O Partido Socialista veio esta sexta-feira “lamentar o oportunismo e o cinismo político das oposições e, muito em particular, do Partido Social Democrata (PSD)” na forma como Rui Rio reagiu ao caso do polémico envio dos dados sobre ativistas anti-Putin à embaixada russa, por parte da câmara municipal de Lisboa liderada por Fernando Medina: “Em política não pode valer tudo“. O problema deveu-se a uma “lei desatualizada” que vai ser alterada pelo Governo e, para o PS, o PSD “rompeu um princípio fundamental” que é não usar matérias sensíveis da política externa para fazer combate político interno.

As declarações surgiram numa conferência em que José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto do PS, começou por dizer que era “claro o apego do dr. Fernando Medina à democracia e às liberdades e direitos fundamentais” e sublinhou que Medina “assumiu, também, a sua responsabilidade pedindo desculpas aos manifestantes e exigindo à embaixada (russa) que apagasse os dados pessoais”.

Para o PS, “o sucedido resulta de uma lei de 1974 totalmente desatualizada, por isso o Governo está a trabalhar num projeto-lei para atualizar esta legislação relativa ao direito de manifestação”. Ainda assim, apesar desse facto, o que aconteceu é “lamentável e não se pode repetir”, sendo nesse contexto que se abriu um inquérito, para se analisar o enquadramento legal existente e as responsabilidades, indicou José Luís Carneiro.

A principal mensagem que o responsável quis passar, porém, foi que PS “lamenta o oportunismo e o cinismo político das oposições e, muito em particular, do Partido Social Democrata (PSD)”.

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Oportunismo porque já foram dadas as explicações que têm que ver com um procedimento que é adotado pela Câmara Municipal de Lisboa desde que os governos civis foram extintos, de identificação das pessoas e comunicação às autoridades competentes. E cinismo porque, por um lado, o líder do maior partido da oposição vem criticar o sucedido e lamentar os efeitos nocivos para a imagem e reputação do país mas, ao mesmo tempo, os deputados do PSD, integrados no Partido Popular Europeu, pretendem levar este assunto ao Parlamento Europeu.”

Para José Luís Carneiro, a “atitude cínica” por parte de Rui Rio “rompe com um princípio fundamental na política externa” portuguesa, que é o de “não se utilizarem matérias sensíveis, de cariz diplomático e consultar para efeitos de política interna”. “Em política, não pode valer tudo”, atirou.

Câmara de Lisboa entrega dados de manifestantes anti-Putin aos Negócios Estrangeiros russos

Duarte Cordeiro defende ação de Medina e critica acusações “delirantes” de PSD e CDS

O dirigente socialista Duarte Cordeiro considerou que o presidente da Câmara de Lisboa fez o que devia perante “um erro lamentável” e criticou a atuação política do PSD e CDS-PP.

Em declarações à agência Lusa, Duarte Cordeiro, líder da Federação da Área Urbana de Lisboa (FAUL) do PS e secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, classificou como “delirantes” as acusações sobre a alegada cumplicidade de Fernando Medina com o regime russo e lembrou que o autarca de Lisboa recebeu na Câmara em março a líder da oposição na Bielorrússia, Svetlana Tikhanouskaia.

“É óbvio que estamos perante um erro lamentável, como disse na quinta-feira o presidente da Câmara de Lisboa. Um erro que nunca devia ter acontecido”, sustentou Duarte Cordeiro.

O líder da FAUL do PS, que foi vice-presidente da Câmara de Lisboa até 2019, assinalou depois que Fernando Medina anunciou “logo na quinta-feira o levantamento de todas as situações que aconteceram no passado” sobre partilha de dados de promotores de manifestações.

Fernando Medina fez o que qualquer responsável político, tomando conhecimento de um procedimento burocrático errado e inaceitável, deve fazer. Tentou perceber a extensão do que correu mal no passado, e deu ordens para parar imediatamente qualquer partilha de dados com qualquer organização que não a PSP. Disse também que os serviços em causa iriam ser reformulados na sequência dessa auditoria”, especificou Duarte Cordeiro.

Depois, o líder da FAUL do PS deixou várias críticas à forma como algumas forças políticas reagiram a este caso, apontando, sobretudo, o candidato do PSD à Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, o presidente do CDS-PP, Francisco Rodrigues dos Santos, e o líder social-democrata, Rui Rio.

