O início é solene. Uma sala com muita gente à espera e uma linha de diálogo bastam para entender que temos de esperar muito. Sem sinopse, não sabemos ao que vamos, quando damos conta estamos metidos numa sala com um medium. Ramsès (Karim Leklou) surge com grande credulidade, vamos na sua mentira, acreditamos que está a fazer qualquer coisa com o além. Não tanto pelo que faz, mas pelo rosto, parece alguém incapaz de mentir. Não demorará muito para descobrirmos que é um mentiroso, um manipulador, e que faz tudo parte de um ótimo esquema.
Clément Cogitore usa-o como porta para o bairro onde viveu grande parte da sua vida adulta, o Goutte d’or em Paris. Ramsès existe como veículo para sermos introduzidos a um bairro tenso, com diversas dinâmicas, por onde vagueiam uns miúdos incontroláveis. A morte de um deles transforma o filme e Ramsès entra num percurso de medo e de dúvida, enquanto o realizador transforma o filme: deixa de ser sobre um manipulador e passa a ser sobre uns miúdos selvagens, sem regras, que vivem no meio de nós.
Não é tanto o medo, a demonização inicial, que choca ou que, mais tarde, cria alguma empatia. Antes, os seus modos selvagens, sem lei, sem conduta e sem qualquer resposta da sociedade: nunca se sente que a sociedade os tenha abandonado, apenas escolheram viver assim. E, por isso, comportam-se com outros códigos ou com ausência de códigos. São inspirados numa história verdadeira e apesar de serem as mentiras de Ramsès que convidam, são “Os Filhos de Ramsès” que nos fazem ficar até ao fim.
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