal durante a aula prática. A aprendizagem assim torna-se menos teórica e mais prática”, sublinha.

Henrique Cyrne Carvalho, diretor do ICBAS, salientou também que os alunos podem aceder à plataforma “através dos telemóveis ou tablets, com uma password, num determinado cenário e treiná-lo, por exemplo, em casa”. E que a grande vantagem é que tudo não passa de uma simulação: “O resultado não é sempre um sucesso. Se for mal orientado vai ser um insucesso. Mas insucesso em simulação é formativo, insucesso sem ser em simulação é muito complicado. Isto é um acréscimo ao modelo formativo e que neste momento é particularmente importante porque estamos numa fase em que as condições de ensino e aprendizagem se modificaram”, sublinha o responsável do ICBAS, alertando que, ainda assim, alguns alunos continuam com as aulas práticas em ambiente hospitalar.

O CHUP é o primeiro hospital central universitário do país a dispor deste equipamento em todas as áreas clínicas. Paulo Barbosa sublinha ainda que o modelo é “interativo e evolutivo”, uma vez que vão sendo introduzidos mais casos clínicos ao longo do tempo, ajustados à realidade do momento. “É um modelo que veio para ficar e para durar. Foi um investimento muito ponderado mas que achamos que vai fazer a diferença”, acrescenta.

Já o fazíamos com outro tipo de técnicas e outro tipo de simuladores, mas este é um passo em frente. Ninguém pensa em meter-se dentro de um avião sem que o piloto antes de pegar no avião não tenha feito simulação”, acrescenta Paulo Barbosa.

No final da aula, Carolina e Tomás conseguiram detetar o problema e dizem ter saído com mais confiança no contacto com os doentes. “Temos de ter o conhecimento teórico, mas acho que nos prepara muito para depois quando formos, efetivamente, para o hospital. Ajuda-nos a interagir melhor com os doentes, é muito realista, dentro das suas limitações. Sinto-me muito mais confiante a falar com um doente quando já treinei com doentes virtuais”, sublinha Carolina Pires. A tecnologia vai ser utilizada já este semestre não só pelos alunos mas também por médicos em formação ou especialistas do CHUP.