É preciso andar mesmo muito distraído para não saber que a produção de séries na Coreia do Sul é tão intensa e variada como a de filmes. Há muitas disponíveis nas plataformas de “streaming”, em especial na Netflix, e pelo menos uma das operadoras de cabo disponibiliza um grande canal de televisão sul-coreano em que também podemos ver várias delas. É precisamente na Netflix, que encontramos “Vincenzo”, escrita por Jae-bum Park e realizada por Kim won-Hui, e que funciona na modalidade de bufete farta-brutos, tal o afã narrativo, a acumulação de peripécias, a abundância de enredos paralelos, a quantidade de personagens, e a coexistência de registos. Tudo  encaixado em 18 episódios, quase todos com a duração de um filme de longa-metragem. Não é série para apetites frugais.

Vincenzo Cassano (interpretado pelo angélico Joong ki-Soong com tanto de impassível como de implacável) é um italo-americano que foi abandonado em bebé pela mãe e adotado e criado em Itália por uma grande família mafiosa, da qual se tornou o advogado e conselheiro. Quando o seu pai adotivo morre e o irmão o tenta assassinar, Vincenzo foge para a Coreia do Sul, onde tem o futuro garantido. Há um cofre secreto na cave de um prédio de Busan de que é proprietário através de um testa-de-ferro, construído para um oligarca chinês lá esconder uma fortuna em ouro – e este morreu de um ataque de coração. O prédio tem uma série de inquilinos, cada um mais patusco que o outro, e é cobiçado pelo Grupo Babel, um conglomerado mafioso, para o demolir e lá erguer um moderno arranha-céus.

[Veja o “trailer” de “Vincenzo”:]

Aliado a um veterano advogado de direitos civis, à filha deste, também advogada, e aos inquilinos, Vincenzo vai aplicar tudo aquilo que aprendeu com a máfia italiana para cair em cima do Grupo Babel. E é um confronto que dá pano quilométrico para mangas a esta série onde há espaço para tudo – ação todo-o-terreno, “suspense”, drama familiar e de tribunal, denúncia social, comédia negra e “slapstick”. Até mesmo para os autores brincarem com o seu oscarizado compatriota Bong Joon-Ho, quando logo no início, uma das personagens diz a Vincenzo que o seu “Parasitas” deu “mau nome no estrangeiro à Coreia do Sul”.

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Com o seu atarefadíssimo enredo a abarrotar de surpresas, reviravoltas, imprevistos e “cliffhangers”, a lembrar aliás os dos velhos “serials” americanos, “Vincenzo” leva a sua avante graças à inventividade em rajada e à coesão anti-sísmica do argumento — que tal como um malabarista de circo mantém vários pratos a girar ao mesmo tempo, consegue sustentar um enredo principal e vários secundários, e fazer coabitar tons totalmente diferentes –, a uma realização a mata-cavalos, que alinha situação forte atrás de situação forte sem tempos mortos, e ao seu enorme elenco, liderado por um Joong ki-Soong vestido pelos mais exclusivos alfaiates italianos e pela bonita e irrequieta Cho Yeo-jeong na causídica rival que depois se passa para o seu lado.

[Veja uma cena de “Vincenzo”:]

“Vincenzo” pinta, com algum exagero que espelha o do próprio argumento, a Coreia do Sul como uma sociedade pesadamente corrupta, onde as grandes empresas e os escritórios de advocacia poderosos fazem concorrência aos clãs mafiosos, comprando polícias, magistrados e jornalistas com toda a naturalidade; e tem um divertido “gag” recorrente sobre a dificuldade que os coreanos têm em pronunciar o nome “Vincenzo Cassano”, o que por vezes ameaça quebrar a fleuma gelada do protagonista. Com as suas 18 partes de quase hora e meia cada uma, “Vincenzo” é entusiástica e especialmente recomendado aos incondicionais de tudo aquilo que mexa em termos de cinema e série sul-coreanas (ou “K-dramas”, para abreviar). Sobretudo se sofrerem de insónias ou estiverem em isolamento em casa.

“Vincenzo” está disponível na Netflix