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Várias das principais igrejas e comunidades religiosas presentes em Portugal reagiram ao ataque desta terça-feira no Centro Ismaili de Lisboa, que provocou duas mortes, com duras palavras de condenação em relação aos homicídios e de solidariedade para com aquela comunidade muçulmana, com mensagens com um traço comum: a importância do diálogo inter-religioso na construção da paz.

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), órgão máximo da Igreja Católica em Portugal, emitiu um comunicado a manifestar “profunda consternação pelo ataque” e a sublinhar a relevância da construção de pontes entre as diferentes comunidades religiosas radicadas no país. “A nossa proximidade orante e solidária dirige-se, neste momento, às famílias enlutadas e à comunidade ismaelita que sofrem as consequências de um ato chocante”, lê-se no comunicado emitido pelo secretariado da CEP, órgão colegial que reúne todos os bispos católicos portugueses. “Reafirmamos, nesta dolorosa ocasião, a importância que o diálogo entre as diferentes religiões assume na construção da paz e do bem comum de uma sociedade.”

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A título pessoal, o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, fez também sair uma nota na qual lamentou “profundamente o trágico ataque” e expressou a sua “dor e total solidariedade com a Comunidade Ismaelita e famílias das vítimas”.

Na nota enviada pelo Patriarcado de Lisboa — a circunscrição eclesiástica da cidade onde ocorreu o ataque —, lê-se ainda que D. Manuel Clemente recordou o facto de ter “com a comunidade Ismaelita uma relação próxima e de permanente diálogo inter-religioso, como caminho para a construção da paz e de um mundo mais justo”.

Ainda dentro da Igreja Católica, o presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, Pedro Vaz Patto, disse à Agência Ecclesia que o ataque no Centro Ismaili de Lisboa não representa qualquer comunidade religiosa nem pode permitir-se que dele se façam generalizações.

“Não há nenhum motivo para associar este ato à própria comunidade, que se distingue pela sua abertura ao diálogo inter-religioso, pela recusa de qualquer extremismo. O que aconteceu terá sido um ato isolado, de uma pessoa que se representa apenas a si própria e que poderia acontecer com qualquer outra comunidade”, disse Vaz Patto, presidente da CNJP, um organismo da CEP que se dedica a promover e defender a justiça e a paz à luz da Doutrina Social da Igreja.

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Pedro Vaz Patto disse ainda esperar que este acontecimento “não ensombre a boa integração desta comunidade na sociedade portuguesa”. Numa mensagem em que manifestou “solidariedade” à comunidade e às famílias das vítimas, destacou que os Ismailis “são pessoas abertas ao diálogo” e “com uma ação social meritória”.

Dentro do Islão, o presidente da Comunidade Islâmica de Lisboa (do ramo sunita do Islão, que é o maioritário tanto no mundo como em Portugal), Mahomed Iqbal, manifestou solidariedade com a Comunidade Ismaili de Lisboa (que é uma das tradições do ramo xiita, separada do ramo sunita desde a crise de sucessão ao profeta Maomé, no século VII) e disse que este é um “precedente péssimo para Portugal”, um país onde as relações entre as diferentes correntes islâmicas tem sido “extraordinária”.

“Obviamente que é um precedente péssimo para Portugal, acho que nunca esperávamos que acontecesse”, disse Iqbal em declarações à Rádio Observador. “Nós lastimamos muito um ato desta natureza, seja com quem for, e obviamente que estamos totalmente solidários com os nossos irmãos ismaelitas neste momento.”

O líder da comunidade, baseada na Mesquita Central de Lisboa, admitiu que o ataque vai obrigá-los “a reforçar a segurança e a ver as coisas de uma forma um bocadinho diferente”.

“Mas, em termos de comunhão [com os muçulmanos xiitas], não vai afetar. Vai fortificar, solidificar, como infelizmente esses atos tendem a fazer. Nós não precisamos desses atos para que isso aconteça. Temos um extraordinário relacionamento com os nossos irmãos ismaelitas e choca-nos totalmente um ato desta natureza”, disse ainda.

Sobre eventuais tensões entre os dois ramos do Islão em Portugal, Iqbal garantiu que a relação “tem sido extraordinariamente pacífica”.

