794kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

“Vida de Artistas”. Um triângulo amoroso na última encenação do “mestre, chefe e amigo” Jorge Silva Melo

Este artigo tem mais de 2 anos

Encenador Jorge Silva Melo morreu a poucos dias da estreia da "Vida de Artistas" no São Luiz, em Lisboa (até 10 de abril). O Observador assistiu a um dos ensaios e falou com a atriz Rita Brütt.

Ensaio de imprensa da peça "Vida de Artistas”. Uma peça de Noël Coward, com encenação de Jorge Silva Melo, numa coprodução Artistas Unidos, Teatro Nacional São João e São Luiz Teatro Municipal. A tradução é de José Maria Vieira Mendes e a interpretação cabe a Américo Silva, Ana Amaral, Antónia Terrinha, Jefferson Oliveira, Nuno Pardal, Pedro Caeiro, Pedro Cruzeiro, Raquel Montenegro, Rita Brütt e Tiago Matias. Lisboa, 21 de Março de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR
i

Nuno Parda, Pedro Caeiro e Rita Brütt, o trio que protagoniza esta "Vida de Artistas"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Nuno Parda, Pedro Caeiro e Rita Brütt, o trio que protagoniza esta "Vida de Artistas"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

“Queres fazer uma femme fatale?”, perguntou-lhe Jorge Silva Melo. A resposta de Rita Brütt foi positiva e imediata. Nessa altura ainda ninguém adivinhava que “Vida de Artistas” seria a última peça do encenador.

“O Jorge estava frágil, a recuperar de uma operação, mas sempre foi franco e honesto com todos. Enquanto foi possível, veio sempre trabalhar. A expectativa de todos nós era que melhorasse”, explica a atriz que interpreta Gilda, uma das personagens principais de “Vida de Artistas”. A partir do texto de Noël Coward, estreia-se no Teatro São Luiz, em Lisboa, esta quarta-feira, 23 de março, apenas nove dias após a morte de Jorge Silva Melo.

Manter a peça em cena, tal como estava previsto, é uma homenagem, mas não deixa de ser um sentimento agridoce por o encenador não ter chegado a ver o seu último projeto ganhar vida em palco. A voz de Rita Brütt treme, a atriz faz uma pausa para se recompor antes de continuar. “É muito complicado. Além de nosso mestre e chefe, o Jorge era nosso amigo. É muito triste perder um amigo.”

Mudamos o tom da conversa para que possamos continuar. A presença de Jorge Silva Melo sente-se em todos os detalhes de “Vida de Artistas”. Foi dele a escolha do texto e a construção da equipa, as indicações que deixou mantêm-se e estão agora nas mãos do encenador António Simão. “O trabalho estava lá, mas é sempre preciso um olhar exterior e o António Simão tem sido de uma enorme generosidade. Foi ouvindo e dando o seu feedback. Quando passamos da sala de ensaios para o palco há muitas decisões a tomar e ele assumiu-as.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ensaio de imprensa da peça "Vida de Artistas”. Uma peça de Noël Coward, com encenação de Jorge Silva Melo, numa coprodução Artistas Unidos, Teatro Nacional São João e São Luiz Teatro Municipal. A tradução é de José Maria Vieira Mendes e a interpretação cabe a Américo Silva, Ana Amaral, Antónia Terrinha, Jefferson Oliveira, Nuno Pardal, Pedro Caeiro, Pedro Cruzeiro, Raquel Montenegro, Rita Brütt e Tiago Matias. Lisboa, 21 de Março de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

“Vida de Artistas” estará em cena na Sala Luis Miguel Cintra do Teatro São Luiz entre 23 de março e 10 de abril

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

É precisamente no palco na Sala Luís Miguel Cintra que se definem os últimos detalhes a pouco mais de 48 horas da estreia desta produção dos Artistas Unidos, a companhia criada por Jorge Silva Melo em 1995. Do lado esquerdo está o cenário: uma parede bege escuro define os limites daquilo que mistura uma sala de estar e um estúdio de pintura, há um sofá amarelo, uma secretária, um banco redondo, um cavalete e pouco mais.

“Senhores atores, venham aqui se fazem favor”, diz António Simão enquanto se aproxima com o texto numa das mãos. “Rita, experimenta então agora só duas coisinhas.” Seguem-se alguns minutos de indicações. O elenco prepara-se para fazer um ensaio corrido, interpretando a peça do início ao fim. São cerca de duas horas. “Então, muita merda”, grita Simão antes de se instalar numa cadeira da plateia.

Desce o pano vermelho para subir de imediato uns segundos depois. São 16h17, que comece “Vida de Artistas”. Gilda recebe Ernest, um velho amigo e negociante de arte. Rapidamente ele percebe que alguma coisa a perturba e aos poucos, através deste diálogo, vamos sendo introduzidos ao tema da peça e às duas outras personagens importantes, Otto e Leo. Com Gilda formam um triângulo amoroso, um escândalo aos olhos da sociedade dos anos 30 (e dos anos 2020?), época em que se passa a ação e em que foi igualmente escrita a peça.

“Eu amo-te, tu amas-me. Eu amo o Otto, tu amas o Otto. O Otto ama-te, o Otto ama-me”, sintetiza Leo (Pedro Caeiro) depois de emergir do quarto (fora de cena), de sapatos na mão, ao ponderar com Gilda se a decisão de se envolverem na noite anterior foi ou não a correta.

