Depois de três meses de guerra e de a Rússia ter desistido de derrubar o governo ucraniano, o Kremlin concentrou as suas forças no Donbass. Neste momento, a proporção de forças na região é de sete soldados russos para um ucraniano, de acordo com o Daily Telegraph. Segundo um responsável ucraniano, o Kremlin está a deslocar “um número louco” de tropas e de equipamento militar para a região. Este pode ser o tudo ou nada do conflito na Ucrânia. A análise é feita pelo porta-voz do Ministério da Defesa ucraniano: “A situação na frente leste é extremamente difícil, porque o destino deste país poderá estar a ser decidido lá.” Para Oleksandr Motuzyanyk, citado pela Al Jazeera, está atualmente a decorrer a “fase mais ativa da agressão” russa.

A guerra por Donbass está em andamento (devagar, gradualmente e com muitos erros russos pelo caminho)

Segundo o Instituto para o Estudo da Guerra, que publica diariamente relatórios sobre o conflito na Ucrânia, a estratégia do Kremlin para conquistar esta zona do país tem sido a criação de “pequenos cercos” simultâneos. “As forças russas terão abandonado os esforços para completar um único grande cerco às forças ucranianas no leste do país e estão, em vez disso, a tentar assegurar cercos mais pequenos — permitindo-lhes obter ganhos específicos“, lê-se no último relatório.

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Ainda assim, os progressos da Rússia naquela zona do país têm sido reduzidos, mesmo tendo em conta a sua superioridade em termos de armamento e militares, lê-se no New York Times. O próprio Kremlin assumiu um abrandamento no ritmo da ofensiva. A justificação? Para permitir a retirada de civis, adiantou esta terça-feira ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu.

Mapa da guerra. O que se sabe sobre este 90.º dia de conflito na Ucrânia

“As forças russas fizeram mais avanços na última semana do que durante todo o mês de maio, mas esses progressos continuam lentos, circunscritos em objetivos inferiores aos que o Kremlin pretendia; não constituem um grande avanço“, refere ainda o Instituto para o Estudo da Guerra.

Segundo o New York Times, a frente de batalha centra-se agora numa zona de cerca de 120 quilómetros no Donbass e inclui três cidades: Sloviansk, Kramatorsk — onde um ataque à estação de comboios, em abril, fez mais de 50 mortos — e Severodonetsk. Só esta terça-feira pelo menos 14 pessoas morreram e outras 15 ficaram feridas na sequência de ataques das tropas russas nesta região.

Sloviansk: Rússia quer cercar tropas ucranianas através de cinco rotas

A vida em Sloviansk (na região de Donetsk), uma das maiores cidade do Donbass, parece ter sido pouco afetada, apesar das sirenes que se fizeram ouvir esta terça-feira. Segundo a Al Jazeera,  as ruas continuam movimentadas, com crianças a circularem nas suas bicicletas e artistas de rua a tocarem violino junto a um supermercado.

A situação, contudo, poderá estar prestes a mudar, uma vez que o Kremlin tem na sua mira cinco rotas em direção a Sloviansk para conquistar a cidade — uma operação que, se for bem sucedida, deixará milhares de tropas ucranianas cercadas. Esse objetivo, contudo, ainda não foi concretizado, apesar dos constantes ataques, nomeadamente à linha férrea que liga a cidade ao resto do país, e do envio de tropas de Izium, cidade a 50 quilómetros de Sloviansk e onde está concentrado um elevado número de militares russos.

Kramatorsk: ataques continuam após bombardeamento a estação de comboios

A cidade de Kramatorsk (na região de Donetsk) foi palco de um dos mais marcantes ataques a civis por parte das tropas russas. Em abril, um míssil atingiu uma estação de comboios, matando mais de 50 pessoas — entre elas pelo menos cinco crianças — e ferindo outras 100. No local, na altura do ataque, estariam cerca de quatro mil pessoas, essencialmente mulheres, crianças e idosos, que tentavam escapar da cidade.

Pelo menos 50 mortos e vários mutilados em ataque à estação de comboios onde estavam 4 mil pessoas. O filme do ataque a Kramatorsk

Os ataques à cidade, contudo, não ficaram por aqui. Ainda esta quarta-feira, uma área residencial de Kramatorsk foi atingida por vários mísseis russos.

Severodonetsk: a próxima Mariupol?

Segundo a Al Jazeera, as forças russas estão a concentrar os seus esforços não só em Severodonetsk (na região de Lugansk), que fica na margem oriental do rio Severski Donets e que conta com cerca de 15 mil habitantes, mas também na sua cidade “gémea” de Lysychansk, localizada na margem ocidental.

O rio Severski Donets, contudo, tem sido um ponto-chave da defesa ucraniana. A tentativa de atravessar o rio através de pontes flutuantes, no início deste mês, saiu caro às tropas russas: mais de 400 militares morreram ou ficaram feridos nos ataques por parte das forças ucranianas, refere o New York Times.

Se estas duas cidades caírem, a Rússia terá total controlo sobre a região de Lugansk. Para tentar cercar estas localidades, a Rússia está a atacar em três direções diferentes, refere o governador da província de Lugansk. Uma dessas frentes vem de Popasna, que é atualmente controlada pela Rússia após a retirada das tropas da Ucrânia. A cidade foi de tal forma bombardeada que fez com que já não houvesse nada para os ucranianos defenderem, lê-se no New York Times.

“Toda a restante força do exército russo está agora concentrada nesta região”, afirmou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, na sua habitual declaração diária esta terça-feira.

Segundo o porta-voz do Ministério da Defesa da Ucrânia, as tropas do país estão a fazer de tudo para manter o controlo da autoestrada que permite o abastecimento dos militares ucranianos em Severodonetsk, lê-se na BBC.

“Eles estão a destruir a cidade”, garantiu Sergiy Haidai, acrescentando que os bombardeamentos aumentam de dia para a dia e que esta terça-feira já havia combates nos arredores da cidade. Haidai chegou mesmo a comparar a destruição na sua região com a de Mariupol, que depois de meses a ser bombardeada caiu nas mãos das tropas russas.

Governador de Lugansk diz que a região “é agora como Mariupol”

De acordo com New York Times, os constantes ataques russos deixaram a população desta cidade sem acesso a eletricidade ou água corrente. Ainda assim, de acordo com o governador de Lugansk, apesar dos bombardeamentos, a ajuda humanitária ainda está a conseguir chegar à cidade.

De acordo com os especialistas do Instituto para o Estudo da Guerra, se efetivamente as tropas russas conseguirem cercar Severodonetsk, é “provável” que tenham pela frente “um prolongado combate urbano”.