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“Nós somos muito solidários uns com os outros, somos muito amigos, temos coisas em conjunto. Naturalmente, [a relação] não podia ser melhor. Fico, neste momento, com muita pena pelas vítimas, pelos familiares das vítimas e por todos nós. Obviamente, um ato desta natureza tem, infelizmente, repercussões extraordinariamente negativas num bom ambiente em que nós, graças a Deus, vivemos“, declarou.

A Aliança Evangélica Portuguesa (AEP), organismo que congrega as várias igrejas evangélicas presentes em Portugal, também reagiu ao ataque com uma mensagem de condolências publicada no seu site, no qual, além de apresentar uma nota de pesar pelas vítimas, também sublinha a boa experiência de diálogo inter-religioso com a comunidade Ismaili.

“Tendo tido conhecimento da ocorrência dos dois homicídios hoje no vosso Centro em Lisboa, a Aliança Evangélica Portuguesa vem, por este meio, manifestar a sua mais profunda solidariedade e pesar às famílias das vítimas e a toda a comunidade Ismaili no nosso país”, lê-se na nota, dirigida à comunidade.

“Desconhecemos detalhes sobre a ocorrência, mas a aproximação que as nossas comunidades têm tido nos últimos anos, designadamente através do Grupo de Trabalho para o Diálogo Inter-religioso, permitem-nos sentir a vossa dor e preocupação, como se tal tivesse ocorrido numa das nossas comunidades. Somos conclamados à proclamação da Paz entre todas as pessoas pelo que repudiamos qualquer tipo de violência”, destaca o texto da AEP.

“Perante a perplexidade que esta situação nos causa, dirigimos as nossas orações ao Altíssimo Deus a vosso favor”, diz a Aliança Evangélica, organismo que representa os perto de 200 mil cristão evangélicos que vivem em Portugal.

Do mundo judaico chegou uma mensagem semelhante, difundida pela Comunidade Israelita de Lisboa. Em comunicado, a CIL manifestou “o seu profundo pesar pelo trágico ato que vitimou duas pessoas hoje de manhã no Centro Ismaili em Lisboa”.

“Às famílias das vítimas, e a toda a Comunidade Ismaelita, enviamos as nossas sentidas condolências. Nada justifica um ataque tão abominável como este que hoje manchou a nossa sociedade”, destacou o organismo judaico. “Desconhecendo as motivações deste ato bárbaro, praticado num local comunitário e de culto, nada justifica, em momento algum, o recurso à violência e à morte. A intolerância étnica ou religiosa, assim como o ódio que tem a sua origem na diferença, não são admissíveis em nenhuma situação. A Comunidade Ismaelita conta com a nossa total solidariedade.”

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O ataque no Centro Ismaili levou também o embaixador de Israel em Portugal a cancelar o jantar de Iftar (nome dado à refeição noturna com que os muçulmanos quebram o jejum nos dias do Ramadão) que estava agendado para esta noite. “O jantar de Iftar, iniciativa do embaixador [Dor] Shapira no ano passado, procurava reunir membros das comunidades muçulmana, cristã e judaica na residência do embaixador de Israel em Portugal. O evento simbolizava paz e união entre todas as religiões”, diz um comunicado da embaixada de Israel, salientando o “sucesso” da edição do ano passado.

“Em face dos eventos devastadores, o embaixador Dor Shapira decidiu cancelar o evento e doar toda a comida encomendada para a ocasião às pessoas necessitadas da comunidade islâmica”, disse ainda a embaixada.

Citado naquele comunicado, o embaixador destacou que a tradição iniciada no ano passado era um “símbolo de paz e união entre as religiões” e disse ainda que espera realizar o jantar no próximo ano.

Portugal é frequentemente apontado como um exemplo de diálogo inter-religioso a nível europeu e mundial. As várias igrejas e religiões presentes no país têm um longo historial de cooperação, facilitado por uma Lei da Liberdade Religiosa pioneira, e exemplos como o do Grupo de Trabalho Inter-religioso para as questões da saúde são expressão desse diálogo permanente.

Um homem de 29 anos de idade e de nacionalidade afegã matou esta terça-feira à facada duas mulheres no Centro Ismaili, de Lisboa. O atacante foi neutralizado pela polícia e levado, já sob custódia policial, para o Hospital de São José, onde está a ser tratado. O Observador está a acompanhar ao minuto, neste liveblog, os desenvolvimentos do caso.