Falta menos de um mês para Rui Pinto ficar a conhecer a sua sentença. A 28 de abril, o coletivo de juízes, presidido por Margarida Alves, vai anunciar a decisão sobre o caso do Football Leaks, uma história que começou em 2015 num pequeno apartamento na Hungria e terminou nas instalações da Polícia Judiciária, em Lisboa. Durante estes oito anos, Rui Pinto, a figura principal deste caso, nunca revelou quem trabalhou consigo na divulgação de dezenas de documentos que envolveram jogadores de futebol, agentes, clubes, fundos de investimento, sociedades de advogados e ataques informáticos a sistemas do Estado português, como a Procuradoria-Geral da República.

O caso do Football Leaks é “um dos maiores roubos de informação confidencial da história”, descreve o jornalista Nuno Tiago Pinto, no livro que acaba de publicar “Rui Pinto, o hacker que abalou o mundo do futebol” e que conta toda a história do acesso a e-mails, da violação de correspondência privada e da colaboração com a justiça francesa. Em tribunal, durante as quatro sessões em que decorreram as alegações finais deste caso, Rui Pinto teve tempo para explicar o que fez, como fez e até a que contas acedeu — as da Sporting SAD, do fundo de investimento da Doyen, do Benfica, da Federação Portuguesa de Futebol, da PGR e de funcionários judiciais são apenas alguns exemplos. Mas há episódios que Rui Pinto não abordou perante o coletivo de juízes e que são agora contados.

O longo caminho até Rui Pinto e a equipa contratada pela Doyen

Chegar até ao criador do Football Leaks não foi rápido, nem fácil. E as autoridades portuguesas demoraram anos para conseguir trazer Rui Pinto para as instalações da Polícia Judiciária. O percurso, desde que perceberam que existia um português na Hungria suspeito de praticar crimes informáticos até à sua detenção, é uma das longas histórias que Nuno Tiago Pinto conta no livro que acaba de lançar e que começa, precisamente, quando Rui Pinto decide fazer uma tentativa de extorsão à Doyen — momento que, aliás, Rui Pinto explicou durante as alegações finais do julgamento deste caso.

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Rui Pinto sobre a tentativa de extorsão à Doyen: “Não estava consciencializado sobre o que significava a palavra extorsão”

As primeiras pistas sobre a identidade de Rui Pinto surgiram em dezembro de 2015, num artigo do New York Times. Mas antes desta divulgação já a Doyen tinha apresentado queixa a propósito da tentativa de extorsão, em que Rui Pinto pedia entre 500 mil e um milhão de euros a este fundo de investimento em troca do seu silêncio. O alegado pirata informático tinha acedido a várias contas de e-mail dos funcionários da Doyen e tinha informação que ameaçava revelar.

O caso tinha ficado então com o inspetor Rogério Bravo, que começou a fazer contactos com as autoridades húngaras. Mas sempre sem sucesso. Aliás, a PJ chegou a questionar a Hungria sobre a possibilidade de um pedido nacional para encontrar Rui Pinto, mas a lei húngara não permitia que tal fosse possível. E é por isso que a Doyen acaba por contratar uma equipa de investigadores britânicos para encontrar Rui Pinto. Foi no final de 2015 que uma equipa da empresa contratada, a K2 Intelligence, chegou a Budapeste. Objetivo: encontrar Rui Pinto. E conseguiram.

Os investigadores estiveram na faculdade onde estudou Rui Pinto, perceberam quem eram os seus amigos e que o pirata informático marcava presença nas festas universitárias. No livro “Rui Pinto, o hacker que abalou o mundo do futebol”, um dos elementos da equipa de investigação da K2 Intelligence conta que encontraram Rui Pinto numa festa, mas que acabaram por perder-lhe o rasto nessa noite. Regressaram e, numa segunda tentativa, conseguiram segui-lo até casa. “Queríamos tentar impedi-lo, legalmente, de continuar a divulgar informação. Batemos à porta e pedimos para falar com ele. Foi uma mulher que abriu. Deixámos um cartão, mas ele nunca respondeu”, contou o mesmo investigador a Nuno Tiago Pinto.

Estas informações chegaram a Portugal no final de 2015 e as autoridades portuguesas decidiram fazer um novo pedido à Hungria. Mas, mais uma vez, a cooperação internacional não estava a resultar e o Football Leaks continuava a divulgar informação sobre contratos de jogadores de futebol e sobre clubes internacionais, como o Real Madrid. Até ser dada luz verde pelas autoridades da Hungria, a Polícia Judiciária ainda fez um pedido de colaboração com a justiça espanhola, já que muitos documentos divulgados estavam também relacionados com a fuga ao fisco espanhol por parte de jogadores.

Ronaldo, a acusação por violação e o arquivamento do processo

Entre jogadores, agentes, clubes e advogados, o Football Leaks apanhou também na sua teia Cristiano Ronaldo. E cercou-o. Um dos episódios contados por Nuno Tiago Pinto relata que Rui Pinto foi um elemento-chave na reabertura do caso da acusação por violação que Kathryn Mayorga fez, em 2018, contra o jogador português. Nessa altura, Leslie Stovall, então advogado de Mayorga, entrou em contacto com a revista alemã Der Spiegel, depois de ter sido divulgado que uma mulher tinha acusado Ronaldo do crime de violação e que o caso tinha sido arrumado com um acordo extrajudicial, que previa o pagamento de 260 mil euros. Na publicação não era revelado o nome de Mayorga, mas o advogado da americana tentou obter, junto da revista, os documentos que serviram de base à notícia.

Football Leaks. Advogado de Rui Pinto entende que “pena de prisão suspensa será suficiente”

Sem resposta, Leslie Stovall enviou um e-mail para o endereço do Football Leaks. O assunto do mesmo não deixava dúvidas: “Cristiano Ronaldo’s Rape Case.” E foi então pedida ajuda para ter acesso a comunicações, e-mails, mensagens, publicações nas redes sociais e todos os documentos que pudessem ajudar a conseguir provas contra Ronaldo. A resposta ao e-mail enviado no dia 30 de abril de 2018 chegou praticamente três meses depois, a 25 de julho. “Em anexo encontra toda a informação relevante na minha posse. Espero que ajude”, escreveu Rui Pinto, que assinava com o nome “John”.

O livro recentemente publicado conta então que o advogado de Mayorga conseguiu ter acesso às comunicações entre a defesa de Ronaldo, em que discutiam as estratégias de negociações em relação ao caso. O processo é então reaberto um mês depois pela justiça norte-americana, mas acaba por ser arquivado em junho de 2022, com várias críticas à forma como Leslie Stovall conseguiu a informação. O tribunal disse mesmo que o advogado “atravessou a fronteira do comportamento ético antes de dar entrada com a ação”.

Mas as informações que Rui Pinto conseguiu e que estão relacionadas com Cristiano Ronaldo não dizem só respeito ao caso Mayorga. Aliás, em 2019, o jogador chegou a deslocar-se às instalações da Polícia Judiciária, em Lisboa, para ser interrogado como testemunha, depois de as autoridades encontrarem nos discos de Rui Pinto informações sobre a situação fiscal de vários atletas. E os inspetores queriam também saber se Cristiano Ronaldo tinha sido contactado por Rui Pinto, à semelhança daquilo que aconteceu com a tentativa de extorsão à Doyen. A resposta foi negativa.