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Desde a fundação da NATO, no final da Segunda Guerra Mundial, a Suécia e a Finlândia preferiram manter-se fora do bloco militar ocidental, considerando que a política de não-alinhamento era a melhor opção para aqueles países, considerando especialmente que a Finlândia partilha uma fronteira terrestre de 1.300 quilómetros com a Rússia.

Sete décadas depois, esta terça-feira assinala-se formalmente — com o hastear da bandeira finlandesa na sede da aliança em Bruxelas — o momento histórico em que, quebrando a sua política de não-alinhamento, a Finlândia passa a ser membro efetivo da NATO.

A mudança aconteceu por causa da invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, que alterou as dinâmicas de segurança na Europa e levou aqueles países, historicamente não-alinhados, a considerar que precisavam de se juntar à NATO — e ao seu princípio da defesa coletiva, segundo o qual um ataque a um membro da NATO é um ataque a todos os membros da aliança — para se protegerem de eventuais novas agressões russas.

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As candidaturas da Suécia e da Finlândia arrastaram-se durante vários meses sobretudo devido ao bloqueio da Turquia, que acusava os dois países de acolher militantes curdos, que Ancara considera terroristas, e que por isso não aprovou a entrada dos países nórdicos na NATO. No final de março, a Turquia votou favoravelmente a adesão da Finlândia (embora a candidatura da Suécia continue bloqueada).

Agora que a Finlândia entrou na NATO, quais as implicações para a segurança europeia e para o desenvolvimento da guerra na Ucrânia? Que reação esperar da Rússia, que justificou várias vezes a invasão da Ucrânia com a necessidade de conter o avanço da NATO para leste e que agora passa a ter mais 1.300 quilómetros de fronteira terrestre direta com a aliança?

Adesão põe à prova retórica russa

Para o historiador Bruno Cardoso Reis, especialista em questões de segurança e defesa e comentador da Rádio Observador, a entrada da Finlândia na NATO vai ser uma “rara” possibilidade de uma “experiência no mundo real” para a ciência política.

“Se realmente fosse verdade que a principal razão russa da Ucrânia era a dita expansão da NATO, o alargamento da NATO, então a única opção lógica neste momento era o Presidente Putin estar a mandar as tropas retirarem da Ucrânia e começarem a invadir a Finlândia, porque amanhã a Finlândia vai ser membro da NATO”, disse o historiador no programa Gabinete de Guerra de segunda-feira, na Rádio Observador.

Adesão Finlândia à NATO “é um teste na vida real”

Salientando que o processo de adesão da Finlândia à NATO demorou um ano apesar de aquele país nórdico estar praticamente preparado para aderir a qualquer momento, devido à sua já longa colaboração próxima com a aliança e ao alinhamento das suas práticas militares com as dos países da NATO, Bruno Cardoso Reis destaca que fica claro “como é complexo o processo de adesão à NATO“, até porque “é preciso o acordo unânime de todos os estados-membros”.

E, ao contrário do que aconteceu agora com a Finlândia, “este processo nunca foi iniciado em relação à Ucrânia, nunca houve acordo de todos os estados-membros”.

Finlândia passa esta terça-feira a ser “membro de pleno direito” da NATO

“Pelo contrário: quando isso foi tentado em 2008 pelos EUA, foi vetado por vários países europeus importantes, inclusivamente a Alemanha e a França”, sublinha Bruno Cardoso Reis. “Portanto, em relação à guerra, [a adesão da Finlândia] tem sobretudo esta implicação de mostrar que este pilar da propaganda russa e pró-russa, que infelizmente tem tido até muito eco no Ocidente e a nível global, realmente é uma completa falácia. Não é, claramente, essa a razão da invasão russa da Ucrânia.”

“Se fosse, então a Finlândia estaria em risco de ser invadida”, destaca.

O que a Finlândia dá à NATO?

Efetivamente, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022, uma das principais justificações invocadas por Vladimir Putin foi a de que a Rússia precisava de se defender de um avanço da NATO rumo ao leste, aproximando-se gradualmente das suas fronteiras — e as pretensões ucranianas de um dia aderir à NATO e à UE colocariam em risco a segurança russa.

