Há uma sensação de renascimento nestes regressos ao antigamente — que não foi assim há tanto tempo. As coleções passadas cingiram-se a um ecrã, com apresentações somente digitais que provocaram algumas ausências de peso nos habituais nomes que desfilam na Semana da Moda de Londres. A apresentação das novidades para a primavera de 2022 arrancou no dia 16 de setembro e tem abraçado um modelo híbrido com grande parte das apresentações em formato físico, mas com muitas marcas e designers a continuarem a assumir o digital como o presente e o futuro de uma moda pós-pandémica.

Num calendário já mais composto, celebraram-se duas datas redondas: os 15 anos de Erdem, comemorados com uma coleção inspirada nos séculos passados, e os 50 anos de Mulberry, selados com uma parceria com Richard Malone.

Houve também quem mergulhasse por inteiro nesta loucura que é uma semana da moda, foi o caso de Rejina Pyo, que apresentou a sua coleção num pavilhão aquático profissional com direito a mergulhos sincronizados e tudo. JW Anderson regressou, ainda que digitalmente, e despiu o fotógrafo Juergen Teller para uma coleção focada naquilo que é essencial.

Rejina Pyo

Rejina Pyo não esteve para meias medidas e trocou as tradicionais passerelles por pranchas de mergulho — sim, isto porque a designer apresentou a sua coleção no London Aquatic Centre. A designer queria canalizar as ânsias geradas no último ano pela tão desejada liberdade depois de uma pandemia que restringiu tudo. E onde é que Rejina se sente mais livre? Na água, daí a escolha de um cenário fora do circuito habitual das modas.

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Pyo acabou por apresentar uma coleção colorida e inspiradora que fundia a sua conhecida alfaiataria com peças mais arriscadas, alguns modelos bodycon, tecidos transparentes e padrões. As peças têm um ar mais descontraído que o habitual, com muitas malhas, e algumas delas impressas com fotografias que a designer tirou em Seul e Nova Iorque, e que são “fragmentos de memórias de viagens passadas”, disse à Vogue. “Acho que estava a olhar para eles com uma sensação de nostalgia, pareciam evocar dias mais livres. Gostava que as pessoas se sentissem um pouco ingénuas, quando não havia nada com que se preocuparem”. As nadadoras da equipa olímpica britânica,Robyn Birch, Emily Martin e Josie Zillig, acabaram por protagonizar o momento épico do dia quando se posicionaram em frente às modelos e se atiraram de cabeça — mas em mergulhos coreografados — no início e no final do desfile de Pyo, vestindo fatos de banho da designer feitos de nylon reciclado. Também as calças de ganga da coleção foram feitas em ganga orgânica.

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Simone Rocha

Em plena igreja medieval de St Bartholomew, Simone Rocha volta aos desfiles presenciais e logo em apoteose para retratar em criações vestíveis a experiência e a realidade daquilo que é trazer um bebé ao mundo. O cenário escuro contrastava desde logo com os tons angelicais de quase toda a coleção marcada por camadas e camadas de bordado inglês, golas exageradas, rendas e tules brancos, xailes e saias volumosas com fitas de cetim enfiadas em ilhós numa alusão a cerimónias como o batizado. “Muito disto obviamente veio de um lugar muito maternal”, admitiu Simone Rocha à Vogue que recentemente foi mãe.

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Foi um desfile sobre novos começos e uma nova vida, com muitas texturas nas peças, uma vez que a designer quis que neste regresso ao físico as pessoas pudessem ter outra perspetiva da coleção. Também a referência aos soutiens pós-natal está presente em algumas criações que se sobrepõem a outros tecidos trabalhados, fazendo deles uma peça elegante, ao contrário da habitual visão desse tipo de vestuário. A coleção apresenta também alguns casacos estruturados com tecidos que pareciam edredons antigos, assim como vestidos que abrem à frente e atrás, que Simone diz serem necessários para a amamentação. O tema acabou distorcido para também dar destaque a alguns dos lados mais sombrios da maternidade, como as noites sem dormir e a angústia — isto tudo com as criações mais escuras com que fechou o desfile.

Erdem

“Esta coleção é uma carta de amor à alma idiossincrática de Londres, contada numa dança entre duas mulheres extraordinárias e intemporais: Edith Sitwell e Ottoline Morrell”, explicou Erdem Moralioglu sobre o seu último desfile citado pela Harper’s Bazaar. “Juntas, elas encapsulam o espírito fervoroso da cidade que, para mim, é uma inspiração sem fim…Erdem é — e sempre foi — sobre o fortalecimento da expressão individual”. A celebração dos 15 anos da marca assumiu contornos mais sóbrios do que se esperava quando se fala em Erdem, que apresentou a mais recente coleção no British Museum. “Ambas as mulheres viviam fora do tempo em que realmente viviam: Ottoline Morrell vestia uma espécie de vestido eduardiano na década de 1930, e Edith Sitwell vestia-se com algo de medieval. Foram deslocadas e desarticuladas em termos de tempo e ritmo”, observou Moralioglu à Vogue.

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É habitual a marca viajar pelos anais da história para criar coleções que são autênticas narrativas que desfilam pelas passerelles. Bordados ingleses vêm novamente à baila e desfilam entre as colunas do museu, há também saias florais acolchoadas e outras longas a marcar a silhueta, há laçadas dramáticas aqui e acolá, vestidos de renda embrulhado em malhas e, claro, as flores, senhores, as flores não faltaram a uma celebração destas. Houve também modelos masculinos a desfilarem a sua coleção lustrosa e romântica, com padrões botânicos a marcar o passo. No fim do desfile, dois arco-íris surgiram para provar que a fantasia de Moralioglu não está ultrapassada.