“O que temos assistido na praça pública pelos mais variados partidos, na sequência deste caso lamentável, é também lamentável e escusado. Acusações de cumplicidade com Putin, como disse Carlos Moedas, ou de terrorismo político, como afirmou líder CDS, são delirantes e um absurdo”, advogou.

Duarte Cordeiro considerou mesmo que se assiste a “uma tentativa de escalada política inaceitável no tom e no propósito, que têm muito mais a ver com a proximidade de uma campanha do que com qualquer preocupação com os ativistas”.

“Medina, para quem está esquecido, recebeu há três meses na CML a líder deposta da Bielorrússia e principal rosto da oposição democrática. Ontem mesmo (quinta-feira) disse em público que se revia nos propósitos da manifestação”, observou o ex-vice-presidente da Câmara de Lisboa.

Já em relação ao presidente do PSD, Duarte Cordeiro defendeu que Rui Rio procurou sobretudo ligar o primeiro-ministro, António Costa, a este caso.

“Rui Rio prova que está muito pouco interessado em esclarecer o que se passou e que esses procedimentos sejam corrigidos. Tenta sobretudo entrar pelo campo do aproveitamento político mesquinho”, acrescentou.

PSD na Câmara de Lisboa vai pedir responsabilidades a Fernando Medina

O PSD na Câmara de Lisboa vai pedir responsabilidades ao presidente Fernando Medina, que acusa de ter sido incompetente ou de ter mentido neste caso.

O vereador social-democrata João Pedro Costa afirmou esta sexta-feira que a bancada do PSD na autarquia vai levar o caso à próxima reunião camarária devido à gravidade da situação e à sua dimensão política.

Não é razoável, não é aceitável, que, num Estado democrático e num país onde vigora a liberdade, se denunciem, se ‘chibem’, os nomes das pessoas que lutam pela democracia noutros países com regimes de mão de ferro. Esta realidade tem uma dimensão política incontestável. O PSD não condescende com regimes não democráticos e com a perseguição de pessoas por regimes não democráticos”, disse.

João Pedro Costa destacou que a Câmara Municipal não expôs apenas estes organizadores perante estes regimes, mas também os seus familiares, que podem estar a sofrer ou vir a sofrer represálias, quando o caso sair da esfera mediática.

“Há aqui uma dimensão política que não pode ser escamoteada e que tem que ter uma explicação inequívoca e uma responsabilização. Esse é um dado muito importante. Perante situações desta gravidade, o responsável não pode ser o contínuo outra vez. Claramente, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa vai ter que dar explicações sobre esta matéria”, disse.

Segundo o vereador, há outra dimensão que agrava esta situação, “que é a inconsistência das explicações do presidente da Câmara Municipal de Lisboa.

Num momento, diz que soube há dois ou três dias. Noutro momento, disse que alterou os procedimentos em abril. Das duas uma: ou está a mentir ou é incompetente. Se só soube agora, vai ter de explicar na reunião de Câmara como é que os serviços de Câmara alteraram os procedimentos”, acrescentou.

O vereador destacou ainda que “alguém foi responsável em abril por alterar um procedimento institucional da relação formal da Câmara Municipal de Lisboa com os países estrangeiros através das suas embaixadas” e afirmou não querer acreditar “que os serviços da Câmara Municipal de Lisboa apoiem procedimentos a este nível de responsabilidade sem validação política”.

“Se este tipo de alterações de procedimentos acontecem sem conhecimento do presidente de Câmara estamos muito mal. Estamos perante uma grande incompetência. Que outros procedimentos de alteração de regras na Câmara Municipal de Lisboa estarão a ser alterados neste momento sem o conhecimento do presidente da Câmara Municipal?”, questionou.

“Há aqui gato escondido com o rabo de fora e o gato é o presidente Fernando Medina. Vai ter que esclarecer. Sabia ou não em abril destas situações? Da situação da embaixada da Rússia e depois das outras todas que estão agora a vir a público. Se sabia, porque é que mentiu? Se não sabia, que outras alterações de procedimento estão a acontecer na Câmara sem que ele também saiba? Isto é: afinal quem é que manda na Câmara?”, acrescentou.

PSD e JSD de Lisboa entregam matrioscas e garrafa de vodka a Fernando Medina

O PSD e a Juventude Social Democrata (JSD) entregaram, esta sexta-feira, matrioscas e uma garrafa de vodka ao presidente da Câmara de Lisboa.

