Concursos desertos, aumentos de preços da ordem dos 40% e um processo de litigância na plataforma de empréstimo de livros eletrónicos são algumas das dificuldades verificadas na execução do PRR para a Cultura, reveladas no parlamento esta terça-feira.

O diretor-geral do Património Cultural, João Carlos dos Santos, na qualidade de presidente da Comissão Diretiva do Fundo de Salvaguarda do Património Cultural, e a diretora-geral do Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais (GEPAC), Fernanda Heitor, foram ouvidos na comissão parlamentar de Cultura, no âmbito de um requerimento do PSD, sobre a avaliação da execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) Cultura.

Em resposta a um pedido de ponto da situação feito pelo deputado Guilherme Almeida, do PSD, os responsáveis começaram por fazer um balanço positivo da aplicação e distribuição dos 243 milhões de euros, previstos para a área da Cultura, no âmbito do mecanismo de financiamento europeu, para reformas estruturais em resposta à crise pandémica provocada pela covid-19.

No entanto, admitiram algumas dificuldades, como é o caso de uma “litigância dos concorrentes, em particular nalguns concursos de transição digital nomeadamente para a criação da plataforma de empréstimo de livros eletrónicos junto de cerca de 300 bibliotecas púbicas”, apontada por Fernanda Heitor.

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“Aqui há um procedimento de contratação pública que se encontra suspenso, na sequência de uma interposição, de um concorrente ao concurso, de uma ação em tribunal”, afirmou.

Sobre esta matéria, garantiu estar a “acompanhar a situação” para perceber o que deve ser feito, tal como no caso da digitalização da Direção-Geral do Livro dos Arquivos e das Bibliotecas, em que “o primeiro concurso ficou vazio”, tendo sido necessário lançar um segundo concurso.

Mas este não foi caso único, como indicou João Carlos dos Santos, afirmando que os concursos desertos e o aumento de preços são duas das “razões principais que contribuem para algum desvio do cronograma de execução”.

“Os concursos desertos verificam-se por várias razões, a primeira das quais é a especificidade de mão-de-obra. Temos tido alguma dificuldade na área de conservação e restauro, temos um aspeto muito importante que é: as empresas que concorrem aos projetos que lançamos não podem depois concorrer às obras e são as mesmas empresas”.

Segundo o diretor-geral do Património Cultural, têm surgido vários projetos, como um do Convento de Cristo, que já está resolvido, “obrigou a rever o programa preliminar, no sentido de reajustar o preço disponível”.

O mesmo se passou com projetos de conservação e restauro para o Museu Nacional de Arte Antiga e para o Mosteiro dos Jerónimos.

“É uma área complicada para nós, que, apesar de tudo, estamos a conseguir resolver. Também temos outros casos, como o do Laboratório José de Figueiredo, em que o projeto de arquitetura e especialidade também ficou deserto. Tem a ver com o que oferecemos aos projetistas, o preço base disponível, que tem a ver com o valor de investimento que temos”.

O aumento dos preços é outro problema que se prende essencialmente com a conjuntura, como explicou o responsável, em resposta ao deputado Jorge Galveias, do Chega, sobre a suficiência das verbas.

“No global, estamos muito satisfeitos. Recordo que o PRR Cultura não existia na primeira versão. Este valor é excelente. Não chega para tudo, gostaríamos de ter mais, mas não sei se conseguiríamos concretizar, mesmo este, vamos ter dificuldade em concretizar em tão pouco tempo. Este é um dos principais problemas que temos”, afirmou.

Especificamente sobre as verbas previstas nos projetos em particular, João Carlos dos Santos admitiu que “evidentemente há um problema”. “Os projetos foram orçamentados com base em estimativas feitas em 2019 e, entretanto, a inflação disparou, a guerra também veio contribuir com um aumento muito grande de preços e, portanto, estamos aqui com um problema em alguns caso em acomodar esta diferença de preços, entre aquilo que estava previsto em 2019, e a realidade agora, e eu posso dizer que estamos a falar de cerca de 35% a 40% a mais do que aquilo que estava previsto“.

Em resposta à deputada Paula Santos, do PCP, sobre as formas procuradas para ultrapassar as dificuldades, nomadamente de execução face à escassez de tempo, João Carlos dos Santos adiantou que os serviços foram dotados de mais trabalhadores.

“Fizemos uma reestruturação cirúrgica da DGPC [Direção-Geral do Património Cultural], criámos mais um departamento, o departamento do fundo de salvaguarda do património cultural, para gerir este projeto, esta componente. Reforçámos as equipas”, disse, acrescentando que continuam a “tentar reforçar algumas equipas”.

Pelo Bloco de Esquerda, a deputada Joana Mortágua quis saber o que estava a ser feito em termos de contratação para áreas do património e museus, e questionou o responsável sobre se a “precariedade ainda existe”.

João Carlos dos Santos revelou que foram abertos concursos para 40 conservadores e que, anteriormente, já tinham sido abertos concursos para 74 assistentes de sala.

“Estamos a tentar reforçar os nossos quadros também nessa área, por isso fizemos um concurso externo. Está a decorrer, houve muito candidatos, brevemente iremos dar os resultados e teremos um reforço significativo de assistentes de sala, sem serem precários, nos nossos museus monumentos e palácios”, garantiu.

Ainda sobre os atrasos na execução do PRR Cultura, a deputada Patrícia Gil Vaz, da Iniciativa Liberal, perguntou se foram ou estão a ser recuperados, ao que João Carlos dos Santos respondeu que as “equipas estão todos os dias empenhadas em recuperar os atrasos”, acrescentando que estão a “cumprir os compromissos e metas”.

Desviando-se do tema em debate na audição, Joana Mortágua quis saber se todos os apoios do programa Garantir Cultura estavam atribuídos. Fernanda Heitor respondeu, esquivando-se contudo a detalhes, alegando que não estava preparada com dados.

A responsável indicou que o ministro da Cultura, por via de um novo aviso publicado a 28 de fevereiro, prolongou os prazos de execução projetos. “Registou-se um conjunto significativo que tinha ultrapassado o prazo, o senhor ministro, no âmbito desse aviso, determinou que podia ser concluído até ao dia 31 de março, portanto aqueles que se concluirão para além desse ‘timing’, naturalmente seguirão esse percurso”, afirmou.

O PRR para a área da Cultura tem uma dotação global de 243 milhões de euros (ME), dos quais 150 ME dizem respeito ao Património Cultural e 93 ME à aplicação em Redes Culturais e na Transição Digital.

A componente do Património Cultural do PRR visa intervenções em 49 instituições de “requalificação prioritária”, e prevê ainda a instalação do Centro Tecnológico do Saber Fazer e dos Laboratórios do Saber Fazer, no contexto da estratégia para as artes e ofícios tradicionais.

Na área da transição digital, abrange a instalação do Arquivo Nacional do Som, a aquisição de equipamento de projeção digital, para 155 cineteatros e centros públicos de arte contemporânea, e a modernização tecnológica dos laboratórios de conservação e restauro do Estado, incluindo o Arquivo Nacional da Imagem em Movimento, da Cinemateca Portuguesa.

A compra de novos equipamentos informáticos e sistemas de informação, para 239 bibliotecas públicas, a constituição de bibliotecas itinerantes ‘online’, a digitalização de acervos, o apoio à tradução de obras literárias, à edição de ‘audiobooks’ e ‘ebooks’, à modernização e transição digital das livrarias e à criação da Plataforma de Empréstimo de Livros Eletrónicos são outras medidas previstas.