Marques‘Almeida

É mais uma edição em que a dupla Marques’Almeida volta à Semana da Moda londrina, ainda que continuem em formato digital numa coleção que integra o lançamento do segundo número da publicação periódica da marca – SEE-THROUGH ISSUE 2. Em fevereiro, Marta Marques e Paulo Almeida convidaram Nenny para ser a estrela num formato que combinou música e moda e revelou, durante a atuação da rapper, alguns visuais da coleção. Agora, nesta publicação periódica, a dupla dedica a edição aos fabricantes, representando processos e valores que defendem uma indústria da moda mais transparente.

“Somos constantemente moldados e elevados pelas pessoas que nos rodeiam: artistas, criadores, artesãos, profissionais da indústria, jornalistas, modelos. Pensamos que este lado é demasiadas vezes negligenciado na moda. Adoramos as pessoas. Praticar a comunidade é invisível: significa cuidar, nutrir, honrar, capacitar”, referem os designers, que partem do mote “Diversidade Radical” para este novo número. As roupas M’A foram enviadas em caixas para Lisboa, Nova Deli, Londres e Belém para serem usadas por jovens fotógrafos talentosos, estilistas, artistas visuais e ativistas para transformar as peças da marca “em algo muito mais poderoso”, dizem. Nele constam Labô Young, artista visual e stylist, Evar Hussayini, artista centrada nas genealogias curdas, feminismo e violência colonial, o fotógrafo indiano Nishanth Radhakrishnan, e o fotógrafo português Rui Palma, já com vários projetos de moda e de autor.

Victoria Beckham

A ex-Spice decidiu adotar a abordagem digital numa edição de regresso ao físico — isto apesar de ter aberto, por marcação hiper-exclusiva, a sua loja em Dover Street para uma apresentação privada. A designer diz ter sido atraída pela “elegância de um verão europeu” com “fatos de linho, vestidos fluídos e pores do sol” e, por isso, a coleção que Victoria trouxe à luz do do dia tem traços e silhuetas masculinas e despreocupadas, para dar a ideia de “um casal partilhar o seu guarda roupa de férias”, explicou à Harper’s Bazaar, dizendo que se inspira muito naquilo que o marido David Beckham veste nas férias.

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Mas este gene de vestuário masculino não é novidade em Victoria que, de alguma forma, já tem dado a conhecer várias coleções com estes traços — nesta em específico saltam à vista as gabardinas, as camisas e as calças fluídas, com uma clara alfaiataria refinada e definida ao detalhe, ainda que pareça sem esforço. Os vestidos longos são as peças chave da coleção, acetinados e alguns com impressões de silhuetas de outros vestidos. Nas imagens editoriais divulgadas pela designer, surgiram também duas saias especiais — em azul e laranja metalizados — e bem estruturadas, combinadas com malhas, e a isto Victoria diz serem materiais polarizantes, que a inspiram e desafiam.

Roland Mouret

O designer, conhecido pelo seu eterno Galaxy Dress, desafiou as apresentações convencionais e até as digitais, optando por apresentar um pequeno filme que esteve nas mãos da atriz, escritora e realizadora Magaajyia Silberfeld, que recriou o mito de Ulisses do ponto de vista da deusa das mulheres, Hera. A diferença é que os atores vestiam as roupas do designer francês, que com o tecido fez a sua magia moldando-o diretamente ao corpo dos atores-manequins, e desta aventura cinematográfica, acabou por sair destacada a peça-chave — um vestido cocktail leve, que seja o melhor amigo da mulher. O denominador comum entre o filme e esta coleção de Roland Mouret era a sensualidade de feminina de verão, com muita cor e peças com diferentes cortes que iam deixando pele à mostra, como se quer para a estação quente.

Richard Malone x Mulberry

Para celebrar os 50 anos da marca, a Mulberry chamou Richard Malone para ser o designer responsável pela mais recente colaboração da icónica casa britânica. A coleção foi apresentada durante o desfile de Malone no Victoria & Albert Museum e tem imprimida a arrojada linguagem própria do designer, que deu nova roupagem aos modelos Darley e Bayswater. O ponto de partida para a coleção cápsula foi a adaptabilidade e longevidade das carteiras, sendo que Malone se inspirou nos próprios arquivos da Mulberry e diz ter ficado impressionado com “o pragmatismo, o propósito e a confiança silenciosa dos desenhos”, e a forma como se podiam adaptar sem esforço às exigências de um estilo de vida atarefado e encaixar perfeitamente num guarda-roupa durante décadas. A Mulberry cedeu algumas peles das suas carteiras para Malone aplicar em algumas roupas da sua coleção.

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JW Anderson

Jonathan Anderson chegou em formato digital, com uma série de autorretratos do conhecido artista e fotógrafo de moda Juergen Teller, onde este aparece seminu num formato calendário. JW Anderson planeia voltar a apresentar em passerelle na próxima estação, ainda que de um novo ponto de vista pós-pandemia. Nesta coleção, o designer quis despir-se do que é acessório, concentrando-se apenas no que era necessário, na essência do vestuário.

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Na coleção são vistos alguns vestidos em tons escuros com transparências, que deixavam visível a roupa interior, outros vestidos às riscas e com franjas, enfim, uma pequena pausa na androginia habitual para uns laivos de sensualidade feminina — aponta a WWD. Numa entrevista, Anderson descreveu esses vestidos como “uma página nova e em branco”.