A adesão da Finlândia à NATO, que aumenta efetivamente em 1.300 quilómetros a fronteira terrestre entre a Rússia e a aliança, coloca essa tese à prova e mostra, segundo Bruno Cardoso Reis, que é o Ocidente que sente a necessidade de se proteger da Rússia (através da NATO), e não a Rússia que precisa de se proteger do Ocidente.

“A Finlândia é um país muito bem armado, muito bem equipado. Mais uma vez, para quem tem receio de que o armamento sofisticado ocidental seja a causa da guerra, pelo contrário: na Finlândia fica muito evidente que é um fator fundamental de dissuasão da agressão russa. Aquilo que impede a Rússia de invadir a Finlândia é fundamentalmente o facto de a Finlândia ser um osso muito mais duro de roer”, diz. “Agora passa a ter uma garantia de segurança adicional.”

Mas a verdade é que, num plano de segurança profundamente alterado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, com as tensões entre Moscovo e o Ocidente num novo pico, a adesão da Finlândia à NATO será vital para a segurança do Ocidente — e não é apenas a Finlândia a beneficiar da NATO, mas também o inverso.

“Agora a Finlândia precisa da NATO, mas a NATO também precisa da Finlândia perante uma Rússia agressiva”, disse à AFP Jamie Shea, antigo alto funcionário da NATO e investigador do think-tank Chatham House. “A defesa coletiva da NATO contra a Rússia será mais fácil agora que a aliança tem acesso ao território finlandês e às capacidades que a Finlândia traz para a mesa.”

Uma das grandes preocupações da NATO a leste tem sido a proteção dos países bálticos — os antigos territórios soviéticos da Estónia, Letónia e Lituânia — e este trabalho será agora mais fácil com a Finlândia no grupo, já que a NATO terá maior facilidade em dominar o Mar Báltico e a proximidade de Helnsínquia a Tallin, a capital da Estónia, através do mar, cria uma nova rota para eventuais reforços militares aos bálticos, caso o acesso a partir da Polónia seja cortado entre o enclave de Kaliningrado e a Bielorrússia.

Mais a norte, a presença da Finlândia na NATO vai deixar a aliança menos dependente exclusivamente de algumas bases aéreas norueguesas, passando a ter muito mais território perto da Rússia onde estacionar tropas e meios no caso de ser necessário defender os países ocidentais de um eventual ataque russo — embora a aliança tenha dito que, para já, os planos não passam por estacionar na Finlândia contingentes da NATO.

Atualmente, a Finlândia tem cerca de 19.000 militares profissionais e 238 mil na reserva, que podem ser mobilizados de imediato. A estes, somam-se quase um milhão de cidadãos na reserva territorial, que podem juntar-se à mobilização militar em caso de conflito. Segundo a BBC, a Finlândia tem ainda 100 tanques, 107 aviões de combate, 19 helicópteros, 613 veículos blindados e 672 peças de artilharia para reforçar as forças da NATO — com a vantagem de serem equipamentos ocidentais, compatíveis com aqueles que os outros países da NATO usam.

O que é certo é que, para Putin, este é um momento em que os planos parecem ter saído furados: a invasão da Ucrânia não terminou em poucos dias, como Moscovo previa; as capacidades militares russas estão hoje muito enfraquecidas (tendo a Rússia de continuar a recrutar entre os civis); os aliados reforçaram os seus investimentos em defesa; e dois países que historicamente se tinham mantido não alinhados, a Finlândia e a Suécia, juntaram-se ao bloco militar do Ocidente.

Rússia reorganiza forças perto da fronteira

Da parte de Moscovo, a adesão da Finlândia à NATO é lida como uma “invasão da segurança” da Rússia e representa um “agravamento da situação” no terreno — motivo pelo qual a Rússia já garantiu que, em resposta à entrada da Finlândia na aliança atlântica, vai tomar medidas de segurança no noroeste do seu território.

Entre as “contramedidas” que a Rússia já tinha preparadas para uma eventual adesão da Finlândia à NATO inclui-se a reorganização do distrito militar ocidental, com a criação de 12 divisões dentro desse distrito, na região da fronteira.

Já esta semana, à imprensa russa, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Alexander Grushko, garantiu que a Rússia vai reforçar o poder militar nas proximidades da Finlândia em resposta: “Vamos reforçar o nosso potencial militar a direção oeste e noroeste. No caso de forças e recursos de outros membros da NATO serem mobilizados para a Finlândia, vamos dar passos adicionais para assegurar a segurança militar russa.”