Segundo um comunicado enviado às redações, o presidente da distrital de Lisboa do PSD, Ângelo Pereira, entregou a Fernando Medina “umas matrioscas” para dizer que “não pode continuar a esconder-se e a arranjar desculpas esfarrapadas para uma polémica que já devia ter resultado na (sua) demissão”.

Por outro lado, o presidente da distrital de Lisboa da JSD entregou ao autarca uma garrafa de vodka russa, “para que perante um cenário de eminente demissão possa afogar as suas mágoas”.

Os dirigentes das duas estruturas foram recebidos por dois assessores de Fernando Medina, durante uma manifestação promovida pela JSD contra o fornecimento dos dados de promotores de manifestações a nações estrangeiras, em frente à Câmara Municipal de Lisboa.

Créditos: JSD

Bloco quer levantamento sobre procedimentos de todas as câmaras

Já o Bloco de Esquerda defendeu que o parlamento tem obrigação de esclarecer quais as práticas seguidas pelas câmaras municipais em Portugal na informação recolhida sobre a realização de manifestações, requerendo um levantamento com uma “descrição rigorosa” dos procedimentos.

O BE pediu ainda — num outro requerimento – a audição urgente da presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados, para prestação de esclarecimentos sobre esta matéria.

De acordo com o requerimento a que a agência Lusa teve acesso, os bloquistas defendem que “deve o parlamento assumir como sua a obrigação de cabal esclarecimento das práticas seguidas pelas câmaras municipais neste domínio, tendo em vista a erradicação de quaisquer atuações que façam perigar os direitos humanos de quem exerce o seu direito à liberdade de manifestação”.

Por isso, o BE pretende que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias “obtenha de todas as câmaras municipais do país descrição rigorosa dos procedimentos seguidos em matéria de tramitação da informação constante do aviso de realização de manifestações previsto no número 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto”.

O país tomou conhecimento de que a Câmara Municipal de Lisboa remeteu a diversas representações diplomáticas acreditadas em Portugal informações sobre os dados pessoais de responsáveis pela organização de manifestações, autorizadas pelo município, relativas à situação política vivida nos países respetivos. Tal terá acontecido, pelo menos com as embaixadas de Israel, da República Popular da China, da Venezuela e da Rússia”, refere o mesmo documento.

Esta informação, segundo o BE, “não resulta de uma obrigação legal”, mas sim “constitui uma prática aparentemente instalada desde que, em 2011, a competência de receção e tratamento da informação prévia sobre a realização de manifestações deixou de ser dos Governos Civis e passou a ser das Câmaras Municipais”.

“A extrema gravidade da situação criada com aquela prática de informação às representações diplomáticas é inequívoca”, condena, considerando que “está em causa a violação grosseira da proteção de dados pessoais” e, nessa sequência, “o perigo de exposição” dos organizadores de manifestações “a represálias contra si mesmos e as suas famílias”.

Para o partido liderado por Catarina Martins, “um Estado amigo dos direitos humanos não pode tolerar práticas destas em nenhuma circunstância”.

“Cuidar da democracia é também ter a certeza que as pessoas se sentem seguras nas suas comunicações com as entidades públicas, seguras dos exercícios dos seus direitos”, afirmou Catarina Martins, em Torres Vedras, defendendo que, no que respeita ao poder local, “aquele que está mais próximo [das populações]” a “exigência tem de ser máxima”.

“Seguramente que é muito grave que o Estado português partilhe dados com outros países”, mas, acrescentou, “é também grave” que as autarquias partilhem dados com outras entidades nacionais, sendo conhecidas “as perseguições quando ambientalistas marcam uma concentração ou uma manifestação e a empresa poluidora, contra a qual se manifestam, tenha acesso a quem está a organizar essa manifestação”. Ou quando “trabalhadores marcam uma manifestação contra, por exemplo, uma entidade patronal que não paga os salários ou que os sujeita à mais violenta precariedade” que essa empresa tenha conhecimento de quem marca a manifestação.

Para o BE “é grave que haja uma banalização da proteção dos dados e que não haja o cuidado que tem de ser dado à democracia e à liberdade de organização de manifestação e de protestos”.

Candidato do PCP considera situação grave e diz que não deve repetir-se

O candidato comunista à Câmara de Lisboa João Ferreira considerou que a divulgação de dados de organizadores de manifestações a embaixadas é uma situação grave e pede uma mudança rápida de procedimentos para que não volte a acontecer.