Por esta altura, Gilda vive com Otto, embora não consiga imaginar-se presa num compromisso como o casamento. Mais tarde irá trocá-lo por Leo e depois decidirá que não faz falta a nenhum dos dois. “São os conflitos de uma mulher que ama demasiado”, analisa Rita Brütt. “Ela escolhe amar estes dois homens. Não se julga, mas luta contra o julgamento dos outros. Se ainda hoje é complicado, imaginemos nos anos 30. A sociedade nunca olhou para homens e mulheres da mesma forma. E continua a não olhar. Eu tenho 39 anos e, das primeiras vezes que comecei a ensaiar depois de ter tido a minha filha, perguntavam-me: ‘O que é que fizeste à tua criança?’ Tenho a certeza que não perguntariam o mesmo aos meus colegas homens.”

Ensaio de imprensa da peça "Vida de Artistas”. Uma peça de Noël Coward, com encenação de Jorge Silva Melo, numa coprodução Artistas Unidos, Teatro Nacional São João e São Luiz Teatro Municipal. A tradução é de José Maria Vieira Mendes e a interpretação cabe a Américo Silva, Ana Amaral, Antónia Terrinha, Jefferson Oliveira, Nuno Pardal, Pedro Caeiro, Pedro Cruzeiro, Raquel Montenegro, Rita Brütt e Tiago Matias. Lisboa, 21 de Março de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR Ensaio de imprensa da peça "Vida de Artistas”. Uma peça de Noël Coward, com encenação de Jorge Silva Melo, numa coprodução Artistas Unidos, Teatro Nacional São João e São Luiz Teatro Municipal. A tradução é de José Maria Vieira Mendes e a interpretação cabe a Américo Silva, Ana Amaral, Antónia Terrinha, Jefferson Oliveira, Nuno Pardal, Pedro Caeiro, Pedro Cruzeiro, Raquel Montenegro, Rita Brütt e Tiago Matias. Lisboa, 21 de Março de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR Ensaio de imprensa da peça "Vida de Artistas”. Uma peça de Noël Coward, com encenação de Jorge Silva Melo, numa coprodução Artistas Unidos, Teatro Nacional São João e São Luiz Teatro Municipal. A tradução é de José Maria Vieira Mendes e a interpretação cabe a Américo Silva, Ana Amaral, Antónia Terrinha, Jefferson Oliveira, Nuno Pardal, Pedro Caeiro, Pedro Cruzeiro, Raquel Montenegro, Rita Brütt e Tiago Matias. Lisboa, 21 de Março de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR Ensaio de imprensa da peça "Vida de Artistas”. Uma peça de Noël Coward, com encenação de Jorge Silva Melo, numa coprodução Artistas Unidos, Teatro Nacional São João e São Luiz Teatro Municipal. A tradução é de José Maria Vieira Mendes e a interpretação cabe a Américo Silva, Ana Amaral, Antónia Terrinha, Jefferson Oliveira, Nuno Pardal, Pedro Caeiro, Pedro Cruzeiro, Raquel Montenegro, Rita Brütt e Tiago Matias. Lisboa, 21 de Março de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

“O Jorge [Silva Melo] sempre teve uma enorme atenção ao nosso trabalho. Dava-nos espaço para experimentar e só depois dava as indicações dele. Sempre nos sentimos muito ouvidos”

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Rita Brütt diz estar “extraordinariamente calma e desejosa de estrear”. Essa segurança é palpável em palco. É ela o fio condutor que vai guiando este bailado de personagens e é também ela a sussurrar uma deixa quando é preciso. “Há uma coisa…”, sopra discretamente a Nuno Pardal (Otto) quando um silêncio inesperado toma conta da cena. O ator recorda-se de imediato do respetivo texto e a engrenagem volta a funcionar na perfeição.

O texto, traduzido por José Maria Vieira Mendes, é impactante, tem considerações certeiras aqui e ali (“o sucesso é bem mais perigoso do que o falhanço”) e sarcástico. “Todas as hormonas do meu corpo estão a fazer horas extraordinárias”, atira Gilda logo no início. De um estúdio decrépito em Paris para um apartamento em Londres com direito a empregada, saltando para uma penthouse em Nova Iorque — a ascensão e o sucesso não acabam com os problemas do triângulo principal, preso numa ligação que não tem propriamente descrição possível para quem vê de fora.

Gilda é muito mais do que a femme fatale que Jorge Silva Melo prometera e Rita Brütt dá-lhe a complexidade de uma mulher que luta contra todos os estereótipos onde querem encaixá-la. A construção da personagem foi um trabalho de equipa, garante a atriz.

“O Jorge sempre teve uma enorme atenção ao nosso trabalho. Dava-nos espaço para experimentar e só depois dava as indicações dele. Sempre nos sentimos muito ouvidos.”

Os reparos que farão a diferença na sua interpretação, esses, Rita Brütt guardará só para ela, mas há uma imagem que lhe ficou gravada que não se importa de partilhar. “Nos ensaios, quando o Jorge já estava muito cansado e a tomar medicação, às vezes parecia que estava a fazer uma pausa, de olhos fechados. Depois abria os olhos e dizia a coisa certeira. A verdade é que ele sabia mais do que todos nós, sabia mais a dormir do que nós acordados”.

“Vida de Artistas” estará em cena na Sala Luis Miguel Cintra do Teatro São Luiz entre 23 de março e 10 de abril. As sessões acontecem às 20 horas (de quarta-feira a sábado) e às 17h30 (no domingo). Os bilhetes custam entre 12€ e 15€. Estão disponíveis nas bilheteiras online ou no local.

Assine o Observador a partir de 0,18€/ dia

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Vivemos tempos interessantes e importantes

Se 1% dos nossos leitores assinasse o Observador, conseguiríamos aumentar ainda mais o nosso investimento no escrutínio dos poderes públicos e na capacidade de explicarmos todas as crises – as nacionais e as internacionais. Hoje como nunca é essencial apoiar o jornalismo independente para estar bem informado. Torne-se assinante a partir de 0,18€/ dia.

Ver planos