“É incompreensível, é injustificável e é grave que a Câmara tenha enviado dados pessoais de cidadãos para entidades externas que não a Polícia de Segurança Pública, neste caso embaixadas. É uma situação grave, uma situação que não deveria ter acontecido em nenhum momento, não apenas neste último (caso), mas também nos casos anteriores”, disse o também vereador, considerando que “a Câmara deve desde já instaurar os procedimentos que garantam que isto não volta a acontecer”.

João Ferreira sublinhou que os esclarecimentos já prestados pela autarquia apontam “para o facto de se tratar de um procedimento instituído”, pelo que não se trata apenas do “caso singular” em relação a um protesto contra a Rússia, mas de “um conjunto de casos em que terão sido transmitidos a entidades diversas dados pessoais de organizadores de manifestações”, violando “disposições legais que protegem dados pessoais”.

“Não identificamos na lei elementos que possam justificar este procedimento da Câmara”, acrescentou.

O vereador candidato sublinhou ainda que, de acordo com informação que veio a público, mesmo em casos em que as manifestações se realizaram em locais longe das embaixadas, estas receberam dados pessoais dos manifestantes.

Isto é outra questão que é necessário fazer neste momento. Além de garantir desde já a adoção dos procedimentos que impedem que algo desta gravidade volte a acontecer, é necessário apurar em que situações é que aconteceu, em que situações este procedimento foi aplicado e porquê. A Câmara disse que estava em curso uma auditoria para inventariar todas as situações em que isso tivesse acontecido. É essencial que seja prestado um esclarecimento público sobre isso o mais rapidamente possível, até para haver o mais cabal apuramento de responsabilidades”, considerou.

Livre exige a Medina “medidas decisivas” que devolvam “confiança e credibilidade”

O Livre considerou essencial que a Câmara Municipal de Lisboa tome “medidas decisivas” que devolvam “a confiança e a credibilidade” do município em matéria de defesa de Direitos Humanos, depois da partilha de dados de manifestantes russos.

Em comunicado, o Livre Lisboa aponta como “extremamente preocupantes as informações que dão conta que a Câmara Municipal de Lisboa partilhou dados de ativistas pró-democracia russos com a Embaixada Russa em Lisboa e com o Ministério dos Negócios Estrangeiros Russo”.

“Igualmente graves são as informações (já conhecidas desde 2019) de que tem sido prática da Câmara Municipal de Lisboa informar as representações diplomáticas de Estados estrangeiros de quaisquer ações ou manifestações na cidade que visem o respetivo Estado. Tal terá sucedido com Israel, China e Venezuela, e tal procedimento ocorrerá desde a extinção dos Governos Civis, em 2011”, lê-se na nota.

Lembrando que, “como é público”, o Livre tem tido conversações com o PS “tendo em vista uma eventual coligação pré-eleitoral nestas eleições autárquicas na cidade de Lisboa”, este partido considera “essencial que sejam tomadas medidas que devolvam a confiança e a credibilidade da cidade em matéria de defesa de Direitos Humanos”.

“Reconhecemos como positiva a assunção de responsabilidade feita pelo Presidente Fernando Medina e a importância de, como foi anunciado, os procedimentos internos da CML nesta matéria serem auditados e alterados em conformidade. Porém, recusamos e repudiamos posições taticistas de instrumentalização da defesa dos Direitos Humanos e de uma questão com esta importância com o objetivo de ganhos políticos e eleitorais imediatos”, vinca esta força política.

Na nota lê-se ainda que os deputados do Livre na Assembleia Municipal de Lisboa vão apresentar na próxima reunião deste órgão várias propostas que consideram que devem ser implementadas pela CML.

Para o Livre, a CML deve “no imediato, trabalhar juntamente com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, tomando as medidas necessárias para garantir a segurança e proteção aos ativistas que viram os seus dados indevidamente partilhados com embaixadas de regimes autocráticos” e proceder “a uma auditoria profunda aos serviços e procedimentos para averiguar concretamente o número de ocorrências semelhantes às noticiadas e que tome todas as medidas necessárias para corrigir eventuais ilegalidades e erros cometidos”.

“A médio prazo, o Livre defende a criação em Lisboa de uma Provedoria dos Direitos Humanos, que, de forma independente, possa controlar a ação da CML e dos seus serviços, recomendar alterações de procedimentos e medidas a tomar, bem como a adesão do Município à Rede Internacional de Cidades Refúgio, organização independente de cidades e regiões que oferecem refúgio a escritores e artistas em risco, tendo em vista promover a liberdade de expressão, a defesa dos valores democráticos e a solidariedade internacional”, acrescenta-se no